“O tenente Quetange”: Iuri Tyniánov entre a prosa modernista e os cortes cinematográficos

Conhecido como um dos grandes nomes da corrente formalista da teoria literária, Iuri Tyniánov (1894-1943) foi também um talentoso escritor, responsável por modernizar o gênero da ficção histórica na Rússia. Em O tenente Quetange (1928), sua obra mais conhecida, Tyniánov lança mão de capítulos breves e uma linguagem sucinta, quase telegráfica, que remete à prosa modernista e aos cortes rápidos do cinema — não por acaso, a obra nasceu como um roteiro, outro gênero que o autor dominava.

Nesta novela ambientada no século XVIII, durante o reinado do tsar Paulo I — numa sátira que miraculosamente escapou à censura de Stálin —, Tyniánov parte de uma simples anedota para compor uma elaborada crítica da autocracia russa, na qual o processo de burocratização do cotidiano e falseamento de dados históricos ganha vida própria e gera situações verdadeiramente surreais.

Junto à celebrada tradução de Aurora Bernardini e à apresentação de Boris Schnaiderman, este volume traz ainda um posfácio, inédito em português, de Veniamin Kaviérin, em que o escritor e dramaturgo soviético relembra em detalhes a fascinante personalidade de Tyniánov.

No texto de orelha, Arlete Cavaliere anota a característica de Iuri de fazer uso de um tema caro à tradição literária russa: “a multiplicidade de duplos paródicos”. Para ela, esse tema que encharca textos de Gógol, Dostoiévski, Saltikov-Schedrin, Bulgákov (a lista seria infindável), esboça, não raras vezes, as absurdidades da natureza humana e, principalmente, dos subterrâneos da vida nacional.”

“É justamente nessa linhagem da literatura russa — a exploração do risível, do nonsense, do fantástico e do absurdo — que a novela de Tyniánov deve ser apreendida.”, escreve.

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Sobre o autor:

Iuri Nikoláievitch Tyniánov nasceu em 1894 em Réjitsa, na província de Vítebsk. Após graduar-se em filologia na Universidade de Petrogrado, passou a lecionar literatura no Instituto de História da Arte daquela cidade. Ligado ao grupo dos formalistas russos, nos anos 1920 Tyniánov escreveu ensaios seminais sobre história e teoria da literatura. Após o fechamento do instituto, em 1931, Tyniánov tornou-se editor da respeitada série Biblioteca do Poeta, da editora Soviétski Pissátel. Além de ensaísta, foi também um inovador no gênero da ficção, condensando em suas narrativas pesquisa histórica e técnicas literárias modernistas: Kiúkhlia (1925), seu romance de estreia, tem como personagem o dezembrista Wilhelm Küchelbecker; A morte de Vazir-Mukhtar (1928) trata do ambiente cultural que cercava o dram aturgo Aleksandr Griboiédov; O tenente Quetange (1928) tem sua origem num roteiro para um filme mudo que depois ganhou as telas com direção de Aleksandr Feinzimmer e música de Serguei Prokófiev; e O jovem Púchkin, primeira parte de um grande romance biográfico sobre o poeta, veio à luz em 1936. Deixando o projeto sobre Púchkin inacabado, Tyniánov faleceu em Moscou, em 1943, vítima de uma doença congênita.

Sobre a tradutora:

Aurora Fornoni Bernardini, formada em Letras Anglo-Germânicas e Russo, é atualmente pesquisadora sênior e professora titular do Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. Ocupa-se com tradução literária, ensaística, crítica e criação. Entre os seus mais de noventa livros traduzidos do italiano, do francês, do inglês e do russo, destacam-se O nome da rosa, de Umberto Eco (Nova Fronteira, 1983, com Homero Freitas de Andrade, premiado com o Diploma d’Onore do Circolo Italiano di São Paulo); Daquela estrela à outra, de Giuseppe Ungaretti (Ateliê Editorial, 2004, com Haroldo de Campos, Prêmio Jabuti de Tradução); Indícios flutuantes, de Marina Tsvetáieva (Martins, 2006, Prêmio Paulo Rónai da Fundação Biblioteca Nacional); e Os sonh os teus vão acabar contigo, de Daniil Kharms (Kalinka, 2013, com Daniela Mountian e Moissei Mountian, finalista do Prêmio Jabuti).

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