Aos 82 anos, o lendário Hayao Miyazaki saiu da aposentadoria anunciada em 2013 para lançar o seu filme mais pessoal: “O menino e a garça”. A animação do Studio Ghibli traz elementos autobiográficos do diretor junto à atmosfera onírica, mágica e assustadora conhecida de seus filmes, como “Castelo animado” e “A viagem de Chihiro”. Ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, o filme é protagonizado por Mahito, um menino de doze anos que perde a mãe em um incêndio. Essa perda é que vai guiar a jornada do nosso jovem herói.
Um ano depois, Mahito se muda de Tóquio para o interior com o pai, que trabalha em uma fábrica que produz aviões para a guerra. É nesse momento que descobrimos que o pai se casou com Natsuko, a irmã mais nova da mãe de Mahito. Ela se parece fisicamente com a irmã morta – o que deixa o garoto transtornado – e está grávida – o que o deixa ainda mais irritado.
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Ele passa a viver, então, na propriedade em que sua mãe cresceu junto à família: uma mansão habitada por criadas idosas e viciadas em tabaco, com uma torre misteriosa, e uma garça-real que o persegue. Incomodado, ele resolve em vão acabar com a ave, que questiona o garoto sobre a morte da mãe. “Você viu o corpo dela?”, pergunta, colocando dúvidas na sua cabeça.
A partir daí, o filme ganha ares de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll (uma referência que perpassa grande parte da obra de Miyazaki), com Mahito adentrando um mundo estranho em busca de Natsuko, que desapareceu. Esse universo é habitado por pelicanos comedores de seres fofinhos (os wara wara), papagaios gigantes que se alimentam de carne humana, uma mulher navegante e uma garota que domina o fogo, assim como seu criador, um homem mais velho que tem ligações com a família de Mahito. A garça deveria ser a guia de Mahito, mas tenta a todo custo fugir dessa missão.
A partir daí, o roteiro vai se tornando cada vez mais labiríntico. O conselho é: não tente entender, apenas aproveite a viagem junto com Mahito, que precisa aprender a lidar com a morte da mãe para poder aceitar a criação de uma nova família. É só a partir da destruição de um mundo que se abre espaço para o novo poder surgir.
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A narrativa também é inspirada no livro “How Do You Live?”, de Genzaburō Yoshimo, de 1937 – aliás, o filme em japonês possui o mesmo título da obra literária, que mostra como a perda do pai do jovem Copper (alusão ao cientista Nicolau Copérnico) trouxe mudanças drásticas em sua vida. Em meio a episódios da história do protagonista, são apresentadas cartas escritas por seu tio com conselhos sobre como viver da melhor forma. Uma curiosidade: “How Do You Live?” é o livro que Mahito encontra em meio às coisas da mãe, com uma dedicatória escrita para ele.
“O menino e a garça” ganhou o Globo de Ouro de melhor animação, sendo o primeiro prêmio concedido ao Japão nessa categoria. O filme também está indicado ao Oscar de melhor animação – prêmio que Miyazaki já havia vencido com “A viagem de Chihiro” (2001) – e deve ganhar novamente este ano, coroando a trajetória de um dos maiores nomes da história da animação mundial.