O que eu aprendi com Pet, de Akwaeke Emezi? A pergunta parece ser muito pessoal, mas eu aprendi tantas coisas legais que resolvi trazer para vocês algumas delas.
Adentrar na literatura africana é um prazer inenarrável, principalmente quando uma editora se dedica a escapar dos clichês e publicar obras que não são aquelas escolhidas pelos europeus, mas uma literatura que desfaz esse eixo: da África para a América. Isso acontece com a Editora Kapulana que vem sistematicamente publicando autores e autoras africanas inéditos e diversos aqui no Brasil. É o caso de Pet, um livro de fantasia publicado pelo escritor Akaeke Emezi, da Nigéria.
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Hoje, eu quero trazer para vocês 5 coisas que aprendi com “Pet”, Akwaeke Emezi. Confira:
1- O que é um Ogbanje?

Um Ogbanje é um termo em Odinani para o que se pensava ser um espírito maligno que intencionalmente atormentaria uma família com o infortúnio. A crença em ọgbanje, da cultura igbo, já não é tão forte como antes, com o avanço da cultura ocidental capitalista, porém, ainda existem algumas pessoas que assim se consideram. Seu significado literal na língua Igbo é “crianças que vêm e vão”.
O escritor Akwaeke Emezi, nascido na Nigéria, se considera um Ogbanje, o que modula seu romance Pet de um lugar incrível, uma vez que toda vez que ele menciona a palavra “monstro”, a linguagem é atravessada pelo seu sentido ancestral.
2- A ancestralidade e o uso da linguagem neutra
Essas duas coisas parecem estarem em pontas distantes da história: de um lado, a ancestralidade, aquilo que daria sentido a uma identidade ligada à tradição, a história e a memória de um povo. De outro, as discussões contemporâneas em relação ao uso de um pronome neutro. A tradução de Carolina Kuhn Facchin fez uso dos pronomes neutros, uma vez que Emezi se considera esse espírito que seria uma pessoa não binária, ou seja, não se identifica nem com homem nem com mulher, não importando o seu sexo biológico.
O uso do pronome neutro, então, se faz na atualização de uma ancestralidade, ao mesmo tempo, em que coloca a discussão no presente. Emezi faz uso do termo “they”, como se fala em inglês. No português, a tradutora optou por usar “elu”, o que é uma escolha interessante e coloca uma série de questões que podemos discutir em outro momento.
Outra coisa curiosa, é que a protagonista do romance, Chimia, é tuma menina trans que faz uso de bloqueador de hormônios. E fica mais interessante ainda, pois ela é uma mulher trans, ou seja, ela quer ser tratada no feminino, diferente das figuras não-binárias dos seres fantásticos do livro e do próprio autor.
3- A denúncia do abuso sexual infantil através da fantasia

Atualmente, tem se usado diversos gêneros literários e artísticos para se discutir questões sociais. É o caso, por exemplo, do filme Corra que reflete sobre o racismo através de uma história de terror/suspense. No caso de Pet, Emezi faz uso de um recurso similar.
“Não era mais para haver monstros em Lucille”. Assim começa a história de Chimia uma adolescente trans, e seu melhor amigo Redenção. Em Lucille, a história que as crianças aprendem na escola e em casa é que os anjos expulsaram todos os monstros da cidade, e não há nada mais motivo para ter medo.
Elas aprendem que lembrar é importante, porque é esquecendo que os monstros voltam. Mas será que lembrar é o mesmo que contar uma história só até certo ponto, recusando outras possibilidades? Porque se não existem mais monstros em Lucille, então por que Pet – um… monstro? Anjo? Monstranjo? – saiu de um quadro pintado pela mãe de Chimia, dizendo que estava ali para caçar um monstro na casa de Redenção?
Agora, Chimia e o amigo enfrentam um dilema: como combater monstros se as pessoas não admitem que eles existem? O caso, aos poucos, vai se mostrando um “monstro” que não é vindo do outro mundo, mas é mais corriqueiro e está mais perto do que a gente poderia pensar.
4- Elementos da cultura nigeriana
Outra coisa super bacana de entrar em contato com uma literatura fora do eixo é o quanto a gente aprende novas questões culturais. Em Pet, por exemplo, eu selecionei algumas.
Batique
O Batique é uma das coisas mais interessantes que eu aprendi com Pet, do escritor nigeriano Akwake Emezi. Batique é uma técnica de tingimento em tecido artesanal, que consiste em aplicar várias camadas de cera sobre um mesmo tecido, que vai ser tingido várias vezes. A cera é aplicada sobre o tecido, de maneira a formar padrões ou desenhos. Veja alguns exemplos:




Spatchcock
Um spatchcock, também conhecido como “spattlecock”, é uma galinha preparada para assar ou grelhar, após ter sido removida a espinha dorsal e às vezes o esterno do pássaro para deixar ele mais “plano” antes de cozinhar. A preparação também pode ser conhecida como butterfly, ou borboleta do frango. O termo “spatchcock” é usado quando o backbone é removido. A remoção do esterno permite que o pássaro seja achatado completamente.

Dodo
Já o “Dodo” é uma receita bastante conhecida na Nigéria feita com pedacinhos de banana frita. Embora a fritura tenha, aos poucos, sido afastada do dia a dia da Nigéria, ainda assim, é uma das comidas mais tradicionais e deliciosas dessa culinária.

Duvet
Duvet são como são conhecidas as coberturas de cama na Nigéria. Aqui a gente chamaria de colcha ou a roupa de cama completa. No livro, tem um papel interessante, pois como a protagonista é uma pré-adolescente, saindo da infância, o ato de esconder-se nessa cama ainda é uma prática acolhedora diante de quem encontra um “monstro”.

5- O desfazimento dos nomes
Emezi faz um uso interessantíssimo dos nomes no livro. Nenhum nome é propriamente um nome, pelo contrário, ela busca dar nome de outras coisas às personagens de modo a despersonalizar os nomes. Assim, suas personagens se chamam “Hibisco, Redenção, Vidro, Babosa e o monstro saído do quadro ganha o nome simples que dá titulo ao livro: Pet.
E aí, gostou de tudo que aprendi lendo Pet, do nigeriano Emezi?