A Primeira Guerra Mundial – ou Grande Guerra – foi um conflito de proporções catastróficas, e até então nunca vistas, que varreu a Europa entre 1914 e 1918. 10 milhões de homens perderam a vida no conflito, que contou com um nível de tecnologia para o qual os exércitos europeus, ainda pensando em uma guerra dos padrões do século XIX, não estavam preparados. A vida nas trincheiras era infernal: a lama, a falta de higiene, as doenças e o constante perigo eram companhias eternas dos soldados. Muitos dos sobreviventes saíram do conflito cínicos, endurecidos e envelhecidos por seu tempo de serviço.
A guerra causou uma explosão de “poesia de guerra”, e dele surgiram muitos poetas e poemas brilhantes, trágicos e profundamente comoventes, alguns homenageando os rapazes que lutaram e falando do heroísmo e do sacrifício desses homens, e outros retratando com imensa crueza e realismo os muitos horrores da guerra.
Aqui estão dez poetas da Primeira Guerra que você precisa conhecer:
Edward Thomas (1878-1917)
Philip Edward Thomas foi um escritor, ensaísta, biógrafo e poeta inglês. Apesar de poucos de seus poemas liderem diretamente com suas experiências no front, e de ter sido um escritor prolífico desde muito antes da deflagração do conflito, ele é comumente considerado um poeta de guerra. Thomas se alistou no exército britânico em 1915, e morreu pouco depois de chegar à França, na Batalha de Arras.
Thomas foi um dos dezesseis poetas da Primeira Guerra Mundial homenageados em uma placa no “Canto dos Poetas” da Abadia de Westminster. Foi descrito pelo poeta laureado britânico Ted Hughes como “O pai de todos nós”.
Seu poema de guerra mais famoso é “In Memoriam”, na íntegra aqui:
The flowers left thick at nightfall in the wood
This Eastertide call into mind the men,
Now far from home, who, with their sweethearts, should
Have gathered them and will do never again.
Ivor Gurney (1890 – 1937)
Ivor Bertie Gurney foi um poeta e compositor inglês. Ele se alistou para lutar na Grande Guerra em fevereiro de 1915, e no front começou a escrever poesia com seriedade. Enquanto escrevia seu primeiro livro de poemas, Severn and Somme, em 1917, ele foi ferido. Após sua recuperação, ele voltou para o front e continuou trabalhando em seu livro, que foi publicado em novembro daquele ano. Antes disso, porém, ele foi vítima de um ataque de gás em setembro, e foi enviado ao Hospital de Guerra de Edinburgo.
Ainda discute-se o potencial efeito do gás em sua saúde mental. Gurney sofria de Transtorno Bipolar, e em março de 1918 teve um sério surto mental que o forçou a ser hospitalizado. Ele ameaçou suicídio em junho, mas não tentou cometê-lo de fato. Sua saúde mental teve lenta melhora nos meses seguintes, e em outubro foi dispensado com honras do exército, tendo recebido o diagnóstico extremamente incomum de um surto nervoso devido a shell shock (TEPT). Inicialmente, Gurney viveu bem após a guerra, compondo e publicando muitas músicas, mas sua situação mental se deteriorou com tal rapidez que, em 1922, sua família fez com que ele fosse declarado insano. Gurney passou os últimos 15 anos de sua vida em hospitais psiquiátricos.
Gurney é considerado um dos maiores poetas da Primeira Guerra Mundial. Diferente de muitos de seus pares, ele foi um soldado comum, e não um oficial, e escrevia dessa perspectiva. Sua visão da guerra é seca, não heroica, individual, complicada e deliberadamente livre de retórica e de grandes posicionamentos sobre a guerra em si. Ele gostava de dar ênfase à intimidade, aos momentos de descanso, aos detalhes e experiências individuais dentro da vida nas trincheiras. Alguns de seus mais famosos poemas incluem Photographs, Lying Awake in the Ward, On Rest e Strange Hells, esse último na íntegra aqui:
There are strange hells within the minds war made
Not so often, not so humiliating afraid
As one would have expected – the racket and fear guns made.
One hell the Gloucester soldiers they quite put out;
Their first bombardment, when in combined black shout
Of fury, guns aligned, they ducked low their heads
And sang with diaphragms fixed beyond all dreads,
That tin and stretched-wire tinkle, that blither of tune;
“Apres la guerre fini” till hell all had come down,
Twelve-inch, six-inch, and eighteen pounders hammering hell’s thunders.
Where are they now on state-doles, or showing shop patterns
Or walking town to town sore in borrowed tatterns
Or begged. Some civic routine one never learns.
The heart burns – but has to keep out of the face how heart burns.
John McCrae (1872-1918)
O Tenente-Coronel John McCrae foi um poeta, artista, escritor e médico canadense, e serviu também como cirurgião durante a Segunda Batalha de Ypres. Ele se tornou célebre por escrever In Flanders Fields, um dos mais famosos poemas de guerra da história. O poema é um memorial em forma de trenodia, escrito no fundo de uma ambulância de campo estacionada próxima a uma estação avançada de enfermagem próxima à Ypres, após o enterro de um grande amigo de McCrae, Alexis Helmer, morto na Segunda Batalha de Ypres.
Os versos foram publicados anonimamente, mas logo a autoria se tornou conhecida, e os versos são alguns dos mais populares poemas de guerra de então, utilizados com frequência em campanhas para angariar fundos e voluntários. Se tornou muito popular também nos Estados Unidos, enquanto estes consideravam se juntar à guerra, e recebeu um poema-resposta de R. W. Lillard. McCrae achou sua fama súbita engraçada, mas disse ter ficado feliz que seu poema tenha sido utilizado para ajudar alguns a verem onde estava seu dever.
A papoula, que é um tema central do poema, crescia desgovernada nos cemitérios e campos de batalha de Flandres, e mais tarde se tornaria o símbolo da Primeira Guerra Mundial e das celebrações em homenagens a veteranos de todos os conflitos que ocorreram da Grande Guerra em diante.
Ele faleceu de uma pneumonia, e recebeu um funeral de herói com honras militares completas. A rua do cemitério foi renomeada em sua homenagem. Um memorial em sua homenagem foi erguido no local onde o poema foi escrito, e o governo belga nomeou esse ponto o “Local Memorial para John McCrae”, e o Museu de Guerra da cidade de Ypres foi nomeado “In Flanders Fields Museum”. A Associação Médica Canadense dá a Medalha Memorial John McCrae para servidores da saúde nas Forças Armadas do Canadá por serviço exemplar. No Canadá, uma série de escolas levam seu nome, e sua casa foi convertida em museu. Uma estátua sua foi construída em 2015, mostrando-o em um campo de guerra destruído, com papoulas crescendo em seus pés. O Museu de Guerra do Canadá tem uma galeria nomeada em sua homenagem, e o Monte McCrae, na Colúmbia Britânica, também tem esse nome em honra de McCrae.
In Flanders Fields
In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row,
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly
Scarce heard amid the guns below.
We are the Dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved and were loved, and now we lie,
In Flanders fields.
Take up our quarrel with the foe:
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders fields.
Joyce Kilmer (1886-1918)
Alfred Joyce Kilmer foi um escritor e poeta americano prolífico, conhecido por seus poemas sobre a beleza da natureza e de teor profundamente católico. Antes de completar 30 anos, ele já era considerado o maior dos poetas e palestrantes católicos de sua geração, comparado com seus contemporâneos britânicos G. K. Chesterton e Hilaire Belloc. Ele foi enviado para lutar na França em 1917.
Antes mesmo de partir, ele tinha sido contratado por seus editores para escrever um livro sobre a guerra, cujo título seria Here and There With the Fighting Sixty-Ninth, em homenagem ao seu regimento. Esse livro jamais seria escrito. Kilmer escreveu para a esposa que ainda não tinha encontrado tempo para escrever nada, em verso ou prosa, desde sua chegada ao Front, mas que estava guardando tudo na memória para transformar em texto mais tarde.
Kilmer propositalmente procurava por trabalhos perigosos, e era muito admirado pelos soldados por seu comportamento de imensa coragem e frieza no campo de batalha e nas perigosas patrulhas da Terra de Ninguém, e por seu hábito de sempre buscar os trabalhos mais difíceis e perigosos. Esse hábito levaria à sua morte: Kilmer foi morto por uma bala de sniper na Segunda Batalha do Marne, após se voluntariar para participar do batalhão que deveria liderar o ataque do dia, e levar um tiro enquanto liderava uma equipe que buscava encontrar a posição de uma metralhadora alemã, em 1918. Tinha 31 anos, e recebeu postumamente a Croix de Guerre da República Francesa. Um memorial construído em sua memória está localizado na propriedade de sua família em Nova Jersey, e várias escolas e lugares públicos nos Estados Unidos foram nomeados em sua honra.
Hoje em dia, boa parte de seus poemas é desconhecida, e muitos criticam seu estilo. Entretanto, algumas poucas obras permanecem bastante populares. Do seu período na guerra, seu poema mais famoso é Rouge Bouquet, que homenageava a morte de 19 membros de seu regimento numa trincheira na Floresta Rouge Bouquet, no noroeste do vilarejo francês de Baccarat, quando o batalhão foi pego por pesado bombardeio alemão que soterrou 21 homens da unidade, matando 19, 14 dos quais continuam enterrados.
Rouge Bouquet:
In a wood they call the Rouge Bouquet
There is a new-made grave to-day,
Build by never a spade nor pick
Yet covered with earth ten metres thick.
There lie many fighting men,
Dead in their youthful prime,
Never to laugh nor love again
Nor taste the Summertime.
For Death came flying through the air
And stopped his flight at the dugout stair,
Touched his prey and left them there,
Clay to clay.
He hid their bodies stealthily
In the soil of the land they fought to free
And fled away.
Now over the grave abrupt and clear
Three volleys ring;
And perhaps their brave young spirits hear
The bugle sing:
“Go to sleep!
Go to sleep!
Slumber well where the shell screamed and fell.
Let your rifles rest on the muddy floor,
You will not need them any more.
Danger’s past;
Now at last,
Go to sleep!”
There is on earth no worthier grave
To hold the bodies of the brave
Than this place of pain and pride
Where they nobly fought and nobly died.
Never fear but in the skies
Saints and angels stand
Smiling with their holy eyes
On this new-come band.
St. Michael’s sword darts through the air
And touches the aureole on his hair
As he sees them stand saluting there,
His stalwart sons;
And Patrick, Brigid, Columkill
Rejoice that in veins of warriors still
The Gael’s blood runs.
And up to Heaven’s doorway floats,
From the wood called Rouge Bouquet,
A delicate cloud of buglenotes
That softly say:
“Farewell!
Farewell!
Comrades true, born anew, peace to you!
And your memory shine like the morning-star.
Brave and dear,
Shield us here.
Farewell!”
