Faça de Tudo Para Não Precisar de Coragem, de Fábio Franco. Com este título profundamente evocativo, somos convocados a entrar nesta obra de contos curtos publicada pelo autor em 2024 pelo selo Cachalote da editora Aboio e semifinalista do Prêmio Jabuti em 2025. Em Faça de Tudo Para Não Precisar de Coragem, e isto está presente tanto na orelha quanto na sinopse – mas é preciso repetir aqui porque é realmente uma recorrência da obra – Fábio vai traçar e retraçar memórias de uma Aracaju através de suas lembranças agora como um morador da cidade do Rio de Janeiro.
O editor do Jornal Nota, Luiz Antonio Ribeiro, convidou o autor Fábio Franco para uma entrevista, confira:
Primeiramente, gostaria de dizer que é um prazer te entrevistar. Adorei ter a experiência de ter o seu livro. Logo de cara, tenho a pergunta que me fez começar a reflexão sobre seu livro: Por que o título Faça de Tudo Para Não Precisar de Coragem?

Eu que agradeço a leitura e a resenha tão sensível. O título parece ir contra tudo o que foi ensinado sobre a coragem, né? Fico sempre surpreso com as diversas interpretações que recebo sobre ele. Aliviado, percebo que o título conserva um espaço para que o leitor possa compor ele mesmo o significado. O título faz referência a uma fala presente no conto Mainha, uma espécie de conselho que a mãe oferece, mentalmente, ao filho. No conto, a mãe está emocionalmente implodida, derrotada e, ao perceber o filho tão parecido com ela, teme que ele chegue no mesmo ponto.
O que me fez eleger essa frase como título foi identificar que em todos os contos os personagens não enfrentam abertamente as suas questões. Eles não agem no sentido dessa coragem celebrada, heroica. Ao contrário: seguem, vamos dizer assim, por um caminho da não-coragem, que passa por um estado de contemplação protegida, de criação de um santuário anônimo e impenetrável. Penso, agora, que fazer de tudo para evitar a coragem é também forjar algumas saídas criativas e quem sabe encontrar alguns tesouros perdidos. Outra reflexão espontânea: fazer de tudo para evitar a coragem é também saber exatamente o momento certo de usá-la.
O seu livro gira em torno das suas experiências em Aracaju. Qual o papel Aracaju teve na sua criação artística, ela foi uma espécie de espaço mágico da imaginação?
Aracaju é a cidade onde nasci e cresci, foi lá que recebi as minhas primeiras impressões sobre o mundo. Quando penso nas palavras praia, praça ou rua, o que surge na minha mente são as praias, as praças e as ruas de Aracaju. A cidade sempre terá para mim a capacidade de atrair os mesmos elementos da infância – imaginação, fantasia, inocência e também medo, trauma, vergonha. A Aracaju que aparece nos contos não é a cidade concreta, reconhecível, aparece mais como um panorama íntimo dos personagens, se misturando um pouco com eles.
Muitos dos seus contos são voltados para a infância, alguns deles com a presença da figura materna. Como a infância aparece modulada em termos de forma no seu livro?
A infância guarda a grande maioria das nossas situações inaugurais, as nossas primeiras vezes. Lembro que quando estava escrevendo “Menino Quebrado”, minha intenção era descobrir a primeira vez que uma criança se dá conta de que não pode contar com ninguém. Já em “Caleidoscópio”, busquei descobrir a primeira grande frustração na vida de uma menina que aposta tudo na fantasia. Acho que fui uma criança muito atenta. Lembro vividamente de momentos que não deveriam ser tão marcantes, mas que ficaram em mim por algum motivo. Minha criança é muito viva.
O que mais chama a atenção em Faça de Tudo Para Não Precisar de Coragem é a ambivalência entre a brevidade dos contos e a força que eles trazem. Por que a opção por contos curtos e qual o processo de execução para eles terem um punch tão forte?
