Que tal conhecer os melhores poemas de Alfonsina Storni? Alfonsina Storni (1892-1938) foi uma grande poeta argentina ainda pouco conhecida no Brasil. Ela nasceu na Suíça e emigrou com os seus pais para a província de San Juan na Argentina em 1896. Em 1901, muda-se para Rosário (Santa Fé), onde tem uma vida com muitas dificuldades financeiras. Trabalhou para o sustento da família como costureira, operária, atriz e professora. Descobre-se portadora de câncer de mama em 1935. O suicídio de um amigo, o também escritor Horacio Quiroga, em 1937, abala-a profundamente.
Consta que suicidou-se lançando-se ao mar — o que foi poeticamente registrado na canção “Alfonsina y el mar”, gravada por Mercedes Sosa; seu corpo foi resgatado do oceano no dia 25 de outubro de 1938. Alfonsina tinha 46 anos. Seus livros nunca haviam sido traduzidos para o português até o lançamento da Editora Coragem, os livros “Antologia Poética” e “Poemas de Amor” prometem trazer ao público uma parte da vasta obra de uma mulher que ousou escrever poemas no início do século XX, em um contexto marcadamente masculino.
O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas de Alfonsina Storni. Confira:
Bem pode ser
Bem pode ser que tudo o que em meu verso hei sentido
Não seja mais que aquilo que nunca pôde ser,
Não seja mais do que algo vedado e reprimido
De família em família, de mulher em mulher.
Dizem que nos solares dos meus, sempre medido
Estava tudo aquilo que se tinha a fazer…
Silenciosas dizem que as mulheres hão sido
Em meu materno lar. Ah, sim, bem pode ser…
Às vezes minha mãe terá sentido o anseio
De liberar-se, e logo viu subir-lhe do seio
Uma funda amargura, e na sombra chorou.
E tudo de mordaz, vencido, mutilado,
Tudo o que se encontrava em sua alma guardado,
Creio que sem querer fui eu quem libertou.
Tu que nunca serás
Sábado foi caprichoso o beijo dado,
Capricho de varão, audaz e fino
Mas foi doce o capricho masculino
A este meu coração, lobinho alado.
Não é que creia, não creio, se inclinado
sobre minhas mãos te senti divino
E me embriaguei, compreendo que este vinho
Não é para mim, mas jogo e roda o dado…
Eu sou a mulher que vive alerta,
Tu o tremendo varão que se desperta
E é uma torrente que se desvanece no rio
E mais se encrespa enquanto corre e poda.
Ah, resisto, mas me tens toda,
Tu, que nunca serás de todo meu.
Tradução de José Jeronymo Rivera
Luz
Andei na vida pergunta fazendo
Morrendo de tédio, de tédio morrendo.
Riram os homens de meu desvario…
É grande a terra! Se riem… eu rio…
Escutei palavras; demasiadas palavras!
Umas são alegres, outras são macabras.
Não pude entende-las; pedi as estrelas
Linguagem mais clara, palavras mais belas.
As doces estrelas me deram tua vida
E encontrei em teus olhos a verdade perdida
Oh! teus olhos cheios de verdades tantas,
Teus olhos escuros onde o universo meço!
Segura de tudo me jogo a teus pés:
Descanso e esqueço.
A súplica
Senhor, Senhor, há muito tempo, um dia,
sonhei o amor, como ninguém houvera
inda sonhado, amor que fosse e que era
a vida toda todo uma poesia.
Passa o inverno e esse amor não chegaria,
passaria também a primavera;
o verão persistente volveria
e o outono, ainda me encontra à sua espera.
Ó Senhor, sobre minha espádua nua,
faze estalar, por mão que seja crua,
o látego que mandas aos perversos!
Que já anoitece sobre minha vida
e esta paixão ardente e desmentida
eu a gastei, Senhor, fazendo versos!
Palavras a um habitante de Marte
Será verdade que existes sobre o vermelho planeta,
que, como eu, possuis finas mãos prêensíveis,
boca para o riso, coração de poeta,
e uma alma administrada pelos nervos sutis?
Mas no teu mundo, acaso, se erguem as cidades
como sepulcros tristes? As assolou a espada?
Já tudo tem sido dito? Com o teu planeta acrescentas
a vasta harmonia outra taça vazia?
Se fores como um terrestre, que poderia importar-me
que o teu sinal de vida desça a visitar-me?
Busco uma estirpe nova através da altura.
Corpos bonitos, donos do segredo celeste
da alegria achada. Mas se o teu não é este,
se tudo se repete, cala triste criatura!
Aspecto
Vivo dentro de quatro paredes matemáticas
Alinhadas metricamente. Rodeiam-me apáticas
almazinhas que não sabem um pingo sequer
Desta febre azulada que nutre minha quimera.
Uso uma pele falsa que listro de gris
(corvo que sob a asa guarda uma flor-de-lis
Provoca-me certo riso o bico feroz e raivoso,
Que eu mesma crio para farsa e estorvo.)
Crepúsculo
O mar imóvill,
desprendido de suas mandíbulas,
exala uma alma nova.
Não tem fundo,
barcos afundados,
almas, abraçadas
às suas algas.
Recém nascido,
a cara de Deus,
pálida,
fita-o.
Barcos não a descreveram.
Homens não a decifraram.
Peixes não a apodreceram.
Desce para busca-lo
o sol,
precipitando-se em chamas
entre bosques violáceos,
e ao tocar-lhe a face
abre portas de ouro
que calam — túneis —
descem a água
e chegam, desvanecidas,
aos meus pés.
Por elas
ascenderei
um dia
até internar-me
muito além do horizonte.
Paredes de água
vão me cortejar
na tarde
resplandescente
Tradução de Antonio Miranda, em 2017
Veja também: 10 livros essenciais pra conhecer a Literatura Argentina
Aspecto
Vivo dentro de quatro paredes matemáticas
Alinhadas metricamente. Rodeiam-me apáticas
almazinhas que não sabem um pingo sequer
Desta febre azulada que nutre minha quimera.
Uso uma pele falsa que listro de gris
(corvo que sob a asa guarda uma flor-de-lis
Provoca-me certo riso o bico feroz e raivoso,
Que eu mesma crio para farsa e estorvo.)
Doce tortura
Poeira de ouro em tuas mãos foi minha melancolia;
Em tuas mãos compridas esparramei minha vida;
Minhas doçuras às tuas mãos ficaram presas;
Agora sou uma ânfora de perfumes vazia.Quanta doce tortura quietamente sofrida,
Quando, ferida a alma de tristeza sombria,
Ciente de enganos, eu passava os dias
Beijando as duas mãos que me sugavam a vida!
Vássia Silveira
Quadrados e ângulos
Casas enfileiradas, casas enfileiradas,
Casas enfileiradas.
Quadrados, quadrados, quadrados.
Casas enfileiradas.
O povo já tem a alma quadrada,
Ideias em fila
E ângulo nas costas.
Eu mesma verti ontem uma lágrima,
Meu Deus, quadrada!
A Loba
Eu sou como a loba
Rompi com o rebanho
e me fui à montanha
Cansada do campo.
Eu tenho um filho fruto do amor, de amor sem lei,
Que eu não pude ser como as outras, casta de gado
Com jugo no pescoço; ergo livre minha cabeça”
Que tal um poeminha extra? Vamos lá!
Sou essa flor
Tua vida é um grande rio, vai caudalosamente,
a sua beira, invisível, eu broto docemente.
Sou essa flor perdida entre juncos e achiras
que piedoso alimentas, mas acaso nem olhas.
Quando cresces me levas e morro em teu seio,
quando secas morro pouco a pouco no lodo;
Mas de novo volto a brotar docemente
quando nos dias belos vais caudalosamente.
Sou essa flor perdida que brota nas tuas margens
humilde e silenciosa todas as primaveras.
Tradução: Vássia Silveira
Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/argentina/alfonsina_storni.html
https://www.escritas.org/pt/alfonsina-storni
https://www.brasildefators.com.br/2020/08/11/a-intensidade-dos-poemas-de-alfonsina-storni-ganha-traducao-em-portugues
http://www.mallarmargens.com/2015/05/4-poemas-de-alfonsina-storni-traducao.html