Laurence Binyon (1869-1943)
Robert Laurence Binyon foi um poeta, dramaturgo e acadêmico inglês. Ele já era um poeta conhecido antes da guerra, tendo sido considerado para Poeta Laureado em 1913.
Tendo se emocionado com as mortes dos rapazes da Força Expedicionária Britânica em 1914, Binyon escreveu seu poema mais famoso, For the Fallen, que costuma ser recitado todo ano no Remembrance Sunday no Reino Unido, na Austrália, no Canadá e na Nova Zelândia. A partir de 1915, aos 45 anos, ele foi voluntário em um hospital na França e depois voltou para a Inglaterra, ajudando a cuidar dos feridos da Batalha de Verdun.
Mais tarde, ele escreveu sobre essas experiências no livro For Dauntless France, hoje republicado sob o nome The Call and the Answer. Escreveu poesia também sobre a Segunda Guerra Mundial, sendo The Burning of the Leaves, um poema sobre a Blitz, considerado por muitos sua obra-prima.
For the Fallen é hoje considerado e utilizado como um poema memorial em tributo a todas as mortes de guerra, independente da nação. A parte do poema mais conhecida é chamada, separadamente, de Ode of Remembrance, e deu origem à frase que até a atualidade é icônica em homenagens às mortes de conflito – They Shall Grow Not Old... (Eles não envelhecerão…) – utilizada como título de livros, documentários e exposições. Outros poemas de guerra incluem Fetching the Wounded e The Distant Guns, ambos inspirados por seu tempo servindo no hospital.
O local onde o poema foi escrito é marcado por uma placa comemorativa em homenagem à Binyon.
For the Fallen:
With proud thanksgiving, a mother for her children,
England mourns for her dead across the sea.
Flesh of her flesh they were, spirit of her spirit,
Fallen in the cause of the free.
Solemn the drums thrill; Death august and royal
Sings sorrow up into immortal spheres,
There is music in the midst of desolation
And a glory that shines upon our tears.
They went with songs to the battle, they were young,
Straight of limb, true of eye, steady and aglow.
They were staunch to the end against odds uncounted;
They fell with their faces to the foe.
They shall grow not old, as we that are left grow old:
Age shall not weary them, nor the years condemn.
At the going down of the sun and in the morning
We will remember them.
They mingle not with their laughing comrades again;
They sit no more at familiar tables of home;
They have no lot in our labour of the day-time;
They sleep beyond England’s foam.
But where our desires are and our hopes profound,
Felt as a well-spring that is hidden from sight,
To the innermost heart of their own land they are known
As the stars are known to the Night;
As the stars that shall be bright when we are dust,
Moving in marches upon the heavenly plain;
As the stars that are starry in the time of our darkness,
To the end, to the end, they remain.
Robert Graves (1895-1985)
Robert von Ranke Graves foi um prolífico poeta, escritor, tradutor e crítico inglês, conhecido sobretudo por seus livros históricos – incluindo o famosíssimo Eu, Cláudio – e sua poesia de guerra. Graves se alistou como voluntário imediatamente após a declaração da guerra, com dezenove anos. Ele entrou no exército como Segundo Lugar-Tenente, e foi promovido rapidamente, chegando a Capitão pouco mais de um ano depois. Ele foi vítima de rumores falsos de ser irmão de um espião alemão que tinha sido capturado usando o nome de Karl Graves. Os rumores foram criados por um oficial que não gostava dele, e ressurgiram – embora com poucas consequências – durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi impedido de atuar como voluntário na força policial em função desse histórico.
Ele publicou sua primeira coleção de poemas em 1916 e rapidamente criou uma reputação como poeta de guerra, tendo sido um dos primeiros a escrever poemas realistas e crus sobre suas experiências no front. Foi ferido tão gravemente no Somme – atingido por um fragmento no pulmão – que chegou a ser oficialmente declarado morto pelo exército. Sua recuperação foi gradual, e ele voltou por pouco tempo à França, mas sua carreira militar acabou com uma quase-deserção: sentindo os primeiros sinais da Febre Espanhola, que estava começando a se tornar um problema sério no final de 1918 (eventualmente, se transformaria em uma pandemia que tirou a vida de milhões de pessoas em 1919), Graves, que estava em Limerick na Irlanda, resolveu fugir para a Inglaterra, dizendo que queria ser tratado em um hospital inglês, não irlandês. Ele chegou a Londres com febre alta, mas sem documento algum que comprovasse sua licença por doença, e deu a imensa sorte de dividir um táxi com um oficial de desmobilização que também estava retornando da Irlanda, e que completou seus documentos com os códigos secretos necessários.
Graves foi amigo do lendário poeta de guerra Siegfried Sassoon, e pode ter salvado sua vida, ou ao menos seu nome, além de ter lhe proporcionado duas das mais famosas amizades de sua vida. Ele conheceu Sassoon em seu regimento, onde ambos eram oficiais, e ambos foram tratados no hospital para oficiais de Somerville College em Oxford, e os dois se tornaram próximos. A intensidade de sua relação está documentada em cartas, e o próprio Sassoon mencionou um “visível elemento sexual” nela, algo que fica claro no sentimentalismo pesado de sua correspondência. Em 1917, Sassoon fez uma condenação pública da guerra, e não passou por um tribunal militar largamente graças a intervenção de Graves, que convenceu as autoridades militares que Sassoon não tinha controle de suas ações por estar sofrendo de shell shock (TEPT), e que deveria ser tratado como tal.
