Manuel Bandeira em sua rotina: fazendo torradas, fervendo a água para o café, apreciando o desjejum na mesa à janela. Foi dessa maneira corriqueira, comum, que os diretores de O Habitante de Pasárgada (1959) registraram aquele que foi uma das vozes mais proeminentes da lírica brasileira moderna. A trivialidade das ocasiões que se apresentam no curta-metragem, entretanto, não é mera eventualidade. Bandeira foi poeta de inspirações cotidianas e, sobretudo, pessoais – logo, os registros do documentário expõem o autor em seu habitat lírico.
Dirigido por David Neves e Fernando Sabino, O Habitante de Pasárgada ainda conta com a leitura do próprio Bandeira de seus poemas Vou-me Embora pra Pasárgada e O último poema. Confirma o curta-metragem completo:
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=K6Q0W8s7aHs]
O último poema, Manuel Bandeira
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Vou-me embora pra Pasárgada, Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe – d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
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