“A Substância” é um grande reflexo desesperadamente destorcido de uma mulher que luta contra ela mesma. E não lutamos todas?
Há muito tempo um filme não me choca, me surpreende e causa tantas sensações ao mesmo tempo como este. E olha que estou acostumada com Almodóvar, Lanthimos, Gaspar Noé, Lars Von Trier, o menos pior deles Eduardo Casanova e muitos outros que não vem a memória. Então posso afirmar que não, não tenho estômago fraco. Coralie Fargeat chegou neste filme com pé na porta, sem melindres ou meias palavras. Quando o filme foi anunciado pela Mubi confesso que não achei que valeria o hype e que seria mais um daqueles filmes apelativos, caricatos, que querem fazer barulho, prometem muito e entregam: nhe.
E por ser uma pessoa que não assiste trailer, nem teaser, nada (desculpa aí galera que trabalha com isso) sempre vou crua para a experiência. Já nas primeiras cenas é notável a qualidade e para que ele veio. Desde os cenários muito bem elaborados e suas cores, figurinos ousados e personificados, seus planos e ângulos até própria história.
Vamos começar pela escolha do elenco que carrega a metalinguagem, Demi Moore é uma atriz que teve seu auge lá pelos anos 90, ela foi a musa de Hollywood, casada com o também astro Bruce Willis. Com toda certeza interpretar este papel não foi fácil, já a primeira crítica aparente é o etarismo muito latente no audiovisual. Cada take em que Demi se critica silenciosamente, se olha com asco e se vilipendia espelha uma situação tão real que transfere identificação.
Engraçado, pois no dia que assisti ao filme estava justamente conversando com uma amiga sobre como uma obra para ser prima precisa de verossimilhança. Além do papel de Demi Moore temos Margaret Qualey, rosto bem conhecido ao interpretar os filmes recentes de Lanthimos. Margaret e Demi, respectivamente, Elisabeth e Sue são as personagens principais da trama. Elisabeth é uma dançarina de -ginástica- (sabe Jane Fonda? Exato!) que apresenta um programa matinal e foi um grande sucesso até ser demitida devido a sua idade. Ou seja, descartada.Tudo que sabemos dela é muito raso, sua casa não tem móveis em excesso, mas, com certeza, ela não é minimalista, ela é extremamente vaidosa e narcísica, sozinha e sempre desacompanhada.
Afinal, quais são seus hobbies? Quem é Elizabeth sem a fama? Ela tem amigos? Foi casada? Tem traumas, frustrações, família, manias ou intenções? Não sabemos. Aqui começa o quê um tanto ficcção ciêntifica e uma crítica a la Black Mirror. Elisabeth recebe uma proposta tentadora de rejuvenescimento, ser ela mesma, só que melhor. Elisabeth hesita por um tempo, mas acaba aceitando e até aí pensamos: hm, ok. Acho que faria o mesmo. Afinal, vivemos nessa cultura social que não aceita envelhecer.
A partir desta decisão é só ladeira abaixo, e não, não revelar porque respeito meus leitores. beijo procês. Então continuem para assim prestar atenção aos detalhes que talvez passem batido na sua experiência. Elisabeth e Sue são uma só, com um porém, ela são diferentes. E aí temos outra crítica, o fato de querermos não sermos melhores (isso depende apenas de nós o que nos assusta) queremos ser outra pessoa.
Existem cenas bem fortes, bom, sendo sincera o filme inteiro é feito de cenas fortes. E nessas cenas temos muitos signos que ora óbvios ora com mais dedicação mostram o arco de cada personagem. Temos isso em super closes, grande angular, trilha sonora e principalmente nas cores. Sue é hipersexualizada e ama isso.
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O filme retrata a perfeição idealizada e o body horror na mesma medida. “A Substância” não conhece limites e excede no horror e desespero, ele intercala entre violência física e emocional. Quando você acredita que já aconteceu de tudo, vem mais! Este filme rompe barreiras de gênero e expande os horizontes permeando os limites de terror, trash e drama.
Eu sempre bato na tecla (talvez um pouco polêmica, afinal sou discípula de Eisenstein) que a montagem que conta a história de um filme e aqui isso fica mais claro. A montagem está fluida e dinâmica, organizada e justaposta, caótica e ritmada. A todo momento toda fama de Elisabeth é reduzida às mais ridículas situações.
Os ecos de cada ato – morder, engolir, cortar, costurar, injetar, arrancar – adquirem sua própria intensidade e sons amplificados. Mesmo quem optar por fechar os olhos diante das intensas cenas de gore ainda terá uma clara impressão do que se desenrola. Enfim, “A Substância” é um grande reflexo desesperadamente destorcido de uma mulher que luta contra ela mesma. E não lutamos todas?
Veja o trailer aqui:
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