Antenado com o espírito de nosso tempo, o autor – que vendeu mais de 3000 exemplares de sua primeira obra – mantém-se presente nas urgências da vida cotidiana
Poderia ser apenas mais uma temporada numa penitenciária da capital paulista. Poderia ser apenas mais um filho de Maria dormindo entre cotovelos, ratos e fedentina. Estirado no concreto imundo, perturbado pela violência onipresente. Mais um preso que é “salvo” pelo companheiro crente, mas é pior: os efeitos do pandêmico vírus Covid-19 não tem quem suporte no inferno das prisões brasileiras.
Em sua nova obra ficcional, o escritor Wesley Barbosa conta a história de Joaquim, um homem que está preso há dez anos por cometer crimes como assaltos e homicídios. O protagonista aprende na prisão a ler e escrever, descobre por si sua própria voz, que se transforma em cartas e diários, e toma contato com autores como Dostoievski e Victor Hugo.
Da realidade à metáfora, o salto de Joaquim é grande, e a redenção de seu universo interno reelaborado traz a emanação da esperança.
Esta esperança não condiz com o teor do livro, mas com sua profunda sensibilidade literária. Enviado por correios e divulgado nas mídias sociais, “Parágrafos Fúnebres” é esperança para levar no bolso, pois foi em formato de que a Editora Ficções e o autor optaram por lançar a publicação, também disponível em formato digital.
O livro mostra a chegada da misteriosa pandemia enquanto os prisioneiros enfrentam violações como falta de acesso a higiene e sadismo psicoideológico. O prefácio é do dramaturgo Mário Bortolotto.
O exemplar já chegou às mãos de gente fina e firme como Criolo e Matheus Nachtergaele. A campanha virtual é uma história à parte, com depoimentos de diversos leitores profundamente movidos pela leitura e memes com alusões a Cartola, Raul Seixas, Sartre e autores russos Wesley está em seu segundo livro, mas não inexperiente na profissão. Embora desta vez a empreitada seja virtual, seu primeiro livro — prefaciado e editado por Ferrez, fundador da Selo Povo Editora — vendeu a quantidade necessária para que o autor pudesse escrever e publicar outros livros. A maior parte de livros foram vendidos a partir do contato olho no olho em saraus, no centro de São Paulo e na festa literária de Paraty.
É uma pena que agora não seja mais possível mirar nos olhos, apertar as mãos e, com um sorriso de satisfação, molhar os beiços com um gole de cerveja, festejar o dia, a noite, a sola gasta em aglomerações e intimidades espontâneas. A obra foi editada pelo escritor Alonso Alvarez, pioneiro em ter uma livraria aberta durante a madrugada de São Paulo.
O livro vendeu mais de 100 exemplares na pré-venda e fala justamente a respeito das prisões e opressões a que somos submetidos – todos nós – nas trapaças do atual e autoritário cotidiano. Barbosa reforça que optou por realizar o livro no formato de bolso para as pessoas refletirem acerca dos impactos da Covid-19 quando estiverem no transporte público, a caminho de casa ou do trabalho. “É também um livreto de guerra contra o governo e os poderes instaurados”, diz o autor.