Este é um dos maiores poetas da América Latina. Você já conhece melhores poemas de Lezama Lima? Trata-se de um poeta, ensaísta e novelista cubano. José Lezama Lima nasceu no dia 19 de dezembro de 1910, em Campamento de Columbia, nas proximidades de Havana e é considerado um dos escritores mais importantes da literatura latinoamericana deste século tendo grande influência na obra de diversos escritores hispanoamericanos e espanhóis.
Seus dois primeiros livros estão entre as obras poéticas mais importantes da Literatura hispano-americana, Muerte de Narciso (1937) e Enemigo rumor (1941). Escreveu mais tarde um dos maiores romances do continente, Paradiso (1966), que seria retirado das livrarias por ser considerado contra-revolucionário e pornográfico.
O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas Lezama Lima. Confira:
E- Duplo erro, sedento
O erro compreende a sua figura
no centro novo e na esfera nova.
Duplo erro, sedento
movem-se os números na parede
da recordação exata e as boas-vindas.
Risco novamente aquelas letras
do convite com que amanheciam
as nuvens novas e a dulcificada
roda da tortura.
Onde se alojaram os mistérios,
as noites gêmeas e as coleções
de ídolos perenes?
A roda da poderosa nuvem imperial
o parafuso já não golpeia
as costas densas.
O parafuso que rompe o mar em dois:
os poderosos deuses abolidos
e o presságio que toca e persegue.
Gira a nuvem sob o sonho
e ali investe contra novos reinos
da pronunciada melodia.
Depois do cordeiro recém-nascido
sem perguntas na apaziguada prata,
os impérios do carvão, os nebulosos
paraísos sem proporção e justiça.
Aqueles que esquecem que a elegância,
veado alimentado de orvalho ou polpa de neve
cortesã, é o ser iminente que penetra
na nuvem central, o corpo da amêndoa:
a soberania celestial do fogo em evasão.
Fugia da terra grávida,
sedento Marco Pólo entre carbúnculos,
estabelecendo os limites do sonho vago.
Acreditava que encontraria entre as rochas douradas
o peixe ainda sonâmbulo e separado
– única espécie de um metal vivo –
da noite e a sua sombra dançante.
Ali nas flautas a maldição nascente
e a nova cidade do corpo em fúria,
as pontes sombrias onde animais de canela
destroem na noite as coleções de porcelana.
Aberta ali, no instante em que a flor
assimila e se une ao inseto,
grandes pirâmides de orvalho
o golpe que engendra o cravo.
Ecos desabam, rumoroso presságio,
recua a extensa coluna de um fogo trêmulo
incha em ti, soluça o murmúrio,
invoca a ternura dos véus da água.
E as ninfas entre água e escuridão
transbordam de graça e som, os seus mantos,
os cabelos eternos diante do espelho, dizem:
define-me, não é nos meus passos, é na estátua
onde o tempo me devora e na areia
que cai das mãos que está o tempo predileto,
o único tempo criador sem o seu par e não o flanco
sangrando até o crepúsculo, e à nossa frente:
a estátua desconexa e um só centro .
A cavalaria provoca um remoinho
e se inclina à vista das águas não tocadas
a lua o inseto, e o cavaleiro.
O que declina à deriva até o centro.
O nu se nutre dos seus vestígios.
A lua, sonho duplo da lua vagarosa,
desce tocando as folhas diante dos amantes.
As folhas pintadas pelos címbalos do exílio
fabricam a areia e deslocam a chuva!
(Trad. Jorge Henrique Bastos)
A Prova do Jade
Quando cheguei à subdividida casa
onde tanto poderia encontrar o falso
relógio de Potsdam os dias de visita
do enxadrista Von Palem, ou o periquito
de porcelana da Saxônia, favorito de Maria Antonieta.
Estava ali também, em sua caixa de pelúcia
negra e de algodão envolto em tafetá branco,
a pequena deusa de jade, com um grande ramo
que passava de uma para a outra mão mais fria.
Ascendi-a até a luz, era o antigo
raio de lua cristalizado, o gracioso bastão
com que os imperadores chins juravam o trono,
e dividiam o bastão em duas partes e a sucessão
milenária seguia subdividindo e sempre ficava o jade
para jurar, para dividir em duas partes,
para o yin e para o yang.
Mas o provador, ocioso de metais e de jarras,
me disse com sua cara rápida de coelho cor caramelo:
apóie-se na face, o jade sempre frio.
Senti que o jade era o interruptor,
o interposto entre o pascalino entre-deux,
o que suspende a afluência claroescura,
a espada para a luminosidade espelhante,
a sílaba detida entre o rio que impulsa
e o espelho que detém.
Dá prova de sua validez pelo frio,
isca para o coelho úmido.
Todas as jóias na lâmina do escudo:
matinal o coelho oscilando
seus bigodes sobre uma espiga de milho.
Que começos, que ouros, que trifólios,
o coelho, a rainha do jade, o frio que interrompe.
Mas o jade é também um carbúnculo entre o rio e o espelho,
uma prisão de água onde se espreguiça
o pássaro fogueira, desfazendo o fogo em gotas.
As gotas como peras, imensas máscaras
às quais o fogo ditou as escamas de sua soberania.
As máscaras feitas realezas pelas entranhas
que lhes ensinaram como o caracol
a extrair a cor da terra.
E a frieza do jade sobre as faces,
para proclamar sua realeza, seu peso verdadeiro,
seu rastro congelado entre o rio e o espelho.
Provar sua realidade pelo frio,
a graça de sua janela pela ausência,
e a rainha verdadeira, a prova do jade,
pela fuga da geada
em um breve trenó que traça letras
sobre o ninho das faces.
Fechamos os olhos, a neve voa.
( Trad. Haroldo de Campos)
AH, QUE TU ME ESCAPES
Ah, que tu escapes no instante
em que já tinhas alcançado tua melhor definição.
Ah, minha amiga, que tu não queiras crer
nas perguntas dessa estrela recentemente cortada,
que vai molhando suas pontas em outra estrela inimiga.
Ah,se fosse certo que na hora do banho,
quando numa mesma água discursiva
se banham a imóvel paisagem e os animais mais finos:
antílopes, serpentes de passos breves, de passos evaporados,
parecem entre sonhos, sem ânsias, levantar
os mais extensos cabelos e a água mais lembrada.
Ah, minha amiga, se no puro mármore dos adeuses
tivesses deixado a estátua que podia nos acompanhar,
pois o vento, o vento gracioso,
se estende como um gato para se deixar definir.
(De: Enemigo rumor, 1941)
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UMA OBSCURA PRADARIA ME CONVIDA
Uma obscura pradaria me convida,
seus mantos estáveis e cingidos,
giram em mim, em meu balcão adormecem.
Dominam sua extensão, sua indefinida
cúpula de alabastro se recria.
Sobre as águas do espelho,
breve a voz em meio a cem caminhos,
minha memória prepara sua surpresa:
o gamo no céu, rocio, labareda.
Sem sentir que me chamam
penetro na pradaria devagar,
ufano em novo labirinto derretido.
Ali se vêem, ilustres restos,
cem cabeças, cornetas, mil alaridos
abrem seu céu, seu girassol calando.
Estranha a surpresa neste céu,
onde sem querer voltam pisadas
e soam as vozes em seu centro enchido.
Uma obscura pradaria vai passando.
Entre os dois, vento ou fino papel,
o vento, ferido vento desta morte
mágica, una e despedida.
Um pássaro e outro já não tremem.
(De: Enemigo rumor, 1941)
traduções de Alai Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros
A escada e a formiga
À meia-noite
a formiga desce a escadaria do hotel.
Tenta seguir o alongamento de uma linha reta.
Às vezes pára: que labirintos resolverá?
Em cada patamar ela estaciona
de um jeito surpreendente.
Anda pelo degrau como se procurasse
a encosta necessária para suas costas,
e então se precipita como se cantasse.
Está livre de todo compromisso,
mas acha, sem aviso, um pedaço de asa
e corre pra chegar à casa que desconhecemos.
Faz folia em todas as escalas
e depois desce, gabola, até a outra
correndo como se estivesse numa praia.
Está feliz
por dominar a escada.
Sabe que terá sucesso em sua aventura.
O sapato que pode machucá-la
passa raspando, mas lhe deixa
um pedaço de folha de tabaco,
uma pétala machucada,
o sal que faz arder seus olhos dominantes.
É a senhora da escada
e passeou degrau por degrau
com a elegância de uma dama inglesa
que leva o lixo até a esquina,
até o latão verde
com a coroa inglesa
riscada pelos dois leopardos.
(tradução de Josely Vianna Baptista)
Chamado do Desejoso
Desejoso é aquele que foge de sua mãe.
Despedir-se é lavrar um orvalho para uni-lo à secularidade da saliva.
A profundidade do desejo não está no seqüestro do fruto.
Desejoso é deixar de ver sua mãe.
É a ausência do acontecido de um dia que se prolonga
e é na noite que essa ausência vai afundando como um punhal.
Nessa ausência se abre uma torre, nessa torre dança um fogo oco.
E assim se alastra e a ausência da mãe é um mar em calma.
Mas o fugidio não vê o punhal que lhe pergunta,
é da mãe, dos postigos fechados, que ele foge.
O descendido em sangue antigo soa vazio.
O sangue é frio quando desce e quando se espalha circulizado.
A mãe é fria e está perfeita.
Se for por morte seu peso dobra e não mais nos solta.
Não é pelas portas onde assoma nosso abandono.
É por um claro onde a mãe ainda anda, mas já não os segue.
É por um claro, ali se cega e logo nos deixa.
Ai do que não anda esse andar onde a mãe não o segue mais, ai.
Não é desconhecer-se, o conhecer-se segue furioso como em seus dias,
mas segui-lo seria o incêndio de dois numa só árvore,
e ela adora olhar a árvore como uma pedra,
como uma pedra com a inscrição de antigos jogos.
Nosso desejo não é pegar ou incorporar um fruto ácido.
O desejo é o fugidio
e das cabeçadas com nossas mães cai o planeta centro de mesa
e de onde fugimos, se não é de nossas mães que fugimos,
que nunca querem recomeçar o mesmo jogo, a mesma
noite de igual ilharga descomunal?
(tradução de Josely Vianna Baptista)
INIMIGOS
Mesclados o furor e o delírio,
Vão romper sua escura clara de ovo,
nem uma antiga edição nem uma pele nova,
nem as flechas para um aprendido martírio.
Destrói-se uma antiga flecha, a ponta
inimizada com a fantasmagórica couraça,
a parábola dos extremos une
e o insone seguiu trabalhando a fiação.
Aqui há dois irreconciliáveis, armados de bronze duro,
o braço se petrifica, o braço mais maduro
pende como os pesos do relógio da torre.
O furor e o delírio, cada um vai buscar seu cavalo.
Tem que dividi-lo as picadas do raio
e uni-lo a trovoada que os apague.
BRILHARÁ
Brilhará o disco
e não saberemos sua cor final,
lentamente as cores vão se cansando
e deixarão escapar como um ponteiro
que pede ajuda.
A erva enredará sobre si mesma,
não recorrerá o rio mais próximo,
vai rir-se ao penetrar por uma boca
descomunal e penetrará no forno
alegrando-o todo com sua surpresa
verde, pinico escandaloso que descobre
a manhã.
As folhas começam sua revoada,
mas o ar está imóvel,
sem sair de suas grutas.
Uma página ampliando o olho
de sua lembrança, com um papel enorme
nos cobrimos e recordamos
suas orelhas de papel na poeira.
O sapato que cresce até a cadeira,
a cadeira lutando com o tremor de terra
e que nos impulsa
de um planeta a um planetoide,
de uma mosca a uma gravata,
do tempo ao caos que apaga.
O sapato já está sobre a cadeira
e começamos a tremer.
LÍQUIDAS ESSÊNCIAS …
Líquidas essências
e o sem fim diamantino,
o relógio matutino
assusta as ausências.
Corporifica o mínimo
o espaço do salto,
de diorito em basalto
perdurável surpresa.
É a mesma represa,
e nova voz de contralto.
Aí a poesia, já não está,
se divisa ou se irisa,
se apaga ou avisa,
ou alargado no mais.
O escuro se precisa
na noite de acanto,
desconcerta no canto,
ou o galo do silêncio
em rajadas presencio
e dobra meu quebranto.
Traduções de Antônio Miranda
E aí, o que achou dos melhores poemas de Lezama Lima?
Fonte:
http://sibila.com.br/poemas/poemas-1910-1976/14237
http://www.culturapara.art.br/opoema/lezamalima/lezamalima.htm
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/cuba/jose_lezama_lima.html
http://revistamododeusar.blogspot.com/2016/11/jose-lezama-lima-1910-1976.html