Essa ocasião por si só é histórica, pois Sassoon foi enviado para ser tratado em Craiglockhart, um hospital militar em Edinburgo, pelo famoso W. H. R. Rivers, um neurologista, etnologista, psiquiatra e antropólogo conhecido por seu trabalho tratando oficiais sofrendo com neurastenias. Sassoon foi o mais famoso paciente e um grande amigo de Rivers. Em Craiglockhart, ele também conheceu e se tornou grande amigo de Wilfred Owen, que se tornaria o maior dos poetas da Grande Guerra, e que foi profundamente influenciado por Sassoon. Graves, através de Sassoon, também se tornaria grande amigo de Owen, que enviava poemas para ele em cartas.
Graves também sofreu de shell shock, mas nunca foi hospitalizado para ser tratado. Seus sintomas incluíram paranoia – ele disse ter ficado obcecado com a questão do gás, e entrar em pânico com qualquer cheiro incomum ou mesmo com o odor mais forte de flores num jardim – e medo de barulhos altos, dizendo que até o barulho de um motor de carro o fazia “desmaiar ou sair correndo procurando por abrigo”. Mais tarde, ele passou a excluir sua poesia de guerra de suas coleções de poemas, dizendo que elas eram muito obviamente parte do “Boom da poesia de guerra”. Ainda assim, é um dos poetas de guerra homenageados na Abadia de Westminster – o único ainda vivo na ocasião da homenagem, falecendo menos de um mês depois.
Aqui está, na íntegra, seu poema Recalling War:
Entrance and exit wounds are silvered clean,
The track aches only when the rain reminds.
The one-legged man forgets his leg of wood,
The one-armed man his jointed wooden arm.
The blinded man sees with his ears and hands
As much or more than once with both his eyes.
Their war was fought these 20 years ago
And now assumes the nature-look of time,
As when the morning traveller turns and views
His wild night-stumbling carved into a hill.
What, then, was war? No mere discord of flags
But an infection of the common sky
That sagged ominously upon the earth
Even when the season was the airiest May.
Down pressed the sky, and we, oppressed, thrust out
Boastful tongue, clenched fist and valiant yard.
Natural infirmities were out of mode,
For Death was young again; patron alone
Of healthy dying, premature fate-spasm.
Fear made fine bed-fellows. Sick with delight
At life’s discovered transitoriness,
Our youth became all-flesh and waived the mind.
Never was such antiqueness of romance,
Such tasty honey oozing from the heart.
And old importances came swimming back –
Wine, meat, log-fires, a roof over the head,
A weapon at the thigh, surgeons at call.
Even there was a use again for God –
A word of rage in lack of meat, wine, fire,
In ache of wounds beyond all surgeoning.
War was return of earth to ugly earth,
War was foundering of sublimities,
Extinction of each happy art and faith
By which the world has still kept head in air,
Protesting logic or protesting love,
Until the unendurable moment struck –
The inward scream, the duty to run mad.
And we recall the merry ways of guns –
Nibbling the walls of factory and church
Like a child, piecrust; felling groves of trees
Like a child, dandelions with a switch.
Machine-guns rattle toy-like from a hill,
Down in a row the brave tin-soldiers fall:
A sight to be recalled in elder days
When learnedly the future we devote
To yet more boastful visions of despair.
Roland Leighton (1895-1915)
Roland Aubrey Leighton foi um poeta britânico tornado famoso postumamente por sua noiva, Vera Brittain, autora da autobiografia best-seller “Testamento de Juventude”, publicada ininterruptamente há quase um século. Filho de dois escritores, Leighton era um premiado estudante dos clássicos na Uppingham School e sonhava em um dia se tornar o editor de um jornal de escopo nacional. Ele era amigo de Edward Brittain e Victor Richardson, ambos imortalizados no livro da irmã de Brittain, Vera.
Roland se alistou quase imediatamente, profundamente motivado por ideais de patriotismo, dever, honra e ufanismo. Ele tentou se alistar na Marinha Real, na Artilharia Real e no Corpo de Serviço do Exército, tendo sido rejeitado nos três por ser míope. Frustrado, ele procurou um centro de saúde local para lhe dar um “certificado de boa forma” que não mencionasse sua miopia, e com ele conseguiu se tornar um Segundo Lugar Tenente. Ele foi promovido a Lugar-Tenente em 1915, e lutou em Ypres, na Bélgica. Ficou noivo de Vera em agosto daquele ano.
Roland desiludiu-se rapidamente com a guerra e se tornou cético e infeliz no front, descrevendo o serviço militar como “mero trabalho braçal”. Ele se converteu ao catolicismo no fim de 1915. Em dezembro do mesmo ano, ele foi baleado por um franco-atirador ao examinar uma trincheira em noite de lua cheia, em Hebuterne, na França. A bala lhe causou ferimentos catastróficos no abdômen e na espinha. Suas últimas palavras, ainda no campo de batalha, foram “eles me pegaram de jeito no estômago”. Pouco depois, ele ficou semi-inconsciente após a administração de morfina, e passou por uma cirurgia abdominal de emergência, sobrevivendo por poucos dias. Ele morreu em 23 de dezembro, aos 20 anos, tendo passado menos de 4 meses em combate.
O túmulo de Leighton até hoje costuma ser coberto em violetas por visitantes, em homenagem a seu mais famoso poema, Violetas, uma poesia de guerra escrita para sua noiva Vera. Seu último poema, Hedauville, foi encontrado guardado no bolso de seu uniforme, tirado de seu corpo após sua morte. O poema foi fonte de grande angústia para Vera, pois parecia prever a morte de Leighton em Hedauville e indicar que ela encontraria um novo amor.
Violets:
Violets from Plug Street Wood,
Sweet, I send you oversea.
(It is strange they should be blue,
Blue, when his soaked blood was red;
For they grew around his head.
It is strange they should be blue.)
Violets from Plug Street Wood –
Think what they have meant to me!
Life and Hope and Love and You.
(And you did not see them grow
Where his mangled body lay,
Hiding horror from the day.
Sweetest it was better so.)
Violets from oversea,
To your dear, far, forgetting land;
These I send in memory,
Knowing You will understand.
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Rupert Brooke (1887-1915):
Rupert Brooke foi um poeta inglês conhecido por sua beleza – o famoso poeta irlandês W. B. Yeats o descreveu como “o jovem mais bonito da Inglaterra” – e por sua poesia de guerra bastante idealista – principalmente seu grande poema The Soldier.
Brooke estudou clássicos em King’s College, Cambridge, onde se tornou um membro dos “Apóstolos”, presidente da Sociedade Fabiana, um dos fundadores do clube de teatro Marlowe Society, e ator em peças universitárias. Ele fez muitos amigos no grupo Bloomsbury de escritores, no grupo literário conhecido como Georgian Poets, e também entre os ditos Dymock Poets, do qual era um dos mais importantes.
Em 1912, Brooke teve uma severa crise emocional que resultou no fim de uma série de amizades. Como parte de sua recuperação, Brooke viajou pelos Estados Unidos e pelo Canadá, onde escreveu diários de viagem para a The Westminster Gazette. Sua poesia já era famosa então.
Ele se alistou no exército nos primeiros dias da Grande Guerra, em agosto de 1914. Ele foi feito subtenente temporário como parte da Royal Naval Division, um braço da Marinha Real servindo como uma unidade de infantaria. Ele tomou parte na expedição da Antuérpia em outubro daquele ano.
No início de 1915, Brooke surgiu como um poeta de guerra ao publicar dois sonetos (IV: The Dead, e V: The Soldier) no The Times Literary Supplement. The Soldier foi recitado no púlpito da Catedral de São Paulo no domingo de páscoa daquele ano. Ele publicou sua mais famosa coleção de poesia, 1914 & Other Poems, em maio daquele ano. Sua popularidade foi tanta que, em junho de 1918, o livro já estava na sua vigésima quarta re-impressão.
Brooke se juntou à Força Expedicionária Britânica do Mediterrâneo em 28 de fevereiro de 1915 a caminho de Galipolli, mas desenvolveu uma gastroenterite severa enquanto estacionado no Egito e, logo depois, uma sépsis estreptocócica em função de uma picada de mosquito infeccionada. A bordo de um navio-hospital francês, o Duguay-Trouin, atracado na ilha de Skyros no Mar Egeu, ele passou por duas operações, feitas por cirurgiões franceses, para drenar o abscesso, mas morreu de septicemia às 4:46 da tarde do dia 23 de abril de 1915, aos 27 anos. Como a partida era iminente, seu corpo foi enterrado em um campo de oliveiras às 23:00 daquele mesmo dia. Um monumento a ele foi erguido lá por seu amigo, o poeta e arqueólogo Stanley Casson. O irmão sobrevivente de Brooke, William, morreu menos de dois meses depois na Frente Ocidental.
Em julho de 1917, o Marechal de Campo Edmund Allenby começou a recitar em público, aos prantos, um poema de Brooke ao ser informado da morte de seu filho, Michael, no campo de batalha.
Brooke é um dos 16 poetas da Primeira Guerra Mundial homenageados na Abadia de Westminster. A primeira stanza de seu The Dead está inscrita na base da Memorial de Guerra da Royal Naval Division em Londres. The Dead também está inscrito no memorial de guerra em Wellington, Nova Zelândia. Em 1988, uma estátua de Brooke foi construída em sua cidade de nascimento, Rugby, em Warwickshire. Uma estátua-retrato de Brooke está no jardim frontal do Old Vicarage, Grantchester. Em 2023, o artista Stephen Hopper pintou um quadro a óleo celebrando a vida de Brooke. Brooke foi inspiração para a poesia do piloto canadense John Gillespie Magee Jr, cujo mais famoso poema é “Soneto para Rupert Brooke”. Poemas de Brooke foram musicalizados por uma série de artistas, incluindo Fleetwood Mac, Charles Ives e Marjo Tal, e frases suas foram utilizadas em uma série de livros, filmes e séries. Além disso, F. Scott Fitzgerald citou seus poemas em sua primeira obra, This Side of Paradise, e a Rainha Elizabeth II, então princesa Elizabeth, também o citou em seu discurso de 21 anos, conhecido como “Ato de Dedicação”, em 1947.Aqui estão IV: The Dead e V: The Soldier
IV. THE DEAD
These hearts were woven of human joys and cares,
Washed marvellously with sorrow, swift to mirth.
The years had given them kindness. Dawn was theirs,
And sunset, and the colours of the earth.
These had seen movement, and heard music; known
Slumber and waking; loved; gone proudly friended;
Felt the quick stir of wonder; sat alone;
Touched flowers and furs and cheeks. All this is ended.
There are waters blown by changing winds to laughter
And lit by the rich skies, all day. And after,
Frost, with a gesture, stays the waves that dance
And wandering loveliness. He leaves a white
Unbroken glory, a gathered radiance,
A width, a shining peace, under the night.
V. THE SOLDIER
If I should die, think only this of me:
That there’s some corner of a foreign field
That is for ever England. There shall be
In that rich earth a richer dust concealed;
A dust whom England bore, shaped, made aware,
Gave, once, her flowers to love, her ways to roam,
A body of England’s, breathing English air,
Washed by the rivers, blest by suns of home.
And think, this heart, all evil shed away,
A pulse in the eternal mind, no less
Gives somewhere back the thoughts by England given;
Her sights and sounds; dreams happy as her day;
And laughter, learnt of friends; and gentleness,
In hearts at peace, under an English heaven.
Siegfried Sassoon (1886-1967):
Talvez segundo apenas a Wilfred Owen enquanto poeta da Grande Guerra, Siegfried Sassoon é, sem a menor dúvida, um dos maiores nomes de sua geração. Um poeta e escritor inglês, Sassoon foi condecorado por bravura na Frente Ocidental. Sua poesia é crua, realista e satírica, descrevendo os horrores da vida nas trincheiras e ironizando as pretensões patrióticas e nacionalistas da guerra, que Sassoon descreveu como jingoísta.
Sassoon vinha de uma família de classe média alta. Seu pai, judeu de uma família muito rica de comerciantes, tinha sido deserdado por se casar com uma católica – da família Thornycroft de escultores –, mas ainda tinha dinheiro suficiente para viver bem. Sassoon estudou História em Cambridge, mas deixou a universidade dois anos depois de entrar, sem diploma. Ele tinha uma pequena renda que o permitia viver uma vida modesta sem trabalhar, e passou os anos seguintes escrevendo, caçando e jogando críquete. Ele publicou algumas coisas por conta própria. Mais tarde, recebeu uma grande herança de uma tia e comprou uma grande propriedade em Wiltshire. Seu primeiro sucesso, The Daffodil Murderer, foi publicado em 1914.
Sassoon entrou para o exército logo que o potencial de uma guerra europeia se tornou evidente, e estava em serviço quando o Reino Unido declarou guerra contra a Alemanha. Ele quebrou o braço em um acidente de cavalo pouco antes de ser enviado para a França, e ficou em recuperação durante os primeiros meses de 1915. Em maio daquele ano, ele foi feito segundo lugar-tenente.
Em novembro, o irmão mais novo de Sassoon foi morto em Galipolli após ter a perna amputada. No mesmo mês, Sassoon chegou à França, onde conheceu Robert Graves, de quem foi grande amigo, e com quem frequentemente discutia poesia. Sassoon ficou horrorizado com o que viu na guerra, e seu estilo foi completamente alterado: seus poemas se tornaram cada vez menos rígidos em forma e mais realistas e duros, buscando mostrar para sua audiência a feiura da guerra e da vida nas trincheiras, contrariando o estilo ultra patriótico e romântico da época. Ele precedeu Owen ao tornar marca registrada de seu trabalho tratar de detalhes sobre amputações, sujeira, lama, corpos em decomposição, covardia, suicídio, trauma, ferimentos, etc. Sua abordagem – “não há verdade inapropriada” – foi significativa no movimento que seria conhecido como Modernismo
Sassoon foi imensamente corajoso em seu serviço, e chegou a capturar uma trincheira alemã sozinho, armado com granadas, durante o dia, tendo como única cobertura o fogo de um par de rifles, e espantou os sessenta soldados alemães que a ocupavam (Siegfried diminuiu em muito sua contribuição nessa ocasião logo depois, já que, ao invés de sinalizar para que reforços fossem enviados, ele se sentou na trincheira e começou a ler um livro de poesia que tinha trazido consigo). Sua bravura excepcional era de conhecimento geral, e ele era muito admirado pelos homens em sua companhia, que diziam só se sentir seguros quando acompanhados por ele. Ele propositalmente escolhia ir em patrulhas de bombardeio e ataques noturnos, e foi um excelente comandante de companhia.
Essa coragem excessiva e inconsequente, porém, não era normal, e pode ter sido um sinal de trauma, com sua bravura sendo considerada maníaca e quase suicida – Robert Graves descreveu seus atos de bravura como suicidas de fato. Ele era conhecido como “Mad Jack” (Jack Louco) por seus homens. Muitos consideram que sua situação era consequência de depressão e horror em função das circunstâncias arrasadoras às quais os soldados eram submetidos. Em 1916, ele recebeu uma Cruz Militar (MC), uma condecoração por “galanteria conspícua” em batalha, após ter passado mais de uma hora e meia sob fogo inimigo, coletando os feridos e trazendo-os para serem tratados durante um ataque às trincheiras inimigas. Todos os mortos e feridos foram trazidos de volta por causa dele. Mais tarde, ele foi recomendado para uma Victoria Cross, a mais alta condecoração militar do exército britânico.
Essas condecorações não o fizeram menos problemático, porém, quando, em 1917, Sassoon fez um protesto individual contra a guerra com sua “Declaração de um Soldado”, um protesto violentamente anti-guerra que quase o levou para o tribunal militar. Esse protesto veio em parte em consequência da morte de um grande amigo, David Cuthbert Thomas, que foi fonte de imensa dor para Sassoon por anos. Essa declaração veio quando Sassoon, após meses internado em Somerville College em Oxford com um caso de febre gástrica, se recusou a retornar para o serviço ao fim de sua licença, enviando uma carta para seu oficial comandante intitulada “Farto com a Guerra: A Declaração de um Soldado”. A carta foi enviada para a imprensa e lida na Casa dos Comuns por um membro do parlamento simpático à causa de Sassoon (que tinha sido influenciado por seus amigos pacifistas, dentre eles Bertrand Russell). A carta, onde Sassoon escreve explicitamente “Eu estou fazendo essa declaração como um ato deliberado de desafio à autoridade militar”, declarando acreditar que “a guerra na qual entrei como uma de defesa e liberação agora se tornou uma guerra de agressão e conquista”, foi considerada por muitos como um ato de traição.
