No romance Fome (2016, ed. Escribas), o escritor potiguar Márcio Benjamin inova a literatura nacional trazendo um apocalipse zumbi para o meio do sertão nordestino. Em uma história repleta de referências a cenas clássicas de personagens cercados por zumbis, como The Walking Dead, A noite dos mortos vivos e Madrugada dos Mortos, a narrativa acompanha a trajetória de Fátima, que, após perder a mãe de uma forma brutal, conta com a companhia de um casal de amigos e do delegado da cidade para sobreviverem às ameaças das criaturas mortas-vivas.
A linguagem leve e em certos casos bastante coloquial, representando de forma natural o ritmo da fala, o belo sotaque quase musical dos habitantes da região, torna a leitura incrivelmente fluida, desenvolvendo personagens vívidos, fortes e pelos quais o leitor torce pela sobrevivência no decorrer dos capítulos. O autor consegue intercalar cenas sangrentas, com descrições macabras que são verdadeiros atrativos para todo bom fã de horror, com diálogos leves e por vezes até engraçados, o que torna as cenas naturais, construindo assim um contraste marcante entre o sobrenatural do horror e a rotina simples do povo.
Além disso, o livro trata de questões ainda mais assustadoras e mais tristes do que a chegada dos zumbis, devido a se passarem na triste realidade do nosso país: com a história se passando no sertão, a fome dos zumbis é muitas vezes comparada à fome do povo nordestino que sofre com a seca, o que faz com que a obra realize uma crítica social que se utiliza do horror de forma muito inteligente. No trecho em que descreve o início da transformação de um personagem em zumbi, o autor diz: “Agora entendia o que acontecia. Entendia por que tanta gente morria, roubava. Entendia por que tanta matava. Queria mais, precisava de mais. Um pouco que fosse. Aquilo não podia, podia era nunca.” (BENJAMIN, 2016, p. 75). Em outro ponto da narrativa, ao descrever o que guiava os mortos-vivos, o autor afirma: “Aquilo era só fome, e fome de bonita não tem nada” (p. 108). Uma das descrições dos zumbis inclusive lembra muito o parecem pessoas que vivem a passar fome, cuja única vontade na vida se torna poder matar a fome, na qual lemos as criaturas descritas como tendo “olhos sem brilho, vivendo, bem dizer, só pra matar a fome, e nada mais” (p. 102).
Enfim, esta é uma obra marcante, com tudo para se tornar um novo clássico da literatura nacional, pois Benjamin traz críticas sociais fortes, que nos lembram as temáticas de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, entre outras obras canônicas da literatura nacional, mas contado essa história de uma forma leve e divertida, se utilizando da temática do horror, trazendo diversos elementos clássicos da literatura e do cinema com zumbis, tudo isso sem perder a seriedade das questões que aborda.
Márcio Benjamin também é dramaturgo e autor dos livros de contos “Agouro” (2019), e “Maldito Sertão” (2012), o qual foi adaptado para quadrinhos.
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