“Orlando” conta a história de um nobre e belo rapaz que, num dia, acorda e se vê mulher. O fato, que à primeira vista, demarcaria dois momentos distintos desta vida, não é vivido nem por Orlando, nem pelos demais, como fato que mereça mais atenção que qualquer outro fato da vida de Orlando; passando a ser mulher, o Orlando é a Orlando. Virginia Woolf, nesta maravilhosa obra, fala sobre a experiência desta personagem através de um tempo que não é cronológico, mas pode ser entendido como o tempo da vivência: o único tempo possível para abarcar a vida, os amores e as reflexões de Orlando.
Uma coisa é o verde na natureza; outra coisa, na literatura. Entre a natureza e as letras parece haver uma natural antipatia; basta juntá-las para que se estraçalhem. (p. 197)
(…) não imaginavam que o que chamamos “vida” e “realidade” estivesse relacionado com ignorância e brutalidade; (p.207)
Pois tem razão o filósofo ao dizer que entre a felicidade e a melancolia não medeia espessura maior que a de uma lâmina de faca; (p. 217)
Terá o dedo da morte de pousar de vez em quando no tumulto da vida para evitar que ele nos despedace? Tal será a nossa condição que devamos receber, diariamente, a morte, em pequenas doses, para podermos prosseguir na empresa da vida? (p. 233)
A memória é a costureira, e costureira caprichosa. A memória faz a sua agulha correr para dentro e para foram, para cima e para baixo, para cá e para lá. Não sabemos o que vem em seguida, o que virá depois. Assim, o ato mais vulgar do mundo, como o de sentar-se a uma mesa e aproximar o tinteiro, pode agitar mil fragmentos díspares, ora iluminados, ora em sombra, pendentes, oscilantes, e revirando-se como a roupa branca de uma família de catorze pessoas, numa corda ao vento. (p. 240)
Não seria exagero dizer que saía do almoço com trinta anos, e voltava para o jantar com cinquenta e cinco, pelo menos. Algumas semanas acrescentaram um século à sua idade; outras, não mais de três segundos, o máximo. (p. 254)
Mergulhado por muito tempo em profundos pensamentos como os do valor da obscuridade e a delícia de não ter um nome, mas de ser como a onda que retorna ao profundo corpo do mar; (p. 257)
Pois, segundo parece – e o seu caso o prova -, não escrevemos só com os dedos, mas com a pessoa inteira. (p. 350)
Pensamento e vida são como pólos opostos. (p. 367)
A verdadeira extensão da vida de uma pessoa, diga o que quiser o Dicionário Biográfico Nacional, é sempre matéria discutível. Porque é difícil esse registro do tempo; nada o desordena mais rapidamente que o contato com qualquer das artes; (p. 393)
Edição: Editora Abril, 1972 (tradução de Cecília Meireles)