A escritora Lilia Refle está com um novo livro na praça: “A puta religiosa”, publicado pela Astrolábio, conta a luta pela sobrevivência de uma jovem negra que deixa para trás as dívidas e uma família desestruturada, no interior da Bahia, para trabalhar como prostituta na capital fluminense. Dividida entre dois mundos, a personagem mantém a fé apoiada no pentecostalismo, em busca de saídas, com a mãe alcoólatra, a irmã caçula dependente química e a ausência paterna. Em pouco tempo, vestindo e se despindo de uma personagem de vida dupla, Sebastiana, ou Penélope, vira a mais desejada e a preferida de um senador evangélico.
“O lançamento acabou sendo agendado para o dia da mentira, um paradoxo diante de todas as absurdas verdades repugnantes que esse romance traz”, explica Lilia, que também veio de uma infância pobre na Bahia e, hoje, estuda Letras na PUC Rio.
“O livro surgiu como uma epifania, na repulsa a tudo que infelizmente faz parte da minha ‘escrevivência’. Tenho a ousadia de trazer o termo criado pela escritora Conceição Evaristo aqui, porque creio que é impossível se escrever acerca daquilo que não se sabe.”
Este é o terceiro livro de Lilia Refle, que lançou outros dois romances ao mesmo tempo, no ano passado: “Inquieta” e “Primeiro amor”. No novo romance há críticas ao fanatismo, ao falso moralismo, à manipulação e à mistura da política com religião, mas a autora frisa que o livro quer destacar a falta de espiritualidade do ser humano diante das tragédias modernas.
“Minha escrita é feita da dor interna. Escrevo para aliviar a alma, para aguentar a vida. Tem muito a ser dito ainda. Sou uma sobrevivente. Nasci por último, em uma família de 17 irmãos, no interior da Bahia. Como, no país de todos, o letramento sempre foi privilégio de classe, não bastou sobreviver à fome na infância. Tive que sobreviver à audácia de uma intelectualidade negada, pois preto e pobre só nascem para limpar banheiros. Lutei para chegar aqui. Não sei se sou vitoriosa, mas sim autocrítica e ambiciosa quanto à formação intelectual. Termino graduação em Letras este ano, e já estou com a cabeça no pós-doutorado. Apaixonada por línguas, traduzo alemão/português e busco tempo para adentrar no grego”, diz Lilia.
“Nove noites em cada dez gostaria de desaparecer”: o próximo romance de Lilia Refle
A autora acrescenta que também já tem outros projetos literários encaminhados. O próximo romance será “Nove noites em cada dez gostaria de desaparecer”.
“É sobre uma aristocrata alemã que engravida do pai aos 16 anos. Algumas pessoas me perguntaram o porquê de não focalizar sempre a minha escrita no povo negro. Bom, porque me inspiro na alma dos humanos, apesar de eu, ainda, ter que enfrentar agressões racistas e me determinar sempre negra. Tudo isso vai ficando tatuado na alma. Um prato cheio de inspirações.Sonho com o dia em que humanos possam ser apenas humanos, e que as suas humanidades estejam acima de qualquer bem material”, reforça Lilia Refle.