Com as clássicas ilustrações das edições originais de Alice feitas por John Tenniel e uma tradução vencedora do Prêmio Jabuti, por Maria Luiza X. de A. Borges, esta edição da Zahar do clássico de Lewis Carroll traz toda a magia do país das maravilhas em altíssima qualidade, unindo em uma só edição de capa dura os dois clássicos de Carroll “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas” e “Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá”. A tradução consegue recriar os jogos de palavras do texto original e traz os poemas que acompanham a narrativa traduzidos com rimas e ritmosemelhante aos originais. A linguagem dessa tradução também segue o estilo do texto original de Carroll em que a jovem Alice encontra o coelho branco falante, vestindo um colete com relógio de bolso e correndo, dizendo que é tarde, mantendo a linguagem simples e clara, mas ainda com aquela leve sofisticação acompanhada de metáforas, jogos linguísticos e lirismos que ganham novas proporções no mundo surreal de Carroll.
Ao contar uma história surreal e imaginativa, Lewis Carroll envolve os leitores, sejam eles adultos ou crianças, em um mundo onde o impossível é real e as leis de normalidade do mundo como o conhecemos simplesmente não se aplicam. Claro que, quando crianças lêem a narrativa, tudo o que verão, em geral, é um mundo estranho, peculiar, cheio de aventuras e criaturas que despertam a curiosidade da jovem Alice ao mesmo tempo que a intrigam. Quando um leitor com um pouco mais de maturidade lê a obra, muitas outras coisas podem ser observadas por meio de uma análise mais atenta, pois, apesar de Carroll ter declarado que escrevera esse livro sem ter planejado-o previamente (ele dizia que escrevera após contar sobre a wonderland à pequena Alice Liddel, a menina que inspirou a personagem do livro, que era uma das crianças as quais Carroll costumava fotografar), diversas análises mostram que há pontos na narrativa cheio de significados semiocultos os quais, se não foram previamente bem planejados, só pode ser porque Carroll era um gênio de escrita espontânea.
Começando com o Gato Cheshire, cujo sorriso perdura após ele mesmo desaparecer por completo. As coisas que ele diz à Alice servem como princípio chave para compreender o livro como um todo, assim como a vida em geral, pois o gato diz a ela que todos são loucos, senão não teriam ido para lá (o que indica que todos no país das maravilhas sejam loucos, assim como Alice, abrindo caminho para uma possível teoria de que todo o lugar seja um delírio da menina, pois se todos são loucos, inclusive ela, pode significar que ela talvez esteja imaginando coisas, mas claro que isso é somente uma das diversas possíveis interpretações). Outra frase que ele diz à Alice é que não importa o caminho que ela tomar, se não sabe onde ir, pois a algum lugar ela chegará. Isso serve para qualquer coisa no mundo real, porém, no país das maravilhas funciona a níveis mais claramente absurdos. O livro todo pode ser uma boa metáfora para o mundo adulto visto por uma criança, pois Alice cresce e diminui sem parar, perdendo sua identidade pelo caminho, chega a esquecer do próprio nome e tudo ao ser redor é muito estranho e incomum, como o mundo adulto pode parecer a uma criança (e, sinceramente, a muitos adultos também!).
Outro ponto chave a ser observado é como ambas as obras presentes nessa edição são iniciadas: em Alice no País das Maravilhas, começamos vendo uma Alice entediada com sua irmã lendo um livro sem diálogos nem ilustrações, até que Alice vê o coelho, segue ele e cai em um buraco, e permanece caindo lentamente, caindo, caindo como se cai no sono, talvez? O possibilita a interpretação de ser tudo um sonho da menina. No segundo livro, Através do Espelho, Alice está sentada no sofá com sua gatinha, outra circunstância em que vemos a menina ficando sonolenta, até que ela pega a gata e começa a dizer que finge que a gatinha é a rainha vermelha, personagem que realmente aparece do outro lado do espelho. Então, a menina vai até o espelho e o atravessa, chegando à sala do outro lado do espelho, ou à casa do espelho, como ela chama, onde ela encontra até um tabuleiro de xadrez vivo e cartas de baralho vivas também. Aqui encontramos material para identificar todo o tipo de outras metáforas possíveis, mas como o foco aqui é resenhar e não analisar as metáforas, não veremos todas elas agora. O importante também é a presença de muitos personagens marcantes que são apresentados neste segundo livro. Depois de conhecer o coelho branco, o Gato Cheshire, a lagarta e o Chapeleiro Maluco na primeira parte, conheça na segunda parte personagens icônicos como a Rainha Branca e os gêmeos Tweedledum e Tweedledee e Humpty Dumpty.
Enfim, esta é uma obra clássica e essencial para todos os leitores. O mundo criado por Carroll já é um ícone cultural, foi adaptado pela Disney em desenho animado, por Tim Burton em filme e até já virou videogame graças ao trabalho de American McGee, além, é claro, de muitas outras incontáveis influências pela literatura e pela cultura em geral. É uma obra imperdível, cheia de aventuras impossíveis tornando-se reais, um mundo surreal onde a imaginação ganha vida e onde por trás de cada absurdo há mais significados do que possa parecer à primeira vista. Uma obra para ser lida e relida, sem dúvida alguma. Então, já leu esta obra? Se ainda não leia, se já tiver lido, releia, pois é sempre bom retornar ao inesquecível País das Maravilhas, onde a mesa do chá está sempre pronta, o coelho branco sempre atrasado e são sempre seis horas.