As interações entre literatura, cinema e artes plásticas são muitas vezes inevitáveis, considerando o quanto que uma mídia influencia e é influenciada pelas outras. Assim acontece no trabalho da talentosa artista Danie Ferreira (natural de Araraquara, SP), cujo estilo sombrio, o contraste de preto e vermelho, e os temas ligados ao terror são aspectos marcantes de sua obra, a qual é realizada por meio da técnica da pena com nanquim. A artista já participou de duas exposições em São Paulo, a primeira delas sendo uma exposição solo, No casarão Artistico e Cultural No Arouche” chamada Cinema em Black Work. As obras de Danie podem ser adquiridas como originais ou prints, assim como em formato marca-páginas, através das contas de Instagram @creepycuteart e @danliverance pelas quais a artista aceita encomendas.
Danie desenha desde os 13 anos. De acordo com ela, o interesse pela arte surgiu como pura diversão. Nunca havia passado por sua cabeça que a arte faria parte de sua vida com tamanha grandiosidade. A artista conta como isso mudou nos últimos tempos: devido ao seu constante interesse por literatura e cinema de terror, sempre buscou mais contato com exposições, museus, teatro e fotografia; assim, entrou de cabeça no mundo das artes, o que a levou a conhecer em mais detalhes técnicas artísticas, e, dentre estas, encontrou seu estilo próprio com a pena e com o nanquim. De acordo com a artista, este é o diferencial de seu trabalho: todas as suas artes são feitas com o que chamamos de bico de pena ou pena e nanquim. A artista explica um pouco sobre como funciona essa técnica e como isso afeta a sua identidade artística:
“O nanquim é uma tinta que possui um poder de adesão muito forte, permanente, difícil de ser retirada após sua aplicação. A tinta, além de penetrar consideravelmente na fibra do papel, possui grande resistência a luz e ao clima fazendo com que a arte tenha durabilidade e sobreviva ao longo dos anos. Desenhar com pena e tinta tem todo um diferencial porque envolve muita técnica. É necessário ter muita atenção e a mão firme. Também tem o processo de secagem, a espera para continuar a arte caso tenha um fundo ou esperar secar uma cor para usar outra. Há diferentes tamanhos e espessuras dos bicos das penas. Com a pena, o traço fica mais fluido e a variação de pressão com que eu desenho resulta em linhas de varias espessuras, o que chamamos de rachuras. Faz mais ou menos uns 6 anos que eu comecei a me interessar pela pena e pelo nanquim. E foi através do uso desses materiais que encontrei minha identidade artística. Eu faço qualquer tipo de arte porque a arte é ilimitada e nenhum artista deve ser limitado. Estamos sempre num processo eterno de construção e aprendizagem. Mas foi com a pena que eu me encontrei e encontrei meu estilo e identidade artística.” – Danie Ferreira.
Confira abaixo a nossa entrevista com Danie Ferreira, na qual conhecemos mais sobre sua história, suas influências, e também dicas que ela traz para quem tem interesse em trabalhar com desenho e com a técnica da pena em nanquim.
Entrevista:
- Como você começou a desenhar?
Comecei a desenhar na escola, nas aulas que considerava “chatas”. Eram apenas rabiscos, não sabia que eu tinha algum tipo de potencial e não levava a sério, era muito nova e era apenas passatempo. Sempre fui muito introspectiva, sempre tive poucos amigos, e gosto do “diferente” desde muito nova. Sempre gostei de me vestir diferente, sempre me interessei pelas subculturas, por vários estilos musicais, como Death Metal e Doom Metal, Pós Punk anos 80, isso na época dos meus 13 anos. Muitas coisas mudaram, menos o meu visual, meu gosto musical evoluiu e a Arte que era um rabisco na escola foi tomando cada vez mais espaço na minha vida. Os “rabiscos” foram ganhando formas mais exatas, estilo e eu fui cada vez mais me apaixonando pela Arte como um todo e por vários estilos artísticos e artistas que desde sempre, foram e são inspiração para mim, minha arte e minha vida.
- Quais artistas te inspiram? Como vem a sua inspiração?
