“Doce amanhã”, Banana Yoshimoto com tradução de Jefferson José Teixeira. Estação Liberdade, 2023.
Banana Yoshimoto, nascida Mahoko Yoshimoto, mas que adotou o nome Banana por ser apaixonada pelas flores de bananeira, é filha de um famoso poeta e intelectual de esquerda japonês, Takaaki Yoshimoto. Com sua obra de estreia, “Kitchen”, publicada enquanto ainda estava na Universidade, ganhou o prêmio literário Izumi Kyoka e conquistou seu espaço no mercado editorial japonês e internacional.
Em “Doce amanhã”, com a escrita nostálgica e onírica de sempre, ela entrega um romance no qual reflete sobre a vida, a morte, e a relação entre esses dois estados, que no imaginário japonês tendem a andar lado a lado, por vezes sobrepostos ou até mesmo intrincados.
“Naquela época eu jamais imaginaria que a vida e a morte convivessem tão próximas, no mesmo espaço, como separadas apenas por uma fina folha de papel.”
Sayo, protagonista e narradora, começa o romance se dando conta de forma física e íntima que “a morte está sempre à espreita.” Um violento acidente de carro vitima seu namorado, Yoichi, e a fere gravemente, levando-a a uma experiência de quase morte na qual seu falecido cachorrinho de estimação e seu também falecido avô a acolhem em um mundo repleto de luz e cores, uma espécie de antessala do Paraíso. Tomada pela alegria desses reencontros e pela beleza etérea do lugar, a racionalidade é deixada de lado e ela se permite apenas sentir a leveza e o frescor do outro lado. Quando retoma a consciência, parte desse outro mundo a acompanha, como se para lembrá-la de que há vida além das dores do corpo e do peso do luto pelo amor perdido.
Porém, mesmo com o processo de recuperação físico concluído apesar as cicatrizes, Sayo ainda não se reconhece, afinal ela não é a mesma, ninguém é depois de um trauma dessa magnitude.
“Compreendia minha mudança. Jamais voltaria a ser quem eu fora um dia. O mundo não é uma linha reta do nascimento à morte.”
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Então passamos a acompanhar não apenas os fragmentos de lembranças e sentimentos, os conflitos e as culpas que ela carrega, mas também seu próprio renascimento.
“Não guardo rancor, tudo desapareceu, fiquei sozinha. Ainda que me enfurecesse, de nada adiantaria.
Fui deixada só, uma folha de papel em branco suspensa no vazio.”
Diante das circunstâncias, ter a vida transformada em uma “folha em branco” é obviamente triste, mas com o passar do tempo e a clareza das ideias, essa vida também se mostra cheia de possibilidades.
Possibilidades que muitas vezes estão nos lugares e situações mais inusitados, como no mundo por trás do mundo que passa a acompanhá-la, um mundo invisível, mas que pouco importa o quanto tem de imaginativo. Ele está lá, é real, assim como os murmúrios dos que ao mesmo tempo estão e não estão aqui, mas não há medo. Ela não está só.
Como em outras obras da autora, a melancolia é um traço forte, assim como a impermanência e efemeridade da vida. Há felicidade, há amor, mas tudo pode ser dolorosamente breve. A delicadeza é outra marca da sua escrita e que aqui revela a resiliência dentro do luto e o encontro com essa nova pessoa que emerge da ausência do outro.
Apesar de não haver qualquer menção direta ao terremoto seguido de tsumani que atingiu o Japão em 2011, no pósfacio escrito pela própria Banana Yoshimoto ela deixa claro as razões pelas quais escreveu o romance, a agonia que a atingiu com as notícias, a sensação de impotência e a vontade de fazer algo. Para ela, esse algo foi escrever, pensar nos mortos, nos vivos, e através desse romance tentar dar esperança, alívio e conforto aos que ficaram, aos que sobreviveram.
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