Com um pouco de tempo livre que me restava na semana, resolvi ir atrás de uma diretora clássica consagrada que eu ainda não havia assistido. Eis que escolhi assistir ao clássico Eu, Tu, Ele, Ela (1974), primeiro longa dirigido e protagonizado por Chantal Akerman, diretora belga de origem judaica.
O filme tem uma premissa simples: uma mulher sozinha no apartamento aguarda, espera, conta o tempo. Depois, escreve uma carta a um desconhecido, anda nua, experimenta seus corpo e os cantos da casa em um brutal silêncio. Em seguida, resolve sair de casa e encontra com duas pessoas: um motorista com quem passa um tempo pela estrada e uma mulher com quem encontra em um apartamento. Tudo isso repleto de silêncios, monólogos, tédios e esperas.
O mais interessante do filme – principalmente por se tratar da obra de estreia de Chantal – é que ela assume uma série de riscos: o risco do vazio, do silêncio e o risco de se perder alternando o papel de direção e protagonismo. Entretanto, este me parece o ponto chave da potência e beleza da película.
Uma das coisas mais difíceis para um diretor conquistar é a capacidade de fazer o espectador se ajustar ao tempo do seu filme. No cinema comercial, isso dificilmente será um problema porque o objetivo é realmente “acelerar” quem assiste com mil estímulos. Ao contrário do cinema de pesquisa ou cinema experimental ou qualquer outro nome que se queira chamar. Nele, é o corpo que está lá, um corpo exposto à luz da câmera, ao tempo da cena e a exposição da nudez, ainda que preenchida.
Leia também: “Conduzindo Madeleine” (2022): toda viagem é uma companhia nas sutilezas do cinema frânces
No caso de Eu, Tu, Ele, Ela, ao contrário de muitos comentários que dizem ter achado o filme “entediante”, eu tive uma experiência completa, densa, carregada. Tudo, menos vazia. Diante da contemplação do tédio e desta ausência que não precisa ser preenchida, Chantal não só fez um filme REPLETO de coisas, mas soube nos oferecer e nos retirar na medida certa.
Acredito que, antes de um filme sobre tédio, Eu, Tu, Ele, Ela é um filme sobre o desejo. Primeiro, a espera do desejo, a formação dele e sua “encubação”. Depois, a possibilidade do encontro com o desejo através do outro.
E quando o desejo fala, Chantal nos diz, não é preciso muitas palavras: é corpo e tempo. O desejo sempre escapa muito rápido, por isso precisamos cuidar dele com muita atenção.
Belíssimo filme!
Confira o trailer do filme: