Tudo na África é muito complicado. Nada é simples. Ninguém é simples. A pobreza contempla generosamente acada homem com um passado rico em experiências.
Daoud Hari
Daoud Hari trabalhou como tradutor para jornalistas que cobriam a guerra do Sudão. Ele foi preso, torturado, espancado, passou fome, viu seu irmão morrer, mas não desistiu de sua missão de contar e fazer contar a história de seu povo. Mas será O Tradutor, então, é um livro sobre guerra. Parece, a mim, um livro sobre tempos. A guerra se dá a partir de regras específicas, tratados de guerra e pactos de guerras, em que dois lados concordam em guerrear sob um teto de disputas. O que se vê no Sudão de Daoud é, ao contrário, uma série de tempos se sobrepondo, todos a partir da imposição violenta de forças, externas e internas. Um genocídio de gente por gente. Assassinatos financiados por forças pequenas e grandes e um povo que, em meio a tudo isso, se mata também.
O NotaTerapia separou as 10 melhores frases da obra:
O corpo responde àquilo tudo. Os cheiros e os sons, o movimento dos soldados e veículos, tudo é captado pelos sentidos mais apurados que afloram em tempos difíceis.
Este canto do mundo, o nosso mundo, passava por profundas mudanças a cada dia, sendo consumido pelas chamadas da crueldade. Queria despertas deste tormento. Imagine se tudo o que rege o seu país, leis, princípios, de repente deixasse de existir e toda a sua família – cada parente – passasse a correr perigo. Foi mais ou menos o que aconteceu.
Logo depois da morte, é bom lembrar de cada pessoa que partiu, porque, terminado o luto, qualquer coisa que possa lembrá-la, uma foto, por exemplo, será removida: as roupas são doadas para os habitantes de um vilarejo distante. Passado é passado. E não poderia ser diferente num lugar onde há tantas mortes e nenhum médico.
É uma grosseria da parte de um homem, cuja missão é ser forte, mostrar-se seriamente ferido às mulheres ou crianças.
Mais do que operar um milagre, bom é ser o próprio milagre. Como parar de ajudar? Contudo, nem sempre éramos o milagre providencial.
Um governo só é verdadeiramente democrático quando reflete a alma de seu povo.
Daqui a alguns dias, tempestades de areia varrerão aquelas cinzas e quem um dia saberá que a gente amável viveu ali e que aquela montanha lá coberta pela luz da lua, fresca e silenciosa, é chamada de Vilarejo de Deus e que abriga todas as nossas esperanças em relação ao nosso povo?
Enquanto o governo continuasse a invadir vilarejos e expulsar as pessoas de sua terra, sempre haveria grupos de rebeldes. Assim como esses grupos rebeldes que agora matavam seu próprio povo, ele perdera o seu propósito original e tinha se esquecido de sua gente. Hoje pensava só em si mesmo.
É engraçado coo alguém que planeja matar uma pessoa ainda se dá o trabalho de gritar com ela ou até mesmo de torturá-la. Que lições tira quem está prestes a morrer? Que desperdício de energia!
Quando fiz minha primeira incursão em Darfur com os jornalistas africanos, alguém me perguntou porque eu estava correndo tanto risco. Então respondi, sem querer fazer drama, que eu não estava em segurança porque meu povo não estava em segurança – e como estar seguro, se o seu povo não está seguro? Talvez, todo o mundo faça parte do mesmo povo.
Edição: Editora Rocco, 2008
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