Ele conseguiu evitar uma condenação certa ao ser enviado para o Hospital de Guerra de Craiglockhart para ser tratado por shell shock, onde conheceu Wilfred Owen, que se tornaria seu grande amigo, e seria imensamente influenciado por ele. O manuscrito original de Anthem for Doomed Youth, de Owen, tem anotações de Sassoon, e está preservado hoje no Museu Imperial de Guerra em Londres.
Sassoon jogou sua condecoração no mar – não, de acordo com ele, como um ato de rejeição dos valores militares, mas por uma necessidade profunda de realizar um ato destrutivo como catarse para o “humor negro” que o afetava. Mais tarde, ele voltou para o serviço ativo. Servindo na França, no Egito e na Palestina, chegou a ser promovido a lugar-tenente e, depois, a capitão em atuação. Sua carreira militar acabou quando ele foi ferido com uma bala na cabeça por um oficial britânico que o confundiu com um alemão em Arras, na França. O ferimento garantiu que ele passasse o resto da guerra na Inglaterra.
Sassoon escreveu uma biografia ficcionalizada em três volumes, conhecidos coletivamente como The Sherston Trilogy, pela qual recebeu imensos elogios. Ele também foi instrumental em trazer o trabalho de Owen para um público mais amplo, e sua amizade com o poeta se tornou lendária. Ele é um dos dezesseis poetas homenageados na Abadia de Westminster.Alguns de seus melhores poemas incluem The Death-Bed, How to Die, A Working Party, Suicide at the Trenches, The Hero, Does it Matter? e The Redeemer.
Na íntegra, The Redeemer:
Darkness: the rain sluiced down; the mire was deep;
It was past twelve on a mid-winter night,
When peaceful folk in beds lay snug asleep;
There, with much work to do before the light,
We lugged our clay-sucked boots as best we might
Along the trench; sometimes a bullet sang,
And droning shells burst with a hollow bang;
We were soaked, chilled and wretched, every one;
Darkness; the distant wink of a huge gun.
I turned in the black ditch, loathing the storm;
A rocket fizzed and burned with blanching flare,
And lit the face of what had been a form
Floundering in mirk. He stood before me there;
I say that He was Christ; stiff in the glare,
And leaning forward from His burdening task,
Both arms supporting it; His eyes on mine
Stared from the woeful head that seemed a mask
Of mortal pain in Hell’s unholy shine.
No thorny crown, only a woollen cap
He wore—an English soldier, white and strong,
Who loved his time like any simple chap,
Good days of work and sport and homely song;
Now he has learned that nights are very long,
And dawn a watching of the windowed sky.
But to the end, unjudging, he’ll endure
Horror and pain, not uncontent to die
That Lancaster on Lune may stand secure.
He faced me, reeling in his weariness,
Shouldering his load of planks, so hard to bear.
I say that He was Christ, who wrought to bless
All groping things with freedom bright as air,
And with His mercy washed and made them fair.
Then the flame sank, and all grew black as pitch,
While we began to struggle along the ditch;
And someone flung his burden in the muck,
Mumbling: ‘O Christ Almighty, now I’m stuck!’
Wilfred Owen (1893-1918):
Sem dúvidas o maior dos poetas da Primeira Guerra Mundial, que apenas Sassoon tocou em termos de relevância e qualidade, Wilfred Edward Salter Owen, um inglês, ficou conhecido por sua poesia de guerra extremamente agressiva, crua e violentamente anti-guerra, contrastando visivelmente com as noções heroicas e patrióticas da poesia de guerra da época. Boa parte de seus poemas foi publicado de maneira póstuma.
Owen começou a escrever poemas ainda na infância, tendo sido influenciado, então, pela Bíblia (foi criado anglicano devoto) e pelos poetas do Romantismo inglês. Esteve matriculado, entre 1911 e 1913, no University College, Reading (atualmente, Universidade de Reading) num curso de Botânica, e assistiu, também, aulas de Inglês Arcaico. Nesse período, desiludiu-se em grande medida com a Igreja. A partir de 1913, se mudou para a França, onde deu aulas particulares de inglês e francês.
Owen não teve pressa em alistar-se quando, em 1914, a guerra começou. Eventualmente, porém, retornou à Inglaterra e, em 1915, se alistou no 28º Batalhão do Regimento de Londres, popularmente conhecido como “Artists Rifles”, um regimento voluntário organizado no século XIX composto por artistas de várias especialidades diferentes, e passou sete meses em treinamento em Hare Hall Camp em Essex. Em 1916, foi comissionado como segundo-tenente no Regimento Manchester. Tinha, então, 23 anos.
