No mar de internet, é muito comum encontrar cartas falsas de editoras a escritores hoje famosos. E com a dificuldade de traçar a origem das coisas no mundo digital, em que a opinião pública é a fonte autorizada, as fofocas literárias são extremamente dúbias. Apesar disso, o site LitHub selecionou cartas de rejeição realmente passíveis de serem comprovadas. De apontamentos mais cuidadosos a colocações inegavelmente irônicas, seguem abaixo os textos que só sabem inspirar compaixão.
De Howard Moss, do The New Yorker, para Sylvia Plath:
7 de novembro de 1962
Prezada srta. Plath,
Sinto muito que decidimos não publicar esses poemas. Nós gostamos bastante da segunda seção de AMNESIAC, mas não conseguimos ver muita relação entre ela e a primeira. Talvez estejamos um pouco lentos. Mas você poderia pensar na possibilidade de publicar somente a segunda seção sob esse título? Se você se interessa em submetê-la novamente dessa forma, nós adoraríamos considerá-la novamente.
Obrigada por nos enviar esses poemas, e esperamos conhecer outros.
Sinceramente,
Howard Moss
De um editor desconhecido para Robert Galbraith (pseudônimo de J.K. Rowling), sobre O chamado do cuco:
Prezado Robert Galbraith,
Muito obrigada por nos dar a oportunidade de considerar interesse pelo seu texto. Entretanto, eu sinto em dizer que nós relutantemente chegamos à conclusão de que não poderemos publicá-lo com sucesso comercial.
Correndo o risco de lhe ensinar o que já sabe, me permita sugerir o seguinte:
Cheque numa livraria atenciosa, na Amazon ou no “Buyer’s Guide” da revista Bookseller (você pode encomendar por agentes ou em livrarias) precisamente quem são os editores que, nesse momento, estão publicando ficção na sua categoria/gênero.
Ligue para os editores para obter o nome do editor relevante; raramente é produtivo falar com ele/ela em pessoa. Hoje em dia é perfeitamente aceitável abordar os inúmeros editores de uma vez só e mesmo vários grupos editoriais (as editoras costumam ter diferentes grupos para diferentes categorias).
Então envie para cada editor uma atraente sinopse de 200 palavras (como as de contracapa; não dê o final do livro!), o primeiro capítulo e talvez mais dois. A primeira carta deve categorizar mais precisamente o possível o gênero da ficção que você está submetendo — cite autores famosos desse gênero, especialmente aqueles publicados especialmente pela casa editoral que você está contatando. Novamente lembro: uma livraria atenciosa pode te ajudar nisso.
Muita informação importante pode ser encontrada no The Writer’s Handbook e no The Writers’ and Artists’ Yearbook, mas lembre-se de que detalhes da política de publicação de uma editora podem estar fora de data, e adquirir um agente de publicação é ainda mais difícil do que encontrar um editor! Com toda a pressão para as submissões que temos no momento, eu sinto que não podemos te responder individualmente ou oferecer um crítica construtiva. (Um grupo de escritores ou um curso de escrita pode te ajudar com isso). Desejo todo o sucesso em você publicando o seu trabalho em outro lugar.
Judith Jones, editora da Knopf, sobre a coletânea de contos de estreia de Alice Munro (vencedora do Nobel 2013), Dance of the Happy Shades:
1969
Eu gosto bastante dessas histórias. Elas são repletas de momentos agonizantes de crescimento, de inseguranças de meninas e de anseios, de vida cotidiana e de esforço no meio de uma depressão que sempre parece sempre mais deprimente no Canadá. E ainda elas ainda não são exatamente sombrias porque a Srta. Munro escreve bem e agarra o brilho de vida das suas personagens. Contudo, como uma coletânea eu penso que não tem exatamente nada novo e entusiasmante aqui e pode ser facilmente relevada, senão publicada e logo esquecida. E Alice Munro não é tão jovem. Eu suspeito também que o seu forte é a história; ela não tem um alcance de uma romancista. Junto a essas pequenas coisas, tem o fato de que temos Margaret Laurence e de que vamos publicar um livro de histórias dela que refletem o mesmo período e pano de fundo. Então talvez outra pessoa deva fazer isso; é isso que eu espero, porque gostaria de vê-lo publicado.
Essa carta não foi enviada diretamente a Munro, mas para outro funcionário da editora.
De T.S. Eliot, então diretor editorial da Faber & Faber, para George Orwell, ao receber uma cópia de A revolução dos bichos:
13 de julho de 1944
Prezado Orwell,
Eu sei que você gostaria de uma rápida decisão sobre A revolução dos bichos: mas é preciso ter no mínimo a opinião de dois editores, e isso não pode ser feito em menos de uma semana. Mas dada a importância da rapidez, eu pedirei para que o presidente do conselho também dê uma olhada no manuscrito. Entretanto, o outro diretor está de acordo comigo nos pontos principais. Nós concordamos que é uma escrita distinta: a fábula é desenvolvida de forma muito habilidosa, e que a narrativa mantém o interesse de alguém no seu próprio plano — e isso é algo que poucos autores conseguiram alcançar desde Gulliver.
Por outro lado, nós não temos convicção (e eu tenho certeza que nenhum dos outros diretores a têm) que esse seja o ponto de vista certo a partir do qual criticar a situação política no tempo presente. Isso é certamente o dever de qualquer firma editorial que procura outros interesses e motivos além do mero sucesso comercial, de publicar livros que vão contra os interesses da corrente atual: mas em cada instância isso demanda que ao menos um membro da casa deva ter a convicção que essa é a coisa que deve ser dita no momento. Não vejo nenhum motivo de prudência ou cautela para impedir que alguém publique este livro – se acreditar no que ele significa.
Agora penso que minha própria insatisfação com esse apólogo é que o efeito é simplesmente o da negação. Deve-se estimular alguma simpatia pelo que o autor deseja, bem como simpatizar com suas objeções a algo: e o ponto de vista positivo, que considero geralmente trotskista, não é convincente. Acho que você dividiu seu voto, sem obter uma adesão mais forte compensadora de qualquer das partes – ou seja, aqueles que criticam as tendências russas do ponto de vista de um comunismo mais puro e aqueles que, de um ponto de vista muito diferente, estão alarmados com o futuro das pequenas nações. E, afinal, seus porcos são muito mais inteligentes que os outros animais e, portanto, os mais qualificados para administrar a fazenda – na verdade, não poderia haver uma Revolução dos bichos sem eles: de modo que o que era necessário (alguém pode argumentar), não era mais comunismo, mas mais porcos de espírito público.
Eu sinto muito, porque, naturalmente, quem publicar isso terá a oportunidade de publicar seu futuro trabalho: e eu tenho apreço pelo seu trabalho, porque é uma boa literatura de integridade fundamental.
Srta. Sheldon lhe mandará o manuscrito sob uma outra capa.
Atenciosamente,
T. S. Eliot
Do The Saturday Evening Post para Jack London:
Nós achamos “Sunlanders” uma história de interesse excepcional, e nós gostaríamos de dar espaço nas nossas colunas, não fosse a política de excluir o trágico da nossa revista. Nós agradecemos cordialmente por nos dar a oportunidade de examinar esse manuscrito, e esperamos termos em mãos futuramente contos de uma natureza mais alegre.
De Donald A. Wollheim, da Ace Books, para Stephen King, ao receber uma cópia de Carrie:
Nós não estamos interessados em ficção científica que aborda utopias negativas. Elas não vendem.
