Ânima é um espetáculo sobre mulheres que mudaram o curso da história da humanidade, contada por uma tecelã. Ela entrelaça os fios da vida em busca de sua ancestralidade feminina, dando voz a mulheres idealistas e pensadoras, como: Joana d’Arc, Hipátia de Alexandria, Marguerite Porete, Helena Blavatsky, Harrite Tubman e Simone Weil. Cada fio conta uma história, que escrito nas estrelas, ecoa através dos séculos. Ânima mergulha na coragem, nos pensamentos e na luta de seis mulheres que sacrificaram suas próprias vidas em prol de um ideal. A peça surgiu a partir da frase da filósofa Delia Steinberg Guzmán: “Desde sempre e para sempre toda mulher tem parentesco”, deste fragmento a autora Lúcia Helena Galvão, com sua visão filosófica, nos leva desde o início da humanidade à transcendência feminina entre passado, presente e futuro.
Ânima se revela uma obra dramática de notável profundidade conceitual e sensibilidade poética, onde Lúcia Helena Galvão demonstra maestria ao tecer, com fios filosóficos e históricos, a narrativa de mulheres que desafiaram seu tempo. A metáfora da tecelã como condutora da trama não apenas enriquece simbolicamente o espetáculo, mas também oferece uma estrutura coesa e original para apresentar figuras como Hipátia de Alexandria e Harriet Tubman, cujos legados são tratados com reverência e densidade intelectual. A opção pelo monólogo, longe de ser uma limitação, transforma-se em virtude ao permitir uma intimidade narrativa que convida o público a uma verdadeira imersão na ancestralidade feminina. Embora a síntese das trajetórias pudesse, em tese, comprometer a complexidade dramática, a autora contorna esse desafio com uma escrita que equilibra erudição e emotividade, criando momentos de genuína potência cênica. A dramaturgia de Ânima se consagra não apenas por seu valor histórico e de representação, mas por conseguir traduzir em linguagem teatral vibrante o eterno diálogo entre o passado heroico e as demandas do presente, fazendo da plateia testemunha de uma verdadeira epopeia do feminino através dos séculos.

Beth Zalcman entrega uma performance sólida e comprometida em Ânima, demonstrando notável versatilidade ao incorporar seis mulheres históricas distintas com sensibilidade e técnica apurada. Sua interpretação equilibra força e delicadeza, adequando voz, gestual e presença cênica a cada personalidade representada, o que enriquece a narrativa e mantém o público engajado. Embora o formato do monólogo exija uma atuação mais contida do que expansiva, Zalcman consegue transmitir a profundidade emocional e intelectual dessas figuras sem cair em exageros, sustentando a atmosfera poética da peça com maestria. Seu trabalho reflete maturidade artística e uma conexão genuína com o texto, contribuindo significativamente para que a proposta conceitual de Ânima ganhe vida no palco.
A direção de Luiz Antônio Rocha em Ânima demonstra um cuidadoso equilíbrio entre conceito e execução, criando uma linguagem cênica que serve com precisão ao texto filosófico de Lúcia Helena Galvão. Sua assinatura minimalista – visível no cenário funcional criado em parceria com Toninho Lôbo – prioriza inteligentemente a narrativa e a atuação. O verdadeiro triunfo técnico vem da iluminação de Ricardo Fujii, que opera como um verdadeiro co-narrador da história, transformando o espaço vazio em um tear luminoso onde cada transição de luz parece tecer novas camadas de significado. A sonoplastia de Anderson de Almeida, embora contida, dialoga com sensibilidade com os outros elementos, completando a atmosfera sem jamais competir com o texto. Luiz Antônio Rocha demonstra particular habilidade em dirigir o monólogo, mantendo o ritmo e a variedade necessários para sustentar o interesse do público. A equipe técnica como um todo criar um ambiente que é ao mesmo tempo, íntimo e épico, capaz de traduzir visualmente a grandiosidade histórica das personagens sem perder a conexão emocional com o espectador, um feito notável para um espetáculo que depende tanto da palavra.

Ânima consolida-se como um espetáculo de relevância cultural e estética, que honra seu propósito de resgatar vozes femininas históricas através de uma abordagem filosófico-poética bem articulada. Lúcia Helena Galvão oferece um texto denso e reflexivo, que encontra na direção sóbria de Luiz Antônio Rocha e na iluminação poética de Ricardo Fujii aliados técnicos à altura de sua proposta. Beth Zalcman entrega uma atuação competente que dá corpo e voz às múltiplas personagens com sensibilidade. Embora o formato do monólogo e a abordagem mais contemplativa que dramática possam limitar o impacto emocional em alguns momentos, o conjunto da obra impressiona pela coerência entre forma e conteúdo. Mais do que um espetáculo sobre o passado, Ânima se revela uma meditação oportuna sobre o lugar da mulher na história e na contemporaneidade, cumprindo com louvor sua missão de celebrar a ancestralidade feminina sem perder-se em panfletarismos. Um trabalho que, mesmo com suas escolhas mais contidas, deixa um legado de beleza e reflexão para seu público.
FICHA TÉCNICA:
Argumento e texto original: Lúcia Helena Galvão
Atuação: Beth Zalcman
Encenação: Luiz Antônio Rocha
Projeto de luz: Ricardo Fujii
Figurino: Thanara Shornadie
Cenário: Luiz Antônio Rocha e Toninho Lôbo
Preparação Corporal: Miriam Weitzman
Sonoplastia: Anderson de Almeida / Take Final
Fotos: Marcelo Estevão – Modus Focus
Mídias sociais: Felipe Pirillo /Inspira Teatro
Visagismo: Neandro
Técnico de Luz: Gabriel Oliveira
Operador de Luz: Paulo Roberto
Técnico e Operador de Som: Luan Araujo
Diretor de palco: Lincoln Batistela
Direção de Produção: Luiz Antônio Rocha
Produção executiva: Zilene Vieira
Idealização: Beth Zalcman e Luiz Antônio Rocha
Realização: Espaço Cênico, Mímica em Trânsito e Teatro em Conserva