A experiência de Wilfred Owen como combatente foi traumática e cheia de acidentes e tragédias. Primeiro, caiu em um buraco feito por uma granada e sofreu uma concussão. Depois, foi pego numa explosão de um morteiro de trincheiras, o que o deixou inconsciente por dias, jogado em meio aos restos mortais de seus companheiros. Eventualmente, foi diagnosticado com shell shock (um tipo de neurastenia), uma experiência que viria a definir sua poesia em mais de uma maneira – afinal, não apenas os sintomas de shell shock seriam tema frequente em seus trabalhos como foi durante o tratamento no hospital de guerra Craiglockhart que Wilfred Owen conheceu outro artista que seria seu mentor e sua maior influência: o também célebre poeta de guerra Siegfried Sassoon
A estadia de Owen em Craiglockhart foi frutífera para sua poesia: lá, conheceu uma série de artistas e membros da comunidade literária e até mesmo deu aulas em uma escola numa parte pobre da cidade, além, é claro, de ser profundamente influenciado por seu mentor, Sassoon
No final de 1917, recebeu alta para serviços militares leves, servindo sobretudo em funções administrativas, longe da frente. Owen decidiu retornar para as trincheiras na França em julho de 1918, apesar de ter permissão para continuar servindo fora da ativa por tempo indeterminado. Sua decisão pode ser creditada a muitos fatores, um dos principais sendo a saída de Sassoon do serviço para tratar um ferimento. Owen parecia crer que alguém deveria continuar escrevendo sobre a realidade do combate. Ele não contou que voltaria para Sassoon – que tinha dito que esfaquearia a perna de Owen se ele decidisse retornar para o combate – até já estar na França.
Após seu retorno, foi condecorado com uma Cruz Militar por “galanteria conspícua e devoção ao dever” por uma atitude de grande bravura em um ataque na Linha Fonsomme, onde assumiu o comando de sua companhia quando seu comandante foi morto no meio da batalha, exibindo excelente liderança e resistindo a um pesado contra-ataque. Ele manipulou pessoalmente a captura de uma metralhadora inimiga em uma posição isolada e causou perdas consideráveis ao inimigo. Ele sempre desejara a condecoração, mas não chegou a recebê-la: sua Cruz Militar foi oficializada em fevereiro de 1919, três meses após sua morte.
Owen faleceu em ação durante o cruzamento do Canal Sambre-Oise, exatamente uma semana, quase hora a hora, antes da assinatura do Armistício. Tinha 25 anos. Ele foi promovido a lugar-tenente um dia depois de sua morte. Sua mãe recebeu a notícia no dia do Armistício, enquanto os sinos da igreja em Shrewsbury tocavam em comemoração pelo fim da guerra.
Owen deixou cerca de 80 poemas, quase que exclusivamente sobre os horrores da guerra, a vida nas trincheiras, combates e ataques de gás, além de tecer comentários ferinos sobre a saúde física e mental dos soldados. As principais características de seu trabalho são seu realismo incontrito, suas imagens viscerais e descrições vívidas, e uma pungente revolta com o que esses homens eram obrigados a suportar. Seus poemas, textos hora melancólicos, hora marcadamente agressivos, têm, apesar ou mesmo, talvez, em virtude de seus óbvios traços de raiva, ironia e escárnio, uma rara beleza em sua composição, atestando a qualidade da escrita do autor que, ao conjurar visões dantescas, ainda consegue exprimir um estranho senso de fascinação.
A poesia de Owen expõe de maneira crua e brutal a realidade do que de fato seria encontrado em uma trincheira da Grande Guerra: rapazes muito jovens, com frequência acometidos por doenças, ferimentos e transtornos mentais, que não queriam estar ali, e possivelmente dali nunca sairiam, dessensibilizados para a morte, o sangue e o assassinato, e irremediavelmente traumatizados por eles. Ele não constrói grandes heróis combatendo pela liberdade e pela pátria; revela, em seu lugar, meninos assustados lutando para sobreviver. Seus poemas se colocam no meio do sangue e da lama, de pedaços de carne dilacerada e ossos esmagados, de tempestades de projéteis e ataques de gás, de assassinatos de inimigos e enterros de colegas, emaranhados no arame farpado ou imobilizados em hospitais de campanha. Ele não poupa seu leitor; de fato, parece desdenhar e mesmo enraivecer-se com ele, fazendo um esforço deliberado para pintar as mais aterradoras e violentas ilustrações que consegue – de maneira magistral – conjurar, numa tentativa de destruir de uma vez por todas qualquer ilusão sobre a frente de batalha que seu público possa acalentar.
Owen é um dos poetas homenageados na placa dos Poetas da Primeira Guerra Mundial da Abadia de Westminster. A frase gravada na placa é sua: “Meu tema é a Guerra, e a lástima da Guerra. A poesia está na lástima.”Seus trabalhos mais conhecidos incluem Insensibility, Anthem for Doomed Youth, Futility, Mental Cases, Spring Offensive e Strange Meeting (esse último muito influenciado por The Redeemer de Sassoon), e acima de todos sua obra prima, Dulce et Decorum Est, na íntegra aqui:
Bent double, like old beggars under sacks,
Knock-kneed, coughing like hags, we cursed through sludge,
Till on the haunting flares we turned our backs,
And towards our distant rest began to trudge.
Men marched asleep. Many had lost their boots,
But limped on, blood-shod. All went lame; all blind;
Drunk with fatigue; deaf even to the hoots
Of gas-shells dropping softly behind.
Gas! GAS! Quick, boys!—An ecstasy of fumbling
Fitting the clumsy helmets just in time,
But someone still was yelling out and stumbling
And flound’ring like a man in fire or lime.—
Dim through the misty panes and thick green light,
As under a green sea, I saw him drowning.
In all my dreams before my helpless sight,
He plunges at me, guttering, choking, drowning.
If in some smothering dreams, you too could pace
Behind the wagon that we flung him in,
And watch the white eyes writhing in his face,
His hanging face, like a devil’s sick of sin;
If you could hear, at every jolt, the blood
Come gargling from the froth-corrupted lungs,
Obscene as cancer, bitter as the cud
Of vile, incurable sores on innocent tongues,—
My friend, you would not tell with such high zest
To children ardent for some desperate glory,
The old Lie: Dulce et decorum est
Pro patria mori.