De Maxime du Camp para Gustave Flaubert depois de mostrar uma cópia de Madame Bovary:
Laurent-Pichat leu seu romance e eu reafirmo suas observações sobre ele. Como você vai perceber ao lê-las, eu concordo completamente com elas, uma vez que são quase os mesmos apontamentos que fiz antes de você deixar Paris. Eu mandei o livro a Laurent sem nenhum comentário a não ser uma calorosa recomendação —não é por conluio que pensamos tão parecidos. O conselho que ele lhe dá é bom – o único conselho que você deve seguir. Vamos nos encarregar totalmente da publicação de seu romance na revista; faremos os cortes que consideramos indispensáveis; e, mais tarde, você pode supervisionar a publicação do livro, restaurando tudo o que escolher. Minha opinião pessoal é que, se você não fizer isso, estará comprometendo sua carreira inteira e fazendo sua primeira aparição com um trabalho confuso e atrapalhado e ao qual o estilo por si só não dá interesse suficiente. Seja corajoso, feche os olhos durante o processo e tenha confiança – se não em nosso talento, pelo menos na experiência que adquirimos em tais coisas e também em nosso carinho por você. Você enterrou seu romance debaixo de um monte de detalhes que são bem feitos, mas totalmente supérfluos; eles escondem o essencial e devem ser removidos – uma tarefa fácil. Devemos fazê-lo sob nossa supervisão por alguém experiente e inteligente; nenhuma palavra será adicionada ao seu manuscrito, será apenas cortada; o trabalho custará cerca de cem francos, que serão deduzidos do seu cheque e você publicará algo realmente bom, em vez de algo imperfeito e acolchoado. Você está sem dúvida me amaldiçoando com toda a sua força neste exato momento, mas pode ter certeza de que em tudo isso tenho apenas seu próprio interesse no coração.
Isso não é exatamente uma rejeição – é um pedido de edição -, mas enfureceu Flaubert, que, de acordo com Flaubert e Madame Bovary: Um retrato duplo, de Francis Steegmuller, rabiscou “Gigantesque!” No verso da carta e enviou “outra imediatamente para Max, dizendo que, se o Revue não quisesse Madame Bovary como estava escrito, estava livre para não aceitá-lo de jeito nenhum”. Os editores finalmente concordaram, embora exigissem que uma única passagem fosse omitida – essa que sem dúvida foi reinserida por Flaubert quando sua obra-prima foi publicada em forma de livro.
Do editor Marc Humblot para Marcel Proust, 1912, ao receber uma cópia de No caminho de Swann:
Meu caro amigo, talvez eu esteja morto do pescoço para cima, mas creio que não entendo por que um sujeito precisa de trinta páginas para descrever como ele se vira na cama. Eu travei minha cabeça.
O texto acima é o famoso e muitas vezes repetido, de um tradutor desconhecido. Não é possível encontrar a carta inteira. No entanto, em The Quest for Proust, André Maurois relatou a resposta do autor:
Acho a carta de Monsieur Humblot completamente idiota. O que tentei fazer é criar sobre o meu primeiro capítulo (e suponho que seja o primeiro capítulo que ele quis dizer, porque, francamente, falho inteiramente em me reconhecer no que ele escreve), uma atmosfera de semi-vigília, a ponto que não surge até mais tarde, mas que elaborei até onde permitem meus dons muito medíocres de penetração. O significado, como deve ser óbvio, não é que eu queira descrever como eu torço e me viro na cama – o que eu certamente poderia fazer em muito menos páginas – mas que a torção e o giro me fornecem um meio de análise. Fasquelle, eu sei, não concorda com ele, porque, na carta [de sua rejeição anterior] – cuja destruição nunca deixarei de me arrepender – ele disse: “Que pena que você não tenha feito um volume inteiro disso. um capítulo que você dedica a descrever uma infância doentia e que é infinitamente curiosa e notável!”. A parte, é claro, que contém as indecências se move, eu sei, muito mais rapidamente, mas sem dúvida o Sr. Humblot nunca chegou tão longe quanto isso.
Do editor Arthur C. Fifield para Gertrude Stein, ao ler uma cópia de The Making of Americans:
19 de abril de 1912
Querida Madame,
Eu sou apenas um, apenas um, apenas um. Apenas um ser, um ao mesmo tempo. Não dois, não três, apenas um. Apenas uma vida para viver, apenas sessenta minutos em uma hora. Apenas um par de olhos. Apenas um cérebro. Apenas um ser. Sendo apenas um, tendo apenas um par de olhos, tendo apenas uma vez, tendo apenas uma vida, não consigo ler o seu manuscrito três ou quatro vezes. Nem uma vez. Apenas um olhar, só um olhar é suficiente. Dificilmente uma cópia seria vendida aqui. Dificilmente uma. Dificilmente uma.
Muito obrigado. Estou retornando o manuscrito por carta registrada. Apenas um manuscrito por postagem.
Atenciosamente,
A. C. Fifield
Imagem: James Coyne
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