“Nada se cria, tudo se copia” é uma proposição que não podia ser mais sincera. Na vasta biblioteca de histórias, na mídia cinematográfica e na literária, encontramos muitas peças que com algo familiar, seja sua forma de contar, seja sua temática.
Mas até onde podemos ir com as semelhanças nas histórias? Qual o “ponto de igualdade” que devemos aceitar? Em uma suposta inspiração, seria necessário mostrar algum tipo de agradecimento ou, até mesmo, pedir permissão?
E, colocando-se na pele do criador: o que fazer ao ver uma história parecidíssima com a sua — orgulho ou raiva?
Aqui estão alguns filmes e livros que não foram os primeiros a mostrar os temas abordados.
5. Saindo da Matrix, voltando ao Neuromancer
Mais conhecido: Matrix – Irmãs Wachowski
Anterior: Neuromancer – William Gibson (1988).
Esta obra ícone do cyberpunk traz todos os elementos que vemos em Matrix. Inclusive a matrix. A trama do livro acompanha Case, um ex-cowboy, uma espécie da hacker, que ocupa seus dias bebendo e se drogando enquanto faz bicos duvidosos em Chiba City, uma capital da clandestinidade do mundo cibernético. Como foi infectado com uma toxina que o impede de se conectar à Matrix após tentar roubar seus empregadores, Case vive numa espiral de autodestruição e ódio até que uma mulher estranha começa a persegui-lo.
Se você acha a série Matrix desconfortável e pessimista, não leia Neuromancer. A trama do livro é muito mais visceral e depreciativa, não há rédeas ao falar sobre o futuro da civilização humana. As Wachowski fizeram um bom trabalho em sua “adaptação”, elas usaram elementos mais próximos da realidade da época, enquanto Gibson pulou de 1984 (ano de publicação) para um futuro muito distante, sem diferenciação de mundos do herói, o que faz perder a vastidão de público que Matrix teve.
[fonte: Metagene]
4. O Rei Leão do Japão
O mais conhecido: O Rei Leão – Roger Allers e Rob Minkoff (1994).
Anterior: Kimba, O Leão Branco – Osamu Tezuka (1950).
Não, não vou comparar ao Hamlet, de Shakespeare. Apesar de realmente ser inspirado na peça clássica, a história anterior ao Rei Leão que está na 4ª posição é bem mais absurda e parecida, e apesar de que os produtores já tenham se pronunciado a respeito, não deram qualquer crédito importante à animação japonesa de Tezuka.
Antes do filme, Kimba foi um mangá publicado durante 1950 à 1954, dando origem mais tarde ao anime, em 1965, ambos por Osamu Tezuka, o mesmo criador de Astro Boy.
Uma curiosidade da série é que foi a primeira animação colorida da televisão japonesa. Outra é que Tezuka sempre foi fã das produções Disney e já confessou que elas o influenciaram bastante ao fazer seus projetos. Então, é isso mesmo: um fã tem seu trabalho copiado pelo ídolo. Uma honra, talvez, é para se sentir orgulhoso. Pois foi exatamente assim que Tezuka se sentiu. Sua esposa, ainda hoje viva, sustenta que ao saber da semelhança entre O Rei Leão e Kimba, Tezuka ficou cheio de alegria. Nunca nem sequer questionou processar ou reclamar os direitos autorais – que, convenhamos, estaria no seu direito.
Como na primeira imagem acima, vemos a semelhança do leão na pedra. Pois bem, o filho daquele leão cai de um desfiladeiro num acidente muito peculiar.
E vê o pai nas nuvens.
E volta para se vingar do pai.
O clássico Rei Leão da Disney é sensacional, mas deve muito ao leãozinho japonês.
3. Piratas do Caribe da Disneylândia
O mais conhecido: Piratas do Caribe – Gore Verbinski (2003).
Anterior: On Stranger Tides – Tim Powers (1987); Monkey Island series – LucasArts (1990); uma atração da Disneylândia.
Monkey Island é um jogo de aventura feito para computador. Cada um dos jogos ocorre em ilhas ficcionais no Caribe em torno da época dourada da pirataria no século 18. As ilhas estão cheias de piratas vestidos com roupas que parecem vir de filmes e histórias em quadrinhos, e há muitos anacronismos deliberados e referências à moderna cultura popular.
O que é interessante nesse jogo, é que foi inspirado numa atração da Disney, chamada “Piratas do Caribe”. Era simples, você entrava e via um bando de piratas cantando e bebendo, mas para os criadores, juntamente com alguns livros de piratas, serviu de ideia para fazer o jogo. O livro, na verdade, chamado On Stranger Tides, foi escrito por Tim Powers. As semelhanças são básicas, como um pirata (Jack Shandy) atrás de tesouros, kracken, fontes da juventude e navios habitados por gente morta. Enfim, todos os elementos que cercam as histórias de piratas.
Pois bem, onde Piratas do Caribe (o filme) entra? A Disney, na época que a atração foi criada, desejava produzir um filme, mas devido alguns exemplos de filmes sobre piratas mal sucedidos, acabou engavetando o projeto. Mais tarde, Gore Verbinski reapareceu com o projeto dos piratas, mas achou o roteiro horrível, e assim, com Rob Marshall e Joachim Rønning & Espen Sandberg, Terry Rossio, Ted Elliott, Jeff Nathanson e Jerry Bruckheimer, reconstruíram o script e deram origem ao primeiro filme: Piratas do Caribe e A Maldição do Pérola Negra. As semelhanças com o jogo de computador e o romance de Tim Powers se acentuam: personagens bons e inimigos com jeitos semelhantes aos do jogo, um pirata igual ao Capitão Barbossa, navios cheios de criaturas malignas (amaldiçoadas) e etc. Além de que o nome On Strange Tides ser o mesmo do quarto filme da série (em português: Navegando em Águas Misteriosas).
