Um grande diretor do cinema escandinavo teve seu filme aplaudido por 19 minutos no Festival de Cannes 2025. O realizador, que assina o longa que já é o 3º mais ovacionado da história do festival, tem sobrenome Trier e é conhecido por uma trilogia ocasional.
Não estamos falando de Lars von Trier, o cineasta dinamarquês criador da chamada “trilogia da depressão” composta pelos filmes Anticristo (2009), Melancolia (2011) e Ninfomaníaca (vol. 1 e 2, 2013).
O diretor em questão é Joachim Trier, que não é irmão nem parente próximo de Lars von Trier, e já foi muito prestigiado nesta década por A pior pessoa do mundo (2021) com 2 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Internacional. Naquela edição, Belfast (2021) e Drive my car (2021) foram os vencedores nas respectivas categorias.
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Sentimental Value, de Joachim Trier “é o melhor filme do ano”

Em 2025, entretanto, o filme de Joachim Trier foi o mais aplaudido na sua estreia mundial em Cannes, superando, inclusive, o longa brasileiro O Agente Secreto, que recebeu aplausos por 13 minutos.
Ovacionado por quase 20 minutos, o novo longa de Trier, Sentimental Value, tem sido destacado pela crítica como o “melhor filme que você vai ver este ano”.
Enquanto o filme não estreia no Brasil, o lançamento está agendado para agosto de 2025, conheça a “trilogia Oslo” de Joachim Trier, uma sequência temática com os três melhores filmes do cineasta norueguês, e veja por que ele é um diretor tão aclamado que merece a sua atenção.
Trilogia Oslo, de Joachim Trier
O mais tocante da obra de Joachim Trier é o realismo não convencional para abordar temas de profundo teor psicológico como crises existenciais, identidade, não-pertencimento e desilusões.
Seus protagonistas são pessoas sensíveis, em carreiras intelectuais, passando por algum momento de desorientação na vida profissional e afetiva. Com temas caros à vida adulta, suas histórias geram bastante identificação com o público dos vinte e muito e trinta mais.
Fazem parte da sua estética um uso muito próprio de narrações em off e a arte diegética. Uma vez que seus personagens são intelectuais e artistas desenvolvendo a própria vocação, suas produções em texto, música e imagem incorporam o roteiro.
Trier também tem sua equipe preferida, nos últimos anos, Renate Reinsve protagonizou seus longas mais aclamados, e Anders Danielsen Lie é um dos personagens principais dos três filmes da trilogia Oslo.
Oslo, capital da Noruega, é um cenário frequente para os filmes de Trier por motivos que, inclusive, são tópicos de reflexão nas suas narrativas como a atmosfera, as memórias e outros aspectos de uma estética muito particular.
A trilogia Oslo une os melhores filmes de Joachim Trier em semelhança de temas, lugares e personagens e tem momentos mais melancólicos que a própria “trilogia da depressão” de Lars von Trier. Conheça um pouco sobre cada um.
A pior pessoa do mundo (2021)

O título que encerra a trilogia Oslo é, até agora, o longa mais aclamado de Joachim Trier.
Embora possa ser superado em breve por Sentimental Value (2025) em premiações, A pior pessoa do mundo, de 2021, é o filme que colocou Trier de vez nos holofotes da indústria hollywoodiana e foi a grande revelação da atriz norueguesa Renate Reinsve nesse mercado.
Recentemente, ela fez sucesso no também prestigiado Um Homem Diferente (2024) e na minissérie Acima de qualquer suspeita (2024) do Apple TV+. Agora volta à uma nova parceria com Trier em 2025.
A pior pessoa do mundo é uma espécie de romance de formação para narrar as reviravoltas da vida de uma mulher que está chegando à curva dos 30. Sem as convicções que supostamente deveria ter a esta altura, interpretada por Reinsve, ela vive a liberdade e o desconforto de fazer as próprias escolhas.
É um fechamento leve para uma sequência temática que apresenta momentos dilacerantes em filmes anteriores. Na beleza de assumir as próprias incertezas, o filme é cativante por sustentar todos os elementos característicos de Trier numa narrativa protagonizada por uma mulher, uma exceção em relação às obras anteriores da trilogia.
Oslo, 31 de agosto (2011)

