É raro que um Papa revele suas preferências cinematográficas. Quando o faz, o gesto pode revelar muito: as escolhas dizem algo sobre o tipo de história que o emociona, o tipo de mundo que gostaria de ver. Em uma entrevista recente, o Papa Leão XIV listou seus quatro filmes favoritos. À primeira vista, são obras bastante distintas. Mas em todas há uma espécie de fé — nem sempre religiosa, mas sempre insistente — na possibilidade de alguma forma de salvação. Daquelas que começam dentro da casa, da memória ou do gesto comum. Aqui vai a seleção de Leão XIV:
A Felicidade Não Se Compra (1946)

Dirigido por Frank Capra e estrelado por James Stewart, It’s a Wonderful Life talvez seja o mais “papal” dos títulos. Uma fábula natalina que escapa do sentimentalismo justamente por não negar a angústia — e talvez por isso tenha lugar tão fixo no imaginário americano do pós-guerra. A dignidade silenciosa de George Bailey salva uma cidade inteira sem perceber. É uma história de reconhecimento que parece tangenciar a própria ideia de fé como aquilo que se sustenta mesmo na ausência de confirmação.
A Noviça Rebelde (1965)

À época de seu lançamento, The Sound of Music foi recebido com certo desdém pela crítica, que o viu como piegas. Com o tempo, tornou-se um clássico incontornável do cinema popular. Julie Andrews, como Maria – uma noviça que percebe que não tem vocação para freira quando se torna governanta de sete crianças e se apaixona pelo pai delas, um militar severo, as vésperas da irrupção do nazismo na Áustria -, mistura leveza e obstinação. A trilha sonora de Rodgers e Hammerstein embala a transição de uma mulher do convento ao mundo, e de uma casa sitiada pela rigidez à resistência através da música.
Gente como a Gente (1980)

Vencedor do Oscar de melhor filme em um ano em que competia com Touro Indomável, o drama de Robert Redford pode parecer, à primeira vista, uma escolha improvável para um pontífice. Mas Ordinary People tem uma delicadeza seca, sem maquiagem emocional. Mostra uma família em luto tentando continuar a ser família. O interpretação de Timothy Hutton é particularmente comovente, e o filme entende a dor sem glamourizá-la. É uma história que fala da necessidade de perdão, inclusive dentro de casa.
A Vida é Bela (1997)

Entre todos os títulos mencionados, La Vita è Bella, de Roberto Benigni, talvez seja o único que mistura com tanta clareza o riso e o horror. Visto hoje, pode parecer excessivamente estilizado. Mas a escolha do Papa passa justamente pela recusa do cinismo. A história de Guido – o pai que transforma um campo de concentração em uma espécie de jogo para proteger o filho pequeno – é um retrato do amor que não precisa da esperança para continuar acreditando. O filme fala da graça como uma forma de resistência: uma beleza que não precisa vencer para existir.

As quatro escolhas de Leão XIV, tomadas em conjunto, não sugerem exatamente um cânone, nem uma teologia. Dois se passam ao redor da Segunda Guerra Mundial e lidam diretamente como fascismo e o nazismo. Todos tem ligação com temas de família. Todos são sobre esperança, mudança e encontrar luz em tempos difíceis. Assim, revelam um gosto por histórias que não terminam na dor. Mesmo quando há perda, guerra, repressão ou morte, o que permanece é a ternura dos sobreviventes e aquilo que tentam preservar. Filmes onde o milagre é pequeno, ou invisível, mas suficiente.