Muitos artistas famosos e amadores assim como eu, influenciam o meu trabalho, Van Gogh, Leonardo Da Vinci, Renoir, Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Monet, Jean Baptiste CamilleCorot, Michelangelo, Alfonse Mucha, Man Ray, Botticelli, Jules Victor Génisson, Berthe Morisot, Artemisia Gentileschi, Cornelia van der Mijn, Frida Khalo, Salvador Dali e tantos outros.
- O seu trabalho retrata muitos temas relacionados a obras de terror, tanto do cinema, quanto da literatura. Conte um pouco sobre como começou essa inspiração.
Eu sempre amei ler, sempre gostei de filmes de terror, slashers, de cinema. Vi meu primeiro filme de terror aos 8 anos de idade escondida dos meus avós, foi Evil Dead e li meu primeiro livro de terror também aos 8 anos O Iluminado. Obviamente que não entendi nada, mas lembro de ter me encantado com a escrita de Stephen King, depois disso li várias tantas outras vezes, e isso tudo foi um primeiro contato. Com o tempo, a literatura foi fazendo cada vez mais parte da minha vida, eu gostava e gosto mais da companhia dos livros do que de pessoas, então leio muito desde sempre. E tive sorte de nas escolas em que eu estudei ter obras de Edgar Allan Poe, Florbela Espanca, Alvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Daniel Defoe, Stephen King, Bram Stoker, Thomas Harris entre outros.
- Quais são os seus autores favoritos?
Stephen King, Edgar Allan Poe, HP Lovecraft, Baudelaire, Mary Shelley, Anne Rice, Tolstoi, Virginia Woolf, Dostoiévski, Shakespeare, Tolkien, Thomas Harris, George Martin, Florbela Espanca, Goethe, Larissa Prado, Chuck Palahniuk, Charles Dickens, Jane Austen, entre outros.
- E os seus filmes e/ou diretores favoritos?
Tim Burton, Scorsese, Tarantino, John Carpenter, Hitchcock, George A Romero, David Lynch, Clive Barker, Wes Craven, James Wan, TobeHooper, William Friedkin ,Dario Argento, Jordan Peele, Roman Polanski, Mario Bava, Ridley Scott, Brian de Palma, David Cronenberg, Coppola, Federico Alvares, Dom Mancini, Stanley Kubrick, Sean S, Cunninghan entre muitos outros.
- Você também se inspira em música? Se sim, quais artistas/bandas mais te inspiram? Costuma ouvir música enquanto trabalha?
Sim, só consigo desenhar ouvindo música, rs. Eu gosto de muita coisa. Gosto muito de Metal, Death, Doom, algumas das tantas bandas favoritas que tenho são: Opeth, Amorphis, Katatonia, Amorphis, Paradaise Lost, Virgin Black, Swallowthe Sun, Les Discrets, Novembers Doom, Enslaved, At the Gates, Death, Carcass, Cannibal Corpse, Alcest, se eu citar todas vou ficar aqui até amanhã rs. Gosto de Pós Punk anos 80, The Cure, Smiths, Tears for Fears, New Order, Bauhaus, Siouxsie, entre outros. É até um pecado deixar de citar alguma banda, mas são tantas, é difícil parar para pensar em tantas tão rápido. Gosto muito de musica clássica também, Beethoven, Chopin, Bach, Vivald. Rock and Roll, eu tenho um gosto musical muito amplo. Para você ter ideia, tem dias que eu acordo ouvindo Sinatra e vou dormir ouvindo Johnny Cash.
- Você tem algum ritual para começar a trabalhar?
Sim, acho que todo artista tem uma espécie de ritual. Eu acordo muito cedo, então, antes de iniciar os trabalhos, eu gosto de ver algum episódio de alguma série que esteja acompanhando, às vezes isso também é lição de casa, porque muitas das encomendas que tenho recebido nos últimos tempos têm sido baseadas em personagens de séries e tal. Eu tenho que arrumar toda a mesa, colocar cada coisa em seu devido lugar, dar um play em alguma música para ambientalizar o lugar, limpar as penas e os pincéis, e aí começo a trabalhar. A inspiração vem até de um estado de espírito. Para muitos a alegria, para mim são tantos outros, não necessariamente a tristeza, até porque não vejo a tristeza como um sentimento negativo, mas essa coisa do silêncio, da introspecção, um momento de contemplação, ou até mesmo um estado que a música pode causar na hora, a cena de um filme ou a escrita de algum autor literário. Tudo isso é importante para que eu crie a minha arte.
