” – Eu tenho pesadelos. Nele pessoas me machucam.
– Eu também tenho, mas são diferentes. Eu machuco pessoas”
Logan é um filme que tem sido aclamado pela crítica. E sua estreia hoje – posso dizer, leitor – é um presente para todos que gostam de uma boa história, cheia de significados, independente de se gostar de filmes de heróis ou de HQs. Apesar das últimas afirmações de Hugh Jackman, acreditamos que essa seja a sua última – e melhor – participação no papel do Carcaju. O filme cumpre o que foi prometido e traz muito além do que foi mostrado nos trailers; a trilha sonora faz jus ao clima de filme western; e a aridez do lugar reflete à aridez espiritual daquelas almas maculadas por uma vida longa demais, sofrida demais.
A primeira palavra de Hugh Jackman no filme é fuck, e a linguagem do filme é a violência. Braços mutilados, decapitações, várias mortes e muito sangue servem não apenas como uma experiência visual e para causar espanto, mas embasam toda a construção de um personagem que foi machucado pelo próprio passado que nem seu poder de cura é capaz de livrá-lo disso. Tanto Logan, que agora não se recupera como antes; como Caliban, que vive uma tentativa de redenção trancado na sua caverna e o Professor Xavier, o mutante considerado como “arma de destruição em massa”, que está com uma doença cerebral degenerativa.
Os três são praticamente os últimos mutantes vivos após a caça de sua “raça” e têm de conviver com todos os erros passados enquanto lutam para sobreviver. No entanto, Professor Xavier aqui tem um papel semelhante ao do Wolverine em “Velho Logan”, HQ que inspirou a adaptação cinematográfica: também é responsável pela morte de muitos mutantes. O peso da culpa, contudo, é aliviado quando aproximam de uma família normal, que tem uma vida normal com problemas normais: e digo normais não por serem não-mutantes.
A Jornada do Herói contra si mesmo
No início da trama, Logan enfrenta os fantasmas do seu passado. A brincadeira de Caliban em relação à bala de adamantium no início do filme já apresenta o estado depressivo do herói que não consegue e nunca conseguiu viver bem consigo mesmo e que está cada vez mais com razões para dar um fim à própria vida, evitando, assim, mais problemas para si e escapando do passado. Provavelmente não seria loucura reconhecer que ele estouraria os próprios miolos quando Xavier morresse.
Mas não é isso o que acontece.
Quando o clone do Carcaju – o Arma X-24 – mata o professor, cada vez mais por Laura, Logan deseja continuar vivo.
Wolverine ao enfrentar o seu clone, que é apresentado de maneira formidável, luta consigo mesmo não apenas no âmbito literal, mas sim com o seu self mais brutal, da época em que ele seria programado para ser apenas uma arma. O clone é uma representação do seu pior lado, tal como acontece com Luke Skywalker em Star Wars: O Império Contra-Ataca, ao ver seu rosto no capacete de Darth Vader. Ele enfrenta seu lado bestial, seu lado feral e mais violento, não-humano que vivia para ser comandado pela própria violência. O Logan de alma ressecada é quase um homem bom perto do Logan que é Arma X. Quando eles se enfrentam é que podemos ver mais claramente as diferenças de um homem que foi aos poucos perdendo a sua capacidade de dar bons frutos para um homem que é pura violência e vive apenas para isso, para ser uma arma.
E a vitória dele contra si mesmo é o que permitiria sua libertação de todo esse peso. É o que traria vida para o deserto de sua alma.
O Agente Regulador
A história não se resume em apenas contar uma jornada perto da fronteira de um homem velho e uma garotinha, mas de um homem que há muito havia perdido sua humanidade e agora encontra uma maneira de recuperá-la. Infelizmente, Logan já é velho demais e seus poderes não funcionam como antes – ele já havia perdido demais para poder voltar sozinho. Já no início da história sabemos que ele não conseguiria se recuperar sozinho, que Laura teria muito mais que um papel de simples companion.
Laura, na história age como filha e, como tal, é a agente reguladora que reestabelece a humanidade de Logan e o ajuda a enfrentar seu lado mais brutal – tanto literalmente, como o interno, que não a queria vê-la como filha, como alguém que era muito parecida com ele. E ela, agindo em seu papel de filha, e de uma filha garota, age como esse ser capaz de trazê-lo de volta para o bom caminho, para a vida, coisa que nem o seu tutor nem um outro mutante sobrevivente, ou seja, com quem tinha identificações claras, conseguiram fazer até o momento.
E não é machismo afirmar que ela, como filha e mulher, estabelece esse papel de trazer de volta a humanidade para aquele cuja alcunha é a de um animal ultra violento. E quando digo mulher, não falo dum comportamento recatado, já que Laura é tudo menos recatada ou a princesinha que precisa de um resgate; então, por favor, sem reclamações nessa parte pois sei que todos vocês são inteligentes o suficiente para compreender esse trecho.
No final, o tiro de Adamantium que ela dá na cabeça do Arma X-24 – e que era direcionado para a cabeça do próprio Logan que desejava o suicídio no início – não só demonstra que agora a parte que precisava ser derrotada para o seu retorno glorioso – como herói e pessoa de verdade – estava morta, mas como ele havia superado todos os desafios para que sua verdadeira jornada do herói fosse completa, mas completa não só por ele, que sabíamos não ser capaz de fazer isso sozinho, mas com a ajuda de sua filha.
Por fim, a paz
E é exatamente nesse momento, em que ela o livra do antagonista – de si mesmo, enquanto Arma X – e pega na mão do Logan e o chama de pai, é que ele se realiza por completo e tem ali, um dos maiores momentos – senão o maior – e mais tranquilo de toda a sua vida. Apesar de todos os seus atos heroicos e de bondade, nunca antes ele tinha conseguido livrar-se da sua violência animalesca. É na paternidade que Logan encontra a paz, tendo a sensação não só de um herói, ou de ser um pai, mas de ser humano, parte de uma família real, e tal como Charles lhe diz na casa de família sobre o que seria ter uma vida de verdade:
“A vida é assim: pessoas que se amam, um lar; se dê um tempo, sinta isso.”