Para falar de Greice, talvez seja melhor começar por uma frase proferida por Clea (Isabél Zuaa), artista que emprega os talentos da protagonista, que sintetiza muito bem a personagem: “Greice é amiga das circunstâncias; transforma a mentira em verdade e escreve de trás pra frente”. Mas talvez seja uma maneira excessivamente romântica de descrever a jovem, pois aqueles que são mais próximos dela podem fazer isso com uma só palavra: mentirosa.
Mas sem deixar de ser apaixonante. Um dos elementos cruciais da narrativa, roteirizada e dirigida por Leonardo Mouramateus, é reconhecer que sua heroína não é nada heróica, mas é tudo a serviço de uma boa história, ou para benefício próprio, claro, sem prejudicar ninguém, de início. Há uma certa sedução ao espectador, pois tudo começa com uma mentirinha de nada para conseguir acesso a uma piscina, seguida de outra para conseguir uma informação para um amigo, e quando damos conta, Greice (Amandhyra) mente para própria mãe sobre sua localização, e até mesmo seu nome para o recepcionista do hotel onde está.
Ao contrário do que pode parecer, Greice não se trata de uma história de amadurecimento, onde ao fim a protagonista irá perceber que precisa ser mais sincera consigo e com os outros. Longe disso, Greice permanece essa figura encantadoramente elusiva do início ao fim, e o filme incorpora o espírito da personagem, de meias verdades e invencionices, em sua estrutura, recheada de elipses que omitem eventos importantes da trama, que nem sempre nos são revelados mais à frente, assim como brincadeiras com a ordem dos acontecimentos. Se a protagonista “escreve de trás pra frente”, como coloca Clea, nada mais justo que, em algumas cenas, isso também ocorra, às vezes colidindo passado e presente no mesmo plano.
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De certa maneira, é ela que organiza a forma do filme, com a câmera mudando de acordo com seu temperamento ou decisão. Com um simples travelling lateral, por exemplo, que deixa um personagem para trás, já sabemos exatamente o que irá acontecer.
Tão fascinantes e complexos como Greice são os personagens secundários. Se a protagonista tem uma relação, digamos, elástica com a verdade, aqueles que a cercam não estão muito distantes. A superfície simples do filme vai se desfazendo conforme percebemos que quase todos possuem certa duplicidade, que têm vários teores. A de Enrique (Dipas), recepcionista do hotel que Greice se envolve, por exemplo é mais comum, pois ele também é Uber Moto e também dançarino de swingueira, já a de um amigo da personagem, é mais sombria: ele esconde sua sexualidade por conta do trabalho, e está até com casamento marcado com uma mulher, tudo para sustentar a ilusão. Parte do que torna a obra tão livre de julgamentos é esse reconhecimento de que todos nós trabalhamos com máscaras diferentes a todo momento.
Assim, Greice se expande olhando para dentro. É explorando o interior de cada um dos personagens que a história vai evoluindo, adquirindo os mais variados contornos, ao mesmo tempo que, ao final de tudo, pouco mudou, com Greice, de modo bem literal, voltando para onde estava no início da história. Contudo, somos a soma das histórias que vivemos e contamos, a jovem pode até continuar tão mentirosa e manipuladora quanto antes, mas sua vida, e daqueles que a cercaram, certamente está um pouco mais rica depois de tantas voltas.