É engraçado porque adoro narrativas longas, lentas, com bastante descrição e, no entanto, meus contos são excessivamente curtos. Acho que isso acontece porque as histórias gravitam em torno de um único acontecimento, ou melhor, nos impactos internos provocados por esse momento agudo. Um amigo, após ler os contos, gentilmente me presenteou com uma reflexão que foi novidade para mim: a de que busco nessas pequenas histórias aquele momento em que o personagem se lembrará para sempre. Concordo com ele. Tudo o que escapava dessa força gravitacional foi cortado. E eu não tenho medo de cortar.
Por falar nisso, uma curiosidade: qual é seu processo de criação: você escreve e abandona ou trabalha incessantemente seus contos?
São 14 contos. Foram 14 processos diferentes. Os contos foram escritos ao longo de muito tempo, sem pretensão de serem publicados. Alguns vieram quase prontos, outros me pediram muitas reescritas. Sobre o meu processo, costumo tomar notas, estou sempre com um caderninho. Quando sinto que as frases estão se encaixando, que a história está se fazendo, resisto ao impulso de escrever, acumulo um tempo, procuro não pensar. Fico nessa gestação até sentir que tudo o que vivo passa a conversar com a história. É quando escrever se torna inevitável. Mas quando não gosto, geralmente abandono.
Um conto que me chamou a atenção é o da menina Olívia que, enquanto está na rede, assiste uma mulher em situação de rua comendo no lixo e percebe que amadurece ao ver aquela imagem. Qual sua visão sobre esse conto?
É um conto sobre a quantidade de coisas que acontecem quando nada parece acontecer. Olívia é uma pré-adolescente oprimida pelo tédio universal de um domingo. Sentada na varanda ela observa aquela hora amolecida após o almoço. Até que a aparição da mendiga rompe a inércia e revela que algumas vidas não se encaixam nesse marasmo doméstico. Como você falou, é uma história de amadurecimento, mas um amadurecimento sutil. Olívia cresce alguns milímetros como uma árvore que ninguém viu se mover, mas que está mais alta no dia seguinte.

Acho que o conto mais forte do seu livro é o da mãe frígida. Pode falar um pouco mais sobre ele?
Lembro bem de como a ideia do conto surgiu. Estava no ônibus, prestando atenção na conversa de duas adolescentes. Uma delas falou algo que me soou estranho, não lembro o que era, mas fiquei com a sensação de que aquela era uma frase requentada, dita por outra pessoa. Escrevi no bloco de notas “a frase soou já gasta, como vinda de outra boca”.
Um tempo depois, notei que a comparação “fina como uma faca” está presente nos livros da Virginia Woolf, Katherine Mansfield e Sylvia Plath e quis fazer algo com essa “coincidência”. Pensei em situações que poderiam “descascar” uma pessoa a ponto de deixá-la fina, na última lâmina. Foi então que surgiu a pergunta “o que é frígida, mãe?”, uma pergunta que já nasce cortante.
Conte alguns livros que você acha que quem leu Faça de Tudo Para Não Precisar de Coragem pode gostar.
Com as mãos cobrindo o rosto de vergonha e pudor, digo Laços de Família, da Clarice — inspiração maior para o livro. Mas também os contos da Katherine Mansfield e do Osman Lins. Também queria aproveitar o espaço para recomendar livros de contistas contemporâneos (e colegas de editora), que li recentemente e adorei: Inútil corroer o osso da tempestade (Maria Luíza Chacon); Carne Marcada (Cássio Goné) e Eu não disse (Lara Haje), todos da Cachalote.
Para finalizar, você está preparando uma nova obra? Quais os próximos passos de Fábio Franco?
Atualmente estou envolvido com projetos audiovisuais e com a escrita de uma espécie de biografia, um projeto que chegou pra mim de uma maneira muito especial. Também tenho sido cada vez mais atraído pela ideia de um livro infantil, quem sabe.

