Aonde iremos? Nós acabaremos junto com o planeta Terra? Seremos extintos e a Terra seguirá adiante? Perguntas intrigantes para os seres humanos de vida finita. Algumas pessoas tentaram prever o fim do mundo. Isaac Newton, por exemplo, acreditava que o planeta acabaria em 2060, na concepção do físico, nosso tempo está acabando. Parece que estamos correndo, sem descansar, em direção ao fim, sem, de fato, saber o que há após a conclusão. Se procuramos sinais de fim dos tempos, os indícios estão em nossas notícias. Crise climática. Pandemias. Situação política instável. Crise de refugiados. Gaza. Crise e mais crise. Krenak escreveu um livro com ideias para adiarmos o término do nosso planeta. Por outro lado, a escritora Lígia Souto, está à espera do tão temível fim.
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Cada cultura antiga narra o fim da vida de forma distinta, como conhecemos. Talvez, as mais conhecidas pelo imaginário coletivo, sejam os livros escatológicos bíblicos, Daniel e Apocalipse. Lígia aproveita-se das narrativas cristãs para o poema de abertura do livro:
se aproxima de nós
a grande nuvem
do apocalipse.
deito na varanda
prendo a respiração
esperando ela passar
[por mim
sem me levar
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Finde mundo é o livro de estreia da Lígia Souto, lançado em 2024, pela Editora Patuá. Ela reuniu os poemas espalhados pela casa e os colocou em publicação. O livro é linear, tem começo, meio e fim, de janeiro a dezembro. Talvez a linearidade seja proposital. A Terra foi criada por um ser divino, a humanidade o estraga e pronto, rumo ao fim. Em relação à estética da autora, nas palavras do jornalista Léo de Sá Fernandes, que assina o prefácio, “ é despida de lirismo.”
talvez não seja o fim do mundo
mas certamente é mais
próximo dele que eu
já cheguei
A poeta está à espera do fim do planeta ou da nossa espécie? Estamos, de fato, destruindo a casa onde moramos, mas a Terra pode sobreviver sem nós. Talvez, na poesia de Lígia, há espaço para ambas interpretações. Sem conexão orgânica, o livro parece querer transformar em verso o próprio movimento da terra: um caminho de esvaziamento, versos emaranhados que rumam para seu fim. A intuição da autora, possivelmente, era versificar uma questão existencialista: será possível vivermos com a possibilidade de deixarmos de existir?
No prefácio do livro, o jornalista Léo de Sá Fernandes nos lembra do Realismo Capitalista, de Mark Fisher. Tudo está colapsando, especialmente o sistema econômico vigente. Temos de conviver com essa dualidade de apocalipse e o inevitável seguir em frente. Na verdade, apenas o capitalismo é o que nos resta, especialmente, quando nossas crenças e símbolos colapsam. Somos espectadores “cambaleando trôpegos entre ruínas e relíquias.” Enquanto isso, Lígia Souto tentará escrever respirando a fumaça do apocalipse sob sua enorme nuvem.
Quem é Lígia Souto?
Natural de São Paulo, Lígia Souto é atriz, dramaturga e roteirista. Começou a escrever ainda criança, criando livretos e histórias em quadrinhos que se perderam com o tempo. Por isso, passou a guardar todos os cadernos que produziu ao longo dos anos e aos 19 anos criou um blog “secreto”, que usava apenas para guardar seus textos, o que serviu de acervo para resgatar os poemas que hoje compõem o livro “finde mundo”.
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Em 2015, aos 23 anos, se formou em atuação e no mesmo ano ingressou no curso de dramaturgia da SP Escola de Teatro. Desde então, escreveu as peças Estrangeiro; Udumbara; Cinema Jenin (coautoria – peça vencedora do Concurso Anual de Dramaturgia DramaTEns 2018 em Portugal) e Sozinhos, vc sabe que eu te amo; além de ser co-criadora e editora de teatro em livro na editora efêmera, criada para publicar dramaturgias brasileiras contemporâneas; e foi roteirista da série de ficção Boto (2020, TV Cultura) e do reality show Drag Me As A Queen! Celebridades (3 e 4T, Canal E!).
No momento, está trabalhando em um novo original de poesia, centrado no universo onírico, e também uma nova dramaturgia, ainda sem previsão de lançamento.
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Bibliografia utilizada: FISHER, Mark. Realismo capitalista. São Paulo: Autonomia Literária, 2020
1 comentário
Bom texto!