Josif Aleksandrovich Brodsky, conhecido como Joseph Brodsky (1940-1996), nasceu em São Petersburgo, Rússia, e faleceu nos Estados Unidos. Como conta AFRÂNIO CATANI, no blog do A terra é redonda, em 1972 foi expulso de seu país por afrontar as autoridades russas tendo, com a ajuda do poeta e escritor W. H. Auden e de outros intelectuais, vivido na América e recebido a cidadania estadunidense. Ensinou em Yale, Cambridge e Michigan. De família judia, experimentou uma série de privações antes de migrar. Prêmio Nobel de Literatura (1987), possui vasta produção: poesias, coletâneas de ensaios e de entrevistas, além de peças de teatro.
O Jornal Nota separou 5 poemas de Joseph Brodsky para você conhecer!
QUASE UMA ELEGIA
Também eu aguardei na colunata
da Bolsa, outrora, o fim da chuva fria.
Julgava-a dom de Deus. E era sensata
minha suposição. Pois algum dia
também eu fui feliz. Fui prisioneiro
dos anjos. Combatia monstro horrendo.
Feito Jacó, fitava sorrateiro
uma beldade -rápido- descendo
a escada principal.
Aonde tudo
se foi. Sumiu. Olho janela afora:
o “aonde” acima, eu o escrevi, contudo,
sem ponto de interrogação. Agora
é setembro. Um trovão distante invade
meu ouvido. Eis um horto. Pêras pensas,
cheias de seiva nas ramagens densas,
parecem signos de virilidade.
E o ouvido admite, como gente avara
parentes na cozinha, um som assíduo
de chuva que, na mente, sem chegar a
música ainda, é mais do que ruído.
(Outono 1968)
Não vá sair do teu quarto
………………….
Não vá sair do teu quarto, não vá errar na saída,
para que tragar o Sol se podes fumar teu Shipka?
Da porta pra fora é inútil, sobretudo, o estar contente
vá apenas ao banheiro — mas volte rapidamente
……………………
Oh, não vá sair do teu quarto, não dê chamada ao motor,
pois teu território é feito a partir do corredor
com final no taxímetro. Se uma linda for surgindo,
a presa abrindo, não deixe ela ir se despindo.
……………………
Não vá sair do teu quarto; considere em ti um mau jeito.
As paredes e as cadeiras — no mundo há algo mais perfeito?
Pra que ir não sei pra onde se à noite voltas e ficas
do mesmo jeito que eras, mas como quem se mutila?
……………………
Oh, não vá sair do teu quarto. Dance Bossa-Nova em falso,
corpo nu no sobretudo e salto agulha em pé descalço.
A porta cheira a repolho e a pomada de esqui.
Escreveste muitas letras; mas uma a mais sobra aqui.
……………………
Não vá sair do teu quarto. Que só teu quarto, a propósito,
saiba da tua aparência. Mas ainda assim, incógnito
ergo sum, já sob a forma, corações em substância.
Não vá sair do teu quarto. Na rua há chá, não há França.
……………………
Não sejas tu um maluco! Sê o que não foram os outros
Não vá sair do teu quarto! Anime os móveis, teu rosto
cole ao papel de parede. Feche uma barricada em giros
de armário contra cronos, cosmos, eros, raças, vírus.
ALLENBY ROAD
Ao entardecer, quando as ruas paralisadas perdem
as esperanças de ouvir soar uma ambulância, decidindo-se afinal
por chineses que passeiam a esmo, enquanto os olmos imitam o mapa
de um país vestido com roupa khaki, que embala seus inimigos,
a vida vai pouco a pouco ficando míope, remendada,
aquilina, geométrica, sem brilho
e sem detalhes – cornijas, maçanetas de porta, Cristos –
que realcem as silhuetas: chaminés, telhados, um crucifixo.
Teu gesto de fechar as persianas desencadeia a teoria
do dominó, pois não importa o tamanho do nó
que se desfaça em tua garganta, as futuras bolas de neve,
à luz da lâmpada, sempre formarão o perfil de um inevitável “não”.
Não é porque, ultimamente, os preços andem salgados,
mas ninguém ousa pegar essa bolsinha de tijolos
cheia de trocados, que mal dá para pagar uma boa noite de sono.
§
Eu era apenas quanto…
Eu era apenas quanto
a tua mão tocasse
ou sobre o que inclinavas,
no breu da noite, a face.
Eu era, embaixo, quanto
notavas turvo, apenas:
traços, no início, vagos;
feições, mais tarde, plenas.
Foste quem logo, ardente,
criou-me a sussurrar,
seja à direita, à esquerda,
a concha auricular.
Foste, a agitar cortinas,
quem, na umidade cava
da boca, introduziu-me
a voz que te chamava.
Eu era cego e, vindo,
sumindo-te de mim,
doaste-me a visão.
Fica um vestígio, assim.
E, assim, criam-se mundos
que são postos de lado,
girando, quando prontos,
presente abandonado.
Em meio, pois, de treva
e luz, calor e frio,
prossegue o nosso globo
seu giro no vazio.
24 DE MAIO DE 1980
Enfrentei, na falta de feras, jaulas de aço,
escavei meu apelido, e o tempo que me faltava para cumprir,
em colunas e paredes nuas de concreto,
vivi à beira-mar, tirei azes da manga num oásis,
jantei com só-o-Diabo-sabe-quem, de casaca, comendo trufas.
Do alto de uma geleira. olhei meio mundo, a terra
quase inteira. Quase me afoguei duas vezes,
por três deixei que facas esburacassem a minha pança.
Abandonei o país em que nasci e que me viu crescer.
Os que me esqueceram dariam a população de uma cidade inteira.
Percorri as estepes que viram os Hunos berrando do alto de suas selas,
usei roupas que, hoje, por toda parte, estão voltando à moda,
plantei centeio, cobri de pixe o telheiro de estábulos e chiqueiros,
nesta vida só não bebi água seca.
Deixei que o terceiro olho das sentinelas se esgueirasse para dentro
de meus sonhos úmidos e sinistros. Comi o pão do exílio, mofado, encaroçado.
Concedi a meus pulmões todos os sons, exceto o urro;
preferi o gemido. Hoje, estou fazendo quarenta anos.
Que posso dizer da vida? Que é longa e detesta a transparência.
Ovos quebrados me entristecem; mas omeletes me enjoam.
E, no entanto, até que me enfiem argila pela goela abaixo,
tudo o que posso fazer sair dela é gratidão.
Fonte:
https://estadodaarte.estadao.com.br/brodsky-astier-basilio-traducao/
https://aterraeredonda.com.br/sobre-o-exilio-de-joseph-brodsky
https://www.elfikurten.com.br/2016/08/joseph-brodsky.html