“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.” Cem Anos de Solidão, Gabriel García Marquez
É assim, misturando passado, presente e futuro, que se inicia a série Cem Anos de Solidão, primeira adaptação inspirada no livro de mesmo nome do autor colombiano Gabriel García Márquez. O seriado dividido em duas partes lançou a primeira delas em oito episódios em dezembro de 2024, fazendo jus ao título lançado em 1967 e que foi um dos responsáveis pelo Nobel concedido ao autor.
Muitas expectativas foram postas sobre os ombros dos produtores, filhos do autor, que buscaram respeitar o desejo do pai e dos diversos leitores de sua obra: preservar as peculiaridades do povo latino e do realismo fantástico.
A história da família Buendía se inicia com o casamento dos primos Úrsula Iguarán (Susana Morales) e José Arcadio Buendía (Marco González) que recebem a notícia de uma maldição: serão pais de uma criança anômala, que nascerá provavelmente com rabo de porco. Perseguidos por esse medo, o casal decide fugir de seu povoado em busca do mar e, após dois anos de trajeto, encontram um pantano onde fundam a cidade de Macondo, cidade essa que é considerada por muitos uma alegoria da própria América Latina.
É na chegada a mítica Macondo, onde o tempo tem um ritmo próprio, que vemos o fantástico escrito por Gabriel se desenvolver: um plano sequência nos leva a conhecer o ambiente pelo olhar do primeiro filho do casal, que nasce sem ser atingido pela maldição.
A partir daí se percebe o crescimento da família que continua tendo filhos sem que a maldição os alcance, e o crescimento da vila e da própria casa, que se torna personagem importante para o desenvolvimento narrativo, refletindo o humor e a condição dos que a habitam. A terra mágica nos faz suspirar ao acompanhar o início e o fim da família Buendía.
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Com questões universais como: amor, pobreza, anseios, paixão, desejo, medos e solidão, os diretores Laura Mora Ortega e Alex García Lopes imprimem uma verdadeira harmonia entre o real e o imaginário usando efeitos práticos e não digitais para revelar a fantasia de Macondo, como é possível ver na chuva de flores, algo ínfimo a seus habitantes, em contraste com a descoberta do gelo, que parece consideravelmente valoroso aos Buendía e os que ali fazem morada.
A saga épica nos apresenta personagens complexos, ligados uns aos outros por suas questões morais. Apesar da relevância e da presença forte dos personagens masculinos, é na imagem de Úrsula que encontramos os principais ganchos narrativos, é a partir dela, de suas ações e decisões que a história se desenrola. O que nos deixa ainda mais perto do mundo descrito por Gabriel, já que, tal qual a maioria das famílias latinas, Úrsula é a base de sua casa.
Alguns outros personagens caem no gosto do espectador e nos fazem questionar algumas certezas que criamos ao longo dos episódios e, assim como no livro, os personagens se apresentam extremamente humanos fazendo com que nós, espectadores, tenhamos sentimentos mistos ao acompanhar a vida em Macondo.
Com todos os atores hispano-falantes e filmada na Colômbia, a série nos suscita questionamentos sobre a importância da autenticidade e dedica-se a preservar e valorizar o original que, como Gabriel alertou, é o melhor termômetro para o sucesso.
Como nada são só flores, apenas a chuva de Macondo, fica um apontamento para as cenas exageradas de sexo, que duram mais que o necessário na série, expondo muitas vezes os corpos femininos. Algo já corriqueiro no audiovisual, mas que gera polêmica quando o assunto é sexo pelo sexo.
A série é um deleite para os amantes de Cem Anos de Solidão que tanto temiam uma adaptação mal feita ou que não fosse à altura do autor, é também uma ótima oportunidade para que conheçam o universo extranatural de Gabriel.
Uma coisa é certa: fãs ou curiosos, a série nos torna de maneira lúdica e fantástica membros da família Buendía.
Confira o trailer da série: