O Golpe de 64 lançou uma sombra no país, que nos assombra até hoje. Além de um projeto de nação que foi ceifado na infância pelos militares, diversas oportunidades e vidas foram perdidas ao longo de 21 anos por conta da repressão, tanto pelas torturas que deixaram sequelas duradouras, quanto pelas pessoas que foram assassinadas pelo Estado sob a desculpa de “luta contra a subversão”. Toda uma ideia de país morta, de modo literal e figurativo.
Uma dessas mortes é a do militante José Carlos Novaes da Mata Machado, o titular Zé, interpretado por Caio Horowicz. O membro do grupo Ação Popular Marxista-Leninista (APML) foi morto aos 27 anos pelos militares, após 10 dias de tortura. O longa, dirigido por Rafael Conde, encara a vida do biografado de modo fragmentado, acompanhando momentos pontuais de seus movimentos na clandestinidade, tentando garantir a vida da sua companheira Maria Madalena Prata (Eduarda Fernandes) e de seus dois filhos, enquanto cruza o Brasil fugindo da repressão.
Mesmo com uma história de escala nacional, Zé é um filme intimista, seus principais acontecimentos se dão em quartos, pequenas casas, em conversas entre duas pessoas, é raríssimo ter mais de três atores em cena, e situações maiores são inferidas, não vistas. Por exemplo, o encontro de Zé com Madalena se dá em meio a um protesto, mas somente os dois são vistos se manifestando e correndo, com toda a agitação acontecendo fora de campo.
Há um quê de teatral na produção por conta disso, reforçado pelas cenas onde Zé lê as cartas que envia para família, olhando diretamente para a audiência, e até mesmo em certas interações entre os personagens, como no momento onde o protagonista e Grauninha (Samantha Jones) compartilham histórias de suas prisões e torturas, onde suas falas carregam um tom mais dramático e declaratório do que o comum em uma conversa entre dois amigos.
Fora de campo também estão os militares, com exceção de uns breves momentos ao final do filme. Há uma cena onde a mãe de Zé, cuidando de um de seus netos, grita com um observador que não podemos ver. Conforme as forças de repressão se aproximam, a relação com os espaços frequentados por Zé e seus companheiros também. O que era visto de dentro, passa a ser visto de fora, como uma força invisível que se avizinha, gerando certa tensão, especialmente pois a audiência tem ciência de certos eventos que os personagens não possuem. Apesar da ditadura e seus atos serem de conhecimento geral, Zé não se apoia unicamente no saber histórico do público para criar a tensão, buscando o efeito também por elementos formais.
O campo das cinebiografias é cheio de armadilhas, mas, na história recente, o cinema brasileiro tem realizado obras interessantes nesse meio, como Mussum e Nosso Sonho no âmbito musical, e agora Zé na biografia política. A postura fragmentada impede que certos dramas tenham mais peso, como a doença de um filho que é resolvido quase de uma cena para outra, mas por se concentrar em um momento específico da vida de José Carlos, nos ajuda a dar dimensão da vida desse jovem cujo futuro, assim como o do Brasil, foi ceifado pela repressão.