Texto de cobertura do Festival de Sundance 2025
É sintomático que Plainclothes comece em um shopping, uma espécie de não-lugar, sem uma identidade própria, onde nada se constrói. Posição similar à do protagonista do filme, Lucas (Tom Blyth), um policial que, disfarçado, deve atrair e expor homens gays para que seus colegas possam prendê-los por “exposição indecente”, durante os anos 90. Uma posição difícil, pois Lucas também é gay. Seu olhar para a situação é duplo: há o desejo pelos seus alvos, que observa cuidadosamente, mas também o aspecto da vigilância, com a imagem ganhando a textura de vídeo, típica das câmeras usadas pelos oficiais.
O diretor e roteirista Carmen Emmi não se demora muito explorando a dinâmica do time que Lucas pertence, composto por outros homens recrutados por sua beleza para pegarem homossexuais incautos, mas também não deixa de observar o eroticismo presente na corporação. Um colega dá um tapa na bunda do outro após o exercício, corpos nus e molhados caminham pelo vestiário. O olhar de Lucas se demora sobre a bunda de outro colega, que parece retornar a apreciação, ou seria uma maneira de identificar um “criminoso” na corporação?
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É um ambiente rico para essa exploração, mas Plainclothes prefere se restringir ao âmbito mais pessoal, destacando como essa dualidade sufoca seu protagonista, e como essa divisão parece marcar a existência dos outros homens gays que ele conhece, como Andrew (Russel Tovey), com toda uma vida fora dos banheiros e sexo casual em lugares inusitados, como uma estufa, envolvendo mulher e filhos, que ele deseja manter bem separado da sua relação com Lucas.
A narrativa se divide entre dois eixos temporais, explorando o presente, com Lucas indo passar o ano novo com a família e perde uma misteriosa carta de tremenda importância emocional, e no passado, com o personagem às voltas com seu emprego, desejos e também com a morte do pai, com quem possuía uma relação muito próxima.
Conectando essas duas linhas está a sensação de claustrofobia e confusão encarada pelo personagem. Plainclothes é opressivo sensorialmente, o aspecto de quadro reduzido torna seus closes sufocantes, combinado com elementos dentro do quadro que deixam um certo “entulho” visual. É uma proximidade opressiva. Isso contrasta com os momentos onde Lucas se sente confortável. Cenas abertas, onde ele compartilha o espaço com outras pessoas, e tudo parece respirar melhor.
Pode parecer que o longa entra no tropo do “filme gay trágico”, onde a existência de pessoas LGBTQIA+ será sempre marcada pela tristeza e o abandono. No entanto, Carmen Emmi construiu uma narrativa mais complexa e tortuosa, onde o que parece ser o ponto final da história representa, na verdade, um novo começo.
Revisado por Gabriel Batista