Uma das perguntas que o cinema faz já há algum tempo é: “como retratar alguém que existe?”. E tanto essa pergunta é relevante que ela virou uma das principais características do grande cinema realista de Hollywood. É muito comum vermos todos os anos algum ator disputando os principais prêmios do cinema interpretando figuras que existem numa crença de que “virar outro é bom”.
Acredito que isso coloca um problema no cinema que é tanto a crença de que é possível que um ator “se apague” em detrimento de alguém que existiu, como que interpretar bem significa fazer esforços físicos como emagrecer ou engordar, ou até se “enfeiar”, como necessariamente um mérito de interpretação por si. Talvez isso seja retrato de um mundo em que parecer já é ser.
Um dos filmes mais esperados deste 2025 segue exatamente esta linha, mas encontra uma barreira intransponível diante da figura de uma atriz. Trata-se do tão falado “Maria Callas”, do diretor chileno Pablo Larraín.
“Maria Callas” (2025) conta a história da grande cantora de ópera norte-americana que ficou famosa como uma das maiores sopranos de todos os tempos. No papel central, temos a atriz Angelina Jolie, que incorporou a missão de virar Callas no cinema.
O filme é bastante sensível e tem uma estrutura arrojada: para escapar da biografia linear, ele escolhe os últimos dias de Callas como mote central e faz uso de diversos campos de realidade para construir a narrativa, mesclando um campo de entrevistas e outro de alucinação pra contar a vida da chamada “maior cantora de ópera do mundo”.
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O chileno Pablo Larraín, com este filme, completa sua trilogia de biografias de grandes cantoras, que incluem “Jackie” (2016) e “Spencer” (2021). Ao contrário dos demais filmes, que partiram de cantoras menos conhecidas do grande público, Callas traz um desafio maior: a história que se pretende retratar é de uma mulher quase mítica que rompeu a barreira do clássico para chegar ao grande público. Sem contar a barreira intransponível de saber que nenhuma atriz de forma alguma poderia chegar no nível de voz da soprano.
De qualquer forma, o filme é bastante correto e, por incrível que pareça, o único ponto fraco é a interpretação de Angelina Jolie que não está à altura do resto da película. Apesar da imensa tentativa da atriz de se apagar, o que se vê na tela é uma Angelina Jolie que se esconde numa pretensa Callas através de caras e bocas imersas em um dramalhão desenfreado. Na busca de encontrar o sofrimento da Callas real, Jolie acabou perdendo a verdadeira Callas que ela mesmo tanto procurou.
Para quem acompanhou Maria Callas durante sua vida, é quase clichê dizer que ela “se transformava” no palco cuja grandeza era acolhida ali como espaço distinto de sua vida normal. Ao contrário, na vida cotidiana, mesmo nos momentos graves, Maria Callas sempre teve um olhar quase infantil para as coisas. No entanto, Jolie descartou e cortou esse olhar, até dos momentos mais joviais da cantora trocando eles por uma cara que ou está séria demais, ou está tentando seduzir o espectador.
E este é o grande demérito de um filme bom: Jolie parece querer a todo instante seduzir a câmera, ser olhada e vista e, por conta disso, acaba destoando do tom geral que ela e o diretor pretendiam atingir. Não sabemos se é vaidade dela, não podemos dizer, mas o que podemos dizer é que isso afeta o clima geral de um filme que poderia ser muito maior do que. Pelo menos em Hollywood.
Revisado por: Gabriel Batista
Confira o trailer do filme: