Certamente, são grandes as probabilidades de que qualquer pessoa, com rosto desfigurado ou não, faria procedimentos estéticos para ficar igual o Sebastian Stan.
Um homem diferente (2024) pode ter sido o papel da vida do ator que é conhecido por fazer o Soldado Invernal na franquia Vingadores. Este enredo talvez seja a história da sua vida: o ator que perde um papel importantíssimo, provavelmente aquele para o qual ele foi feito, pelo fato de ter uma beleza padrão.
É possível que o próprio Sebastian Stan tenha confirmado ou refutado essa tese, mas parece que nada que os atores de filmes de super-herói dizem em entrevistas merece ser levado a sério. Isso não é culpa deles. Os repórteres desse nicho devem passar por algum tipo de treinamento para sempre tirar desses famosos alguma sacada, piadinha ou frase de duplo sentido.
Essa prática parece confortável aos atores, pois assim ficam livres de perguntas que exigem maior sensibilidade na resposta. Grande parte deles acaba levando esse “mindset” para todo tipo de entrevista, seja em divulgações de grandes franquias ou de filmes mais complexos. Alguns exemplos que parecem fazer isso com destreza são Robert Downey Jr, Chris Hemsworth (quantas piadas sobre martelo?) e, claro, Sebastian Stan.
Ele tem a aparência e o senso de humor pelos quais a crítica especializada não mostra tanto apreço. Sua perfomance em Eu, Tonya (2017) e Fresh (2022) poderiam ter mais destaque. Stan também já mostrou que tem facilidade em sair da skin “padrão” em O Diabo de Cada Dia (2020) e O Aprendiz (2024), que também não lhe trouxeram grande prestígio entre os fãs de cinema autoral.
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O ator bonito vive um drama, precisamente o que ele encarna em Um homem diferente, papel que oferece especialmente aquilo que pode lhe garantir a admiração dos cinéfilos: uma caracterização que o deixa irreconhecível e, mais importante, uma produção da A24.
Nesse longa da produtora queridinha do cinema alternativo, dirigido por Aaron Schimberg, vemos a transformação de Edward, um ator com uma doença chamada neurofibromatose, que gera tumores volumosos que desfiguram seu rosto. Vivido por Stan, esse protagonista tem sua existência pautada pela aparência fora do comum, percebendo a repulsa de quem desvia dele em corredores, escadas e ruas e a condescendência de quem é gentil, como a vizinha Ingrid, uma dramaturga interpretada por Renate Reinsve, atriz norueguesa que estrelou o incrível A pior pessoa do mundo (2021).
Como ator sem sucesso, sua carreira é feita de pequenas participações em anúncios deprimentes. Edward, então, tem a oportunidade de testar uma nova medicação que promete melhorar sua condição e reconstruir seu rosto. Essa transformação é desenvolvida em cenas angustiantes de dor e pele em descamação num claro efeito “pretty hurts”. Por esse e outros aspectos, Um homem diferente ressoa, muitas vezes, nos mesmos lugares que A substância (2024), mas com menos choque e mais melancolia.
Quando Edward finalmente desperta de sonhos intranquilos metamorfoseado no Sebastian Stan, decide começar uma nova vida declarando a morte do seu antigo eu e guardando toda a transformação no mais profundo segredo.
A partir desse momento, o filme se prova um sensível estudo de personagem. Para sua nova identidade, Edward escolhe o nome Guy, o termo em inglês para definir um cara qualquer. Fica sublinhada a ideia de que ele arrancou o que fazia dele alguém especial para ser só mais um “cara”. Isso fica evidente, quando Oswald aparece. Interpretado por Adam Pearson, Oswald assume o papel na peça que Ingrid escreveu inspirada em Edward antes dele superar sua condição genética.
Pearson é um ator, apresentador e ativista britânico que realmente vive com neurofibromatose e, aqui, incorpora o personagem que é tudo que Edward/Guy não é e nunca foi: autêntico, confiante e satisfeito consigo. Oswald acrescenta o elemento que destaca a forma singular como o roteiro trabalha com o surrealismo. Da transformação fantástica de Edward ao confronto de sua nova face com a antiga, permanece apenas o fantasma de si que o assombra ao contemplar descontente o sucesso de alguém vivendo sob uma pele que ele rejeitou.
Além da autoaceitação, Um homem diferente é uma obra sobre a aceitação daquilo que só uma pessoa por si mesmo é capaz de resolver, superar ou conviver. Por isso, apesar das entrevistas engraçadas do elenco e do próprio roteiro pender para a comédia mais do que o desejado no último ato, este é um filme existencialista que vale a pena.
Minha nota para Um homem diferente no Letterboxd: 4 estrelas.
A different Man, 2024
Direção: Aaron Schimberg
Duração: 112 min