- Você define a sua arte como pertencente a alguma escola artística específica?
Eu acho que a minha arte é influenciada por muitas escolas, tanto que você pode ver a quantidade de artistas que eu citei e cada um tem um estilo. O Blackwork define meu estilo, porém uso outras técnicas, pontilhismo, rachura, realismo então não, eu não tenho uma escola especifica, mas tenho um estilo definido.
- Por que a escolha da pena em nanquim?
Eu sempre achei a pena algo muito póetico, sempre gostei muito de escrever, então quis ter uma pena um dia para ver como funcionava e sabia que o uso correto da tinta era o nanquim, aí eu fui tentar fazer um desenho com esse material e me apaixonei. Achei que o nanquim ficava incrível na folha desde o tom escuro da tinta e mais pigmentado até o traço único que formava com a pena. Hoje em dia, a pena é como se já fosse parte da minha mão. Tipo Edward e suas tesouras.
- Há outras técnicas que você utilize ou já tenha utilizado, além da pena em nanquim?
Sim, eu desenho com Aquarela, com tinta acrílica, tinta a óleo, grafite, carvão, giz pastel seco e oleoso, uso uma infinidades de outros materiais para obter outras técnicas. Como eu disse, um artista não pode ser limitado. A Arte é muito ampla, é possível aprender e se interessar por tudo um pouco, e nunca vamos nos achar bons suficientes dentro de nenhum estilo por melhor que seja a execução da arte.
- Sobre a palheta de cores, é notável que você utiliza bastante preto e vermelho nas suas obras: há um motivo para essa escolha?
Eu gosto muito de vermelho e preto, e essas são as minhas cores da vida. Engraçado que muitas pessoas achavam que era mais algo criado para diferenciar a minha arte, mas é a mais pura expressão de mim mesma. Eu sempre gostei muito da cor preta, ela é muito expressiva em muitos seguimentos, como na fotografia por exemplo. Meu avô era fotografo e usava câmeras analógicas, e eu era apaixonada por aquelas fotografias em PeB. Gostava de como tudo parecia cinza, achava poético. Como eu desenho muitos personagens de filmes de terror e personagens literários, muitas dessas obras têm muito “sangue”, e então eu precisava expressar isso com o vermelho. Essas também são as minhas cores, não só referente a identidade visual da minha arte, mas as cores da minha vida, meu cabelo, objetos e etc.
- Você teria alguma recomendação para quem deseja começar a desenhar? E, mais especificamente, para quem tem interesse em aprender a técnica de pena em nanquim?
Eu gosto de muitas escolas, e acredito que no início é muitíssimo importante que as pessoas que começam a caminhar pela estrada da arte se identifiquem com alguma escola em específico, ou que se identifique com obras de alguns artistas. É difícil começar a desenhar sem uma referência ou várias.
Às vezes, isso é até uma busca para que em meio aos processos, possamos entender qual é o nosso estilo. Eu acabei desenvolvendo o meu e me encontrando especialmente no blackwork. Aí comecei a usar o vermelho como marca da minha arte.
Sobre a pena e o nanquim, essa é uma técnica difícil, exige estudo, mãos firmes, persistência e, acima de tudo, paciência, pois a tinta tem todo um processo, os traços são feitos com tamanhos e espessuras de pontas variadas. É legal para quem tem interesse em aprender ou em seguir com a pena e o nanquim que estude muito, faça muitas sketches, muitas tentativas com traços, e não tenha pressa para desenvolver por exemplo técnicas como o pontilhismo e a rachura. O melhor jeito é treinar, e treinar.
- E sobre o seu trabalho, quais os planos para o futuro? Há algum projeto em mente?
A Arte não é o meu trabalho real e oficial, eu tenho dois diplomas de cursos totalmente diferentes, rs. Mas eu quero no futuro trabalhar com Arte Terapia com crianças com necessidades especiais, especialmente Autistas. A arte se tornou um trabalho secundário, porém não menos importante. Em breve terei algumas novidades com relação a parcerias e nova exposição.