Em nova edição, romance de George Orwell foi renomeado para ‘A Fazenda dos Animais’, seguindo o título original do inglês
Desde que George Orwell, pseudônimo do escritor Eric Arthur Blair, escreveu a sua obra que, em inglês, recebeu o nome “Animal Farm: A fairy Story” que o livro vem causando um grande rebuliço. Escrita em 1943, mas só publicada em 1945, a obra só chegou no Brasil em tradução depois de vinte anos, exatamente em 1964, ano em que se consolida o golpe militar no Brasil.
Com uma ditadura concretizada, o livro recebeu o título A Revolução dos Bichos: um Conto de Fadas, com tradução de um tenente chamado Heitor Aquino Ferreira, que era na época secretário do general Golbery do Couto e Silva. Assim, a obra acaba por ganhar toques de “anticomunismo”, fato que se espalhou levando a obra a ser identificada como uma grande crítica aos regimes comunistas do século XX. É evidente que Orwell denunciava isso também, mas não só. O problema, para o autor, estava muito mais fundo.
Acontece que o termo “revolução” trazia consigo um grande impacto para o público médio da época, afinal, era esta a narrativa implantada pelo governo para referendar o golpe, deixando de lado algumas traduções mais literais ou óbvias para o clássico de Orwell como “Fazenda dos Animais”, “Granja dos Bichos”, “Sítio dos Bichos” etc.
Eis que, em 2020, novas propostas de retradução da obra surgiram. É o que acontece nas novas versões do clássico inglês em língua portuguesa, após a mais nova publicação do livro pela Companhia das Letras em tradução de Paulo Henriques Britto que recebeu o nome de A Fazenda dos Animais. Tem chamado a atenção o novo título da obra em português: “A Fazenda dos Animais”.
![Porco em cima de uma mesa redonda, com fundo vermelho e rosa](https://f.i.uol.com.br/fotografia/2020/12/18/16083081935fdcd5e1c6f9d_1608308193_1x1_md.jpg)
Segundo informações de matéria da Folha, assinada por Dirce Waltrick do Amarante, tradutora e professora da UFSC, houve um encontro promovido pela editora com o tradutor em que ele foi questionado sobre o título em que teria afirmado que foi uma escolha editorial. O tradutor contou que primeiramente pensou em manter “A Revolução dos Bichos”, mas acabou aceitando a sugestão da editora, depois de ler o posfácio de Marcelo Pen para esse volume. Deu-se conta de que o novo título, além de tirar o “ranço” da época dos militares, faz menção direta ao espaço da ação.
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Como afirma o posfácio de Marcelo Pen, o título em inglês “Animal Farm” apresenta uma fazenda bastante diferente de como a entendemos no Brasil, ou seja, como uma grande propriedade com vários trabalhadores e muitos animais, ou uma grande plantação. Na obra de Orwell, o que se vê é o contrário. No caso do livro, a propriedade descrita conta com pouquíssimos trabalhadores e parece bastante precária. Vale lembrar que “farm” pode ser traduzido também por sítio, quinta, campo, propriedade etc.
Assim, o que se denuncia na obra é justamente a exploração do trabalho dos animais por um regime quase escravocrata, oligárquico, familiar, o modelo clássico do começo do século de regimes mercantis, de exploração de mão de obra visando altos lucros. No caso, a tomada do poder pelos animais pode ser visto como um levante dos trabalhadores organizados em greve, a seguir, a sua burocratização.
No fundo, a obra apresenta uma crítica a todo processo de produção do século XX, desde a crença no desenvolvimento capitalista, até o atraso das organizações oligárquicas, até a burocratização dos ideais como no modelo socialista.
E no caso da palavra “revolução” usada no título da tradução de Ferreira?
Pen afirma no posfácio não haver “revolução/revolution” no livro. A palavra usada reiteradas vezes, de fato, é “rebelião”, no entanto, “rebellion” também pode ser vertido para “revolução”, ainda que não seja a primeira opção tradutória. No exemplo acima, Ferreira usou “rebelião” e, logo em seguida, “revolução”. Desse modo, acabou endossando a escolha de “revolução” no título do livro. Assim, retirar o termo revolução, pelo menos no contexto em que foi usado durante a ditadura é desfazer o ranço que a obra ganhou com o período, o que não impede que, após desfeito o “ranço”, não se possa voltar a chamar a obra com este mesmo nome, não acham?
De qualquer forma, trazer uma nova tradução traz consigo uma nova obra, novas questões para novos tempos, não? E assim que a gente gosta dos livros: renovando o mundo, promovendo verdadeiras transformações que torne a vida de cada um de nós melhor.