“Caso fevereiro dure para sempre”, de Ursula Zufrieden, é uma obra profundamente introspectiva que nos conduz por uma jornada de dor, memória e autodescoberta. Publicado em setembro de 2024, o livro abrange uma narrativa intimista em que o tempo — normalmente fluido e linear — torna-se uma prisão simbólica, obrigando a protagonista Alina a reviver continuamente os mesmos 28 dias de fevereiro; e, à guisa disso, confrontar os fantasmas de seu passado, mergulhando em uma espiral de memórias, dores e descobertas.
“O luto é como um relógio quebrado: o ponteiro insiste em apontar para o mesmo minuto, mesmo quando o mundo gira.”
Neste romance, o mês de fevereiro se torna mais do que um mero marcador temporal: é o espaço psicológico onde Alina se encontra enredada. O ciclo repetitivo reflete o peso das lembranças, como se o universo conspirasse para mantê-la imóvel, encarcerada em suas próprias emoções. Zufrieden utiliza essa premissa para explorar de forma visceral os impactos do luto e as dificuldades de romper com as correntes do passado.
A trama começa de forma aparentemente simples, com Alina tentando compreender a repetição de fevereiro. Ela nota que, enquanto o mundo ao seu redor parece seguir uma lógica normal, sua percepção do tempo está quebrada. É perceptível que, a cada “novo” fevereiro, pequenos detalhes se repetem, enquanto outros mudam sutilmente, como se o universo estivesse brincando com sua sanidade.
A razão dessa anomalia parece estar diretamente ligada a um trauma que Alina viveu durante o respectivo mês, anos antanhos: a morte precoce de sua irmã mais nova, Helena, em um trágico acidente. Desde então, a mulher carrega uma culpa silenciosa, alimentada pela crença de que poderia ter feito algo para evitar o fatídico acontecimento. Ao longo da narrativa, torna-se evidente que o “fevereiro infinito” é, na verdade, uma metáfora poderosa para sua incapacidade de processar o luto e seguir em frente.
“O silêncio de Helena era mais alto que qualquer grito. Ele ecoava em tudo que eu fazia, em tudo que eu era.”
Ademais, durante os ciclos intermináveis, Alina é confrontada por personagens que parecem surgir tanto de sua memória quanto de sua imaginação. Um desses personagens é Daniel, um músico errante com quem ela teve um breve romance no passado. Suas interações com ele oscilam entre o real e o simbólico, levando a protagonista a revisitar momentos de alegria e arrependimento. Outra pessoa central é uma misteriosa senhora que Alina encontra em um café, sempre no mesmo dia do mês. A mulher, com sua aura enigmática, oferece pistas veladas sobre como Alina pode findar a situação contumaz, entretanto, seus dizeres estão sempre envoltos em metáforas e enigmas.
“Para sair do labirinto, primeiro é preciso parar de desenhar novos muros.”
É uma narrativa construída em prosa densa e poética, que alterna momentos de contemplação profunda com passagens repletas de simbolismo. Zufrieden mergulha com maestria nas complexidades da psiquê humana, questionando como o tempo — ou a ausência dele — pode ser tanto um fardo quanto uma oportunidade para a cura. Habilmente elaborado, há o entrelaçar entre o real e o metafórico, convidando o leitor a desvendar os significados ocultos de cada gesto, diálogo e cenário. O enredo não se preocupa em entregar respostas fáceis; pelo contrário, deixa espaço para que o leitor reflita sobre os ciclos emocionais que moldam nossas vidas e como podemos, ou não, transcender os limites que nos impomos; e as descrições, meticulosamente elaboradas, criam uma atmosfera melancólica, quase onírica e potencialmente sufocante, que envolve e captura o leitor desde as primeiras páginas.
“Caso fevereiro dure para sempre” é uma obra destinada a quem aprecia histórias que ultrapassam a superfície e se aprofundam nas nuances da experiência humana. Com sua linguagem refinada e uma narrativa que desafia convenções, Ursula Zufrieden oferece não apenas uma leitura, mas uma experiência emocional transformadora.
“Eu morava em fevereiro, mas fevereiro já não morava mais em mim.”
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