Um dos grandes pensamentos que assolam o homem moderno, mais do que pensar na morte, é pensar no morto. Não sabemos lidar com aquele corpo que perde a vida e que poucos momentos atrás sorria e se movimentava. O corpo do morto expõe-nos a condição primária da humanidade e isso é espantoso: morrer faz parte, ser um morto é assustador. A medida da nossa vida, então, é dada pela morte e só ela, e sua iminente chegada, podem nos apontar para o que é viver. Essa reflexão e muitas outras estão em Frankenstein de Mary Shelley, publicada pela primeira vez em 1818. Essa edição da Companhia das Letras de 1994, no entanto, não é uma tradução da obra de Shelley, mas uma recontagem da história feita pelo escritor Ruy Castro. Apesar disso, a história se mantém tradicional. Leia mais AQUI!
O NotaTerapia separou as melhores citações da obra:
Concluí que, para descobrir as causas da vida, temos de recorrer à morte. Eu precisaria entender porque o corpo humano envelhece, decai e finalmente se degrada com a morte.
Aprendi como a morte destrói minuciosamente o que havia sido, até há pouco, um rosto rosado e sadio. Observei como estruturas maravilhosas, que tornam o homem uma criação insuperável, degradavam-se e transformavam-se em carniça para seres minúsculos, indignos daquela complexidade.
Descobri como e porque a vida é gerada. Mais impressionante ainda: tornei-me capaz de dar vida à matéria inanimada – de transformar a morte em vida.
Por muito tempo, não conseguia entender como um homem podia matar um semelhante. Ou porque precisava de leis e de governos. Quando ouvi detalhes das crueldades e derramamentos de sangue que indivíduos ou nações impunham uns aos outros, não pude conter meu sentimento de revolta.
Deus, em sua piedade, fez o homem belo e sedutor, à sua imagem e semelhança. Mas você me fez à imagem e semelhança do demônio. O próprio Satã tinha outros demônios como companheiros de abominação. Mas você me condenou a ser abominável e só.
Eu pusera de lado todo o sentimento e subjugara qualquer angústia. Para mim, o mal se tornara o bem. Só faltava o ato supremo: a criatura destruir o criador. E isso agora está feito.
Minha obra de destruição está quase completa. Falta apenas uma morte. Mas não será a sua, nem a de qualquer outro homem. Dentro de minutos, sairei de seu navio e, no trenó que me trouxe até aqui, irei para o extremo norte do globo. Lá construirei minha pira funerária e me deitarei nela. Minha carne maldita agonizará entre as chamas e minhas cinzas serão levadas pelo vento até o mar.
Edição: Companhia das Letras, 1997