O segundo filme da trilogia Oslo é o que mais reverencia a capital norueguesa e sua atmosfera. Além do título, a narração em off habitual das aberturas dos filmes de Trier vem aqui com uma sequência de memórias de personagens e imagens que nos provocam uma certa familiaridade com a cidade.
São relatos de viciados, em uma casa de reabilitação. Desse início, o longa parte para um dia na vida de Anders, interpretado pelo ator de mesmo nome, Anders Danielsen Lie. Outra coincidência é que o ator assume personagens depressivos nos três filmes da trilogia.
Em Oslo, 31 de agosto (2011), ele é um homem que já passou dos 30 e busca se reconectar com a vida real na cidade após quase um ano de tratamento por uso abusivo de drogas.
Apesar das memórias felizes de Oslo, a reconciliação com a cidade é difícil para Anders. Sua primeira atitude em cena é levantar da cama de uma desconhecida e entrar num riacho com pedras nos bolsos. Antes de imitar o ato final de Virginia Woolf, ele repensa e decide ir para uma entrevista de emprego na redação de uma revista sobre cinema e tv.
Nos encontros e desencontros que ele tem em Oslo neste dia, fica evidente o vazio aterrador e a solidão de uma pessoa que precisa dedicar grande parte da vida a fugir dos próprios impulsos. Há quem diga que o filme é um retrato da depressão e do niilismo. Sua grande virtude, no entanto, é o diálogo honesto que ele propõe sobre propósito ou a falta dele.
Certamente, é o filme mais emocionalmente impactante da trilogia, especialmente, por sua capacidade de levar o público ao exercício poético de preencher os cenários de Oslo com suas próprias memórias da narrativa.
Reprise (2006)

O primeiro título da trilogia Oslo é também o primeiro longa na carreira de Joachim Trier como diretor. Antes disso, ele tinha realizado somente curtas.
Reprise (2006) ganhou um título em português que não parece tão fiel à proposta da narrativa: Começar de novo. Mais do que um novo início, o filme aborda a questão da decisão frustrante que ronda a existência, sobretudo, na juventude. Os portugueses dizem: “não voltes ao lugar onde foste feliz”, mas esse conselho é refutado em todas as línguas. E Reprise apresenta um desses casos.
O enredo se estabelece a partir de dois jovens aspirantes a escritores que são melhores amigos e dão um grande passo decisivo na carreira no mesmo momento. Além de retratar seus diferentes destinos a partir disso, o longa oferece uma imersão na vida literária, musical, social, afetiva e sexual desses jovens.
O recurso da narração em off é mais frenético nesta primeira peça e frequentemente apresenta caminhos que foram e que poderiam ter sido. O mais sentimental dos dois protagonistas é, como esperado, interpretado por Anders Danielsen Lie, que também está em Sentimental Value (2025). Ele é o jovem que decide refazer uma viagem a Paris com a namorada para, só então, descobrir que não se volta para onde já foi feliz.
Os elementos essenciais de Trier já estão neste seu primeiríssimo filme, mas tudo ainda muito jovem e experimental. Uma boa medida é, talvez, ver a trilogia na sequência cronológica invertida, tal como apresentada aqui. Assim, provavelmente haja mais possibilidades de voltar aos filmes e ser feliz.
Minhas notas para a trilogia Oslo no Letterboxd:
A pior pessoa do mundo: 5 estrelas.
Oslo, 31 de agosto: 5 estrelas. Reprise: 3 estrelas.
Veja os trailers da trilogia Oslo:
Revisado por: Gabriel Batista