Então, de certa forma, a Disney “copiou” alguém que a copiou, que por sua vez copiou a Tim Powers. Nunca o ciclo esteve tão curto.
2. Jogos Vorazes vs Battle Royale vs Ben Richards
O mais conhecido: Os Jogos Vorazes – Suzanne Collins (2008).
Anterior: Battle Royale – Koushun Takami (1999); O Concorrente – Stephen King (1982).
Muitos já devem ter pensado que a ideia de Suzanne Collins para a trilogia Jogos Vorazes era inovadora com muitas críticas ao capitalismo e à sociedade em geral. Ela afirma ter tido a ideia ao trocar de canal da TV, saindo de um programa de reality show e indo para uma notícia sobre protestos; daí ela pensou como seria juntar os dois.
No entanto, outros anteriormente já meio que juntaram os dois. Koushun Takami (japonês mais uma vez) escreveu um livro chamado Battle Royale, no qual a história se passa num futuro não muito distante, devido à recessão econômica na “Grande República” do Leste Asiático e seus danos sociais surgem rebeldes, obrigando o governo a aprovar uma lei conhecida como ATO BR (sem piadas, por favor). Tal lei consiste em sortear uma classe de estudantes para participar de um jogo onde a principal regra é matar uns aos outros até restar apenas um. O governo diz que o motivo do jogo é cumprir uma demanda social, mas a verdade ninguém sabe.
As diferenças são: enquanto Jogos Vorazes explora o lado revolucionário, Battle Royale explora o lado sanguinário. A carnificina nos jogos de Collins não chegam nem perto dos de Koushun.
Além do livro japonês (em que mais tarde foi feito um mangá e filme de mesmo nome), há outros parecidos, como o filme O Sobrevivente, de 1987, estrelado por Arnold Schwarzenegger, onde há um reality show que agentes do programa caçam as pessoas. Quem sobreviver, ganha. Por sua vez, O Sobrevivente, foi vagamente baseado no livro de Stephen King, chamado O Concorrente, eis aqui a sinopse:
A história acontece num futuro não muito distante e gira em torno de Ben Richards, um homem alto e magro que decide entrar num perigoso jogo televisivo para conseguir dinheiro para comprar remédios para sua filha moribunda.
No estúdio, Richards conhece Killian, o chefão por trás de tudo, e é lá mesmo que são apresentada as regras do jogo a Ben, entre elas: ele deve gravar um vídeo dele mesmo duas vezes ao dia e colocá-lo no correio, para mostrar que está sobrevivendo (e assim arriscando sua localização); ele também pode ir a qualquer lugar que quiser, mas para ganhar o prêmio máximo de 1 bilhão, ele deve permanecer vivo por 1 mês inteiro, enquanto é caçado por agentes do programa de TV, e transformado em inimigo do estado.
Intenção de cópia? Talvez não, mas parem de pensar que Collins teve uma ideia pioneira.
E tudo isso lembra um jogo da Rússia (sim, tinha que ser lá), em que você recebe um carro e seu objetivo é fugir da polícia por 35 minutos. Isso mesmo, eles basicamente inventaram um GTA ao vivo.
1. Harry e os outros Potter
O mais conhecido: O Mundo Mágico de Harry Potter – J. K. Rowling (1997).
Anterior: Os Livros da Magia – Neil Gaiman (1989); The Legend of Rah and the Muggles – N. K. Stouffer (1984); várias obras de Diana Wynne Jones.
As histórias de garotos franzinos que aprendem magia são muitas. Muitas que vieram bem antes do famoso Harry Potter, inclusive. Mas certamente Harry Potter foi a saga de bruxo que deu mais certo em toda a história literária. Parece que tudo que vem depois da série e fala sobre magia, é tentando imitar e se aproveitar da fama que Rowling fez, tentando “pegar o bonde” no tema bruxos heróis aprendendo coisas mágicas e divertidas. Mas não é lá muito certo reclamar de outros que copiam Harry Potter quando o próprio fez isso.
Tudo bem, os elementos que Rowling utiliza na história não nos permite dizer que copiou terceiros. “Inspirou-se”, reclamam os fãs, este seria o termo mais adequado. O primeiro livro da lista é Os Livros da Magia, de Gaiman: Tim Hunter é um garoto franzino, de cabelos pretos, usa óculos e descobre que tem o potencial para ser o maior mago do mundo. Ele tem uma coruja, conjura magias e até mesmo consegue uma marca na testa.
Aqui outra história que uma escritora britânica criou em 1984:
“Larry Potter”.
Vamos lá, isso não é mais do que mera coincidência? Ainda “and his best friend Lilly”, que por sinal é o mesmo nome da mãe de Harry. Mas, ok, se isso não for o suficiente, aqui vai outra:
O nome desses carinhas pixelados aí são “trouxas” (muggles, em inglês), aparecem no livro The Legend of Rah and the Muggles, mais de dez anos antes de Harry Potter ser publicado. Tudo bem que os Muggles nessa históra são seres mágicos, ao contrário da história de Rowling. Pelas compilação de semelhanças, Stouffer levou o caso à justiça em 2007. O resultado? Ela perdeu e ainda teve de pagar uma indenização a Warner Bros, por incômodo e algo relacionado à moralidade.
Para ler mais sobre esta história, veja aqui.
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