Autor: August Strindberg
Edição: University of California Press
Tradução para o inglês: Harry. G. Carlson
Ano: 1983
Esta resenha é em homenagem a Luciana Cianci que me presenteou com este incrível livro
O drama enquanto gênero teatral, aquele que advém do gênero dramático, é um gênero tipicamente burguês. Dizer isto não é fazer um juízo de valor, mas dizer que os “dramas” dos dramas giram em torno de questões relativas a burguesia: o dinheiro, os empregados, o casamento, o emprego e a família. Em muitos momentos foram chamados de “dramas de gabinete” ou “drama familiar” porque as cenas se passavam, via de regra, nos interiores das salas das casas das famílias burguesas. E, como toda a burguesia, o drama também nasce de um estatuto da crise, típica de uma camada média da sociedade e que colocam em xeque estes valores em conflito. O Pai, de August Srtrindberg, reflete, talvez, um dos auges deste drama que se desdobra em uma série de camadas cada vez mais com pitadas psicológicas.
O Pai, de August Strindberg, conta a história de uma família, no caso, um pai, o Capitão Adolfo e Laura, sua esposa, que disputam os modos como sua filha Berta deve ser educada. O pai quer que a filha saia de casa para estudar para professora porque “caso não se case, têm uma profissão e caso se case pode cuidar os filhos”, enquanto a mãe quer que ela fique próxima, perto de casa. Enquanto Adolfo usa seus poderes patriarcais para impor suas decisões, Laura cria estratégias para tomar o controle: manipula a empregada da casa, uma senhora que havia criado o Capitão, assim como o médico da comunidade para atestarem que Adolfo passa por um processo de adoecimento mental e deve ser interditado de suas decisões. Estes dois poderes em disputa, no fim das contas, apresentam uma trama psicológica que encarna grande parte das questões sociopolíticas de uma camada social no final do século XIX.
Explain to me how women can treat a grown man as if he were a child.
Eu li a peça a partir de uma tradução do sueco para o inglês feita por Harry G. Carlson que, em seu prefácio, aponta que O Pai trata de assuntos relevantes para a época tanto político e social quanto filosoficamente, para além do caráter puramente biografo, como sempre se atribui às peças do autor. Para Carlson, o que está em jogo não é só o conflito em torno do futuro da filha, mas do próprio futuro ou destino, através de “dois indivíduos que entram em guerra a partir de poderes que são invocados da própria natureza dos seres”, tendo de um lado, as questões hereditárias e familiares mais profundas, de outro, uma luta pela sobrevivência, atualizada dos mitos gregos. E tudo isto compondo uma espécie de barro fundamental que giram em torno de questões políticas que culminariam no século XX como a uma discussão em torno dos papéis de gênero e a própria estruturação de uma família tradicional.
Yes, I’m crying, although I’m a man. Doesn’t a man have eyes? Doesn’t a man have hands, limbs, senses, opinions, passions? Isn’t he a nourished by the same food as a woman, wounded by the same weapons, warmed and cooled by the same winter and summer? If you pick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die? Why shouldn’t a man be able to complain, a soldier be able to cry? Because it’s unmanly? Why is it unmanly?
Outro caminho possível para análise seria um traçado das estruturas dos estudos psicanalíticos que Freud anunciava mais ou menos na mesma época. Assim, pode-se transpor a ideia de pai, mãe e filha para uma disputa que se dá na própria construção da psiquê humana em formação, um enfrentamento a uma estrutura que molda nossa individualidade e subjetividade e se desdobram em concepções macroculturais de estruturas sociais mais amplas.
Love between man and woman is war.
Em O Pai, mais do que observar os traços biográficos de Strindberg que se colocam nas cenas, um caminho de análise muito comum para as obras dele, mas que são um tanto quanto rasteiras, ou tentar incorporar conceitos mais contemporâneos para a análise como ver sua misoginia (ora, a própria estrutura social era patriarcal e masculina), deve-se estar atento para uma espécie de emergência das questões que, ao que parecem, chegavam ao um ponto máximo. A partir deste ponto, uma saída é anunciada: a loucura da modernidade. O final do pai nada mais é do que a encarnação do que seria o teatro do século XX: a entrada em cena dos fantasmas, dos segredos, dos traumas e tabus dos dramas modernos do século XIX. Strindberg, ao escrever o pai, abre a porta para a modernidade que virá.