Brasil, terra da mistura, de George Luiz Araújo de Lemos e publicado pela Editora Romance, é uma narrativa que nos conduz ao cotidiano de Emanuel, um jovem que atravessa a cidade marcado pela rotina de estágio, estudos e responsabilidades familiares. A obra apresenta o país ao leitor por meio do olhar desse protagonista, revelando uma trajetória construída em meio a desafios, encontros breves, deslocamentos pela periferia e vínculos que sustentam sua sobrevivência. Antes de aprofundar as questões sociais que permeiam o enredo, o autor nos situa em uma história que, embora ficcional, dialoga com experiências reconhecíveis para boa parte dos brasileiros: a tentativa de afirmar um lugar em um cenário urbano tenso, desigual e, ainda assim, atravessado por pequenos gestos de cuidado. É a partir dessa jornada cotidiana que a narrativa começa a delinear o Brasil que se deseja discutir.

A partir dessa estrutura narrativa centrada no percurso de Emanuel, o romance passa a ampliar o olhar para os impasses sociopolíticos que atravessam o país. A cidade que o personagem percorre torna-se palco das contradições brasileiras, espaço em que racismo, desigualdade, precariedade dos serviços públicos e mecanismos informais de poder se imbricam. Nesse cenário, o livro propõe ao leitor uma reflexão sobre a nação que combina culturas, crenças e expectativas diversas, mas que permanece assinalada por disputas simbólicas e materiais, onde alguns defendem a integridade da bandeira e outros, descrentes das instituições, já não se reconhecem no que ela representa.
A história se desenvolve por meio de situações comuns que reforçam a dimensão realista da obra: o estágio de Emanuel em uma prefeitura marcada por práticas de tratamento privilegiado e o contato constante com a precariedade dos serviços públicos; a figura de Dona Carmen, mãe de Emanuel, que expressa o vínculo entre o cotidiano e a afetividade; e a relação entre os dois (mãe e filho) que tenta mostrar a importância de solidariedade em meio à instabilidade social.
“Ele se volta para dona Carmem novamente. Pega em sua mão e, com os olhos cheios de lágrimas calmamente diz:
– Vai ficar tudo bem” (p. 155)
George Luiz utiliza uma escrita direta, sustentada por ritmo ágil e com muitos diálogos breves, o que torna a leitura fluida, além de conduzir o leitor a refletir sobre temas como corrupção, racismo estrutural e injustiça social, mas sem recorrer a explicações e/ou julgamentos explícitos. Os conflitos decorrem tanto das ações das personagens quanto das contradições estruturais que definem o espaço urbano da obra. Assim, George Luiz propõe uma crítica que se constrói na observação das experiências cotidianas.
A expressão “terra da mistura”, presente no título, ao meu ver, adquiriu um significado múltiplo. Ela indica tanto a diversidade cultural e étnica do país quanto as desigualdades que persistem sob o discurso da harmonia. O autor revela que a convivência entre diferenças, embora celebrada, continua marcada por fronteiras invisíveis e essa abordagem recusa a visão idealizada do Brasil ao propor uma leitura que reconhece a pluralidade, mas também o conflito que dela decorre.
A metáfora da tempestade, que percorre o texto, representa o desejo de mudança coletiva e tenta sintetizar a defesa da ação conjunta, sugerindo que a transformação não se dá por gestos isolados, mas pelo reconhecimento do outro e pela disposição de agir em conjunto.
“Precisamos escolher melhores representantes! Se queremos que nossa democracia funcione melhor, isso começa pelo povo! Quem vai escutar nosso grito? Quem vai escutar nossas dores? Quem vai tentar nos silenciar? Ficaremos sempre calados? Ou soltaremos nosso grito de fúria contra aqueles que se sustentam da nossa miséria? Precisamos aprender a nos unir, porque sozinhos não somos nem uma brisa, porém, juntos, somos tempestade!” (p. 182)
Brasil, terra da mistura constrói, portanto, um retrato do país que se apoia na observação do cotidiano e na escuta das vozes periféricas. Ao narrar a trajetória de Emanuel, o autor propõe uma reflexão sobre a estrutura social brasileira e sobre o modo como a literatura pode expor, com sobriedade, as formas de exclusão e de resistência que moldam o presente.
Sobre o autor:

George Luiz Araújo de Lemos é natural do Rio de Janeiro, porém mora em Pernambuco há mais de dez anos. Bacharel em Sistemas de Informação, está finalizando o curso de Filosofia. Publicou três romances: Os espelhos (2016), Evolução 2.0 – o super-homem (2021) e Brasil, terra da mistura (2024).

