A gente conta história porque precisa que a história lembre para gente coisas que a gente não lembra da história dentro da gente. A memória da criança, principalmente, é afetada pelas desproporções dos tamanhos e pelas inflexões dos tempos, de modo que quase sempre esquecemos a coisa e nos fica o sentimento que a coisa deixou. No romance O menino do Bazar de Tabriz, Hossein Movasati revisita as suas histórias do passado para reencontrar uma outra história de um outro mundo que ele gostaria de não esquecer. E nessa história ele acaba contando muitas outras.
O menino do Bazar de Tabriz é uma espécie de autobiografia ou livro de memórias de Hossein Movasati, um iraniano-brasileiro que veio de Tabriz, cidade gelada do Irã, para o Brasil, especificamente no Rio de Janeiro. Diante do choque entre as duas culturas, Hossein alega que pior ainda foi o choque térmico. Ainda assim, em sua memória sempre vinham as práticas culturais que viveu na sua infância no Irã. O livro, que me parece direcionado para jovens e jovens adultos, mas que agrada todos os públicos, ganhou também ilustrações do seu irmão, Omid Movasati, e Dalila Ochoa, em publicação da editora Folhas de Relva.
O que mais chama atenção em O menino do Bazar de Tabriz é como, entremeado com a história de Hossein, entramos também em contato com a própria história e cultura do Irã. Logo no começo, por exemplo, o autor conta um pouco sobre a história de Tabriz:
A história de Tabriz tem mais de dois mil anos. Sofreu com muitos terremotos que a destruíram por diversas vezes, porém ela sempre se reergueu.
Além disso, aponta também para a Revolução Iraniana:
Em 1979, aconteceu a Revolução Iraniana. Com ela o país saiu de um radicalismo e caiu em outro. Num primeiro momento tiramos à força o pano da cabeça das mulheres e em outro o recolocamos também a força.
Os temas são complexos, como a troca entre poderes e governos – um que se volta para uma tentativa de Estado progressista com ensaios de laicidade, mas que é visto também como opressor para quem habita; outro que parece devolver o Irã para momentos que já se achavam superados. O uso do jihab ou outros tipos de véu por mulheres é um desses temas em que essas tensões aparecem, mostrando que seja qual for a situação política algo que não muda são as disputas em torno da autonomia para usá-los ou não. Entretanto, para o jovem Hossein, esses eventos históricos se transformam em apenas algumas percepções de sua vida. O resultado é sempre como seu ponto de vista infantil de tais eventos, como no caso da Revolução Iraniana:
De tudo isso ficam as lembranças das celebrações anuais da escola, que comemorava a vitória da última Revolução Iraniana.
Além disso, claro, temos o Bazar de Tabriz, que é o local em que o pai de Hossein trabalhava e ele ia por vezes ajudá-lo, além de vender doces e frutas na rua montando o seu primeiro pequeno comércio. Trata-se de uma vida que, tão diferente da nossa, acaba por replicar algumas coisas da experiência brasileira, como as brincadeiras que fazia com os amigos, a dificuldade com as notas da escola, e assim por diante.
No mais, o desejo de Hossein Movasati de construir um Irã que já não mais existe, mas que pulsa em sua memória, em seus gostos e gestos. E um Bazar que, contendo quase todas as coisas do mundo, foi também uma porta para esse menino crescer.
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