Mais que Too Sweet: Hozier canta sobre justiça social, ditaduras militares, colonialismo, direitos reprodutivos, refugiados e desastres naturais

Hozier, cantor irlandês mais conhecido por seus sucessos Take Me To Church e Too Sweet

A música política de Hozier

Andrew John Hozier-Byrnes, conhecido artisticamente apenas como Hozier, é um músico, compositor e cantor irlandês mais conhecido por suas músicas alternativas / indie românticas, como Take Me To Church e Too Sweet, além de outros sucessos como Would That I, Almost e Work Song. Entretanto, o cantor também é muito explícito a respeito de suas inclinações políticas, sobretudo sobre anti-facismo, anti-racismo, anti-colonialismo (especificamente na Irlanda, na Palestina, e em povos nativo-americanos) e direitos reprodutivos.

É uma pena que, através de redes como o TikTok, suas letras românticas que se tornaram virais tenham se sobrepujado sobre a imensa quantidade de política que o cantor insere em seu trabalho, criando um público que tem apenas uma visão superficial de suas composições. Pensando nisso, essa matéria sugere 11 músicas de Hozier que falam de justiça social e política para você conhecer, incluindo alguns trechos traduzidos de suas letras:

Take Me To Church (Leve-me à Igreja)

Provavelmente a música mais conhecida da carreira de Hozier (hoje, talvez, empatando com Too Sweet), Take Me To Church é a forma das composições do cantor: simultaneamente uma música de amor e de protesto, com muitas alusões religiosas, sexuais e relacionadas à comida / fome. Ela faz uma crítica à religião organizada – especialmente à Igreja Católica, que tem um papel controverso na Irlanda nativa do artista – e a preconceitos de maneira geral. O videoclipe apresenta um casal gay, e um dos homens em questão é perseguido por um grupo extremista – que está codificado como muitos grupos vigilantes de extrema-direita – que queima sua casa, o espanca e queima algo que era importante para ele.

Trecho da letra:

Eu nasci doente, mas eu amo

Ordene que eu fique bem

Amem, amem, amem

Me leve à igreja

Eu vou cultuar como um cão

No altar das suas mentiras

Eu vou lhe contar meus pecados

Para você afiar sua faca

Me ofereça uma morte sem morrer

Bom Deus, deixe que eu lhe dê a minga vida

Nina Cried Power (Nina clamou poder)

Nina Cried Power faz uma homenagem a vários artistas ativistas da justiça social e dos direitos civis, sobretudo negros, dos Estados Unidos e da Irlanda. A letra faz referência à música “Sinnerman”, de Nina Simone, que inclui a letra “e eu clamei poder!”, e em cujo refrão ela repetidamente canta “Poder!” por quase três minutos.  A letra faz referência aos nomes de B. B. King, Billie Holiday, Bob Dylan, Curtis Mayfield, James Brown, John Lennin, Joni Mitchell, Marvin Gaye, Mavis Stapler, Pete Seeger, Patti LaBelle, Woody Guthrie e, é claro, Nina Simone. É uma colaboração com a cantora de blues, rythm e gospel afro-americana Mavis Stapler, e inclui um coral típico da musicalidade negra nos Estados Unidos, com um ritmo influenciado pelo blues, pelo soul e pelo gospel.

Não é o acordar, é o levantar

É o fincar dos pés, sem concessões

Não é o abandonar de uma mentira

Não é o abrir dos olhos

Não é o acordar, é o levantar

(…)

Não é a guerra, mas o que está por trás dela

Ah, o medo que temos uns dos outros não passa de uma imposição

E tudo o que nos é negado quando mantemos a divisão,

Não é o acordar, é o levantar

(…)

E eu poderia clamar “Poder!”

Poder foi clamado por aqueles mais fortes que eu

Diretamente no rosto que nos diz para agarrar nossas correntes

Se amamos ser livres.

(…)

James Brown clamou “Poder!”

Sieger clamou “Poder!”

Minnie clamou “Poder!”

(…)

Billie, poder

Jillian, poder

Woody, poder

Nina clamou “Poder!”

Eat Your Young (Devorar Seus Jovens)

Eat Your Young trata da forma desastrosa com que as elites, o mercado bélico e o capitalismo de maneira geral priorizam o lucro rápido sobre a vida da juventude, o bem estar do 99% e o futuro do planeta. O videoclipe é um de seus melhores e mais elaborados, representando um teatro – apresentado com pessoas para uma audiência de adultos, e por bonecas fantoches para uma audiência de crianças – que mostra um homem e uma mulher sendo obrigados a se encaixar nos papeis sociais esperados deles. O homem vai para a guerra – o uniforme usado é da Primeira Guerra Mundial, um dos conflitos mais sangrentos da história, que matou milhões de jovens rapazes, e resumiu-se à uma luta por territórios e regiões coloniais – e volta com um braço e uma perna amputados, enquanto a mulher, nesse meio tempo, se converteu em uma estátua e perdeu partes de si mesma. Os dois tem um filho, que quer brincar com uma boneca, mas é proibido pelo pai, que o obriga a seguir os mesmos caminhos que foram apresentados para ele: um operário, um açougueiro, um soldado. A relação do homem e da mulher se deteriora com ressentimento entre os dois. No fim, o teatro termina com uma cena que não conseguimos ver por completo – uma geladeira de boneca é aberta e algo vermelho começa a vazar, e então a câmera corta para as duas audiências: uma de adultos impassíveis, e a outra de crianças correndo aterrorizadas.

“É uma gentileza, Alteza,

Migalhas suficientes para todos

Jovens e velhos são bem-vindos na refeição.

Amor, eu estou me certificando de que a mesa está arrumada,

Nós podemos celebrar o bem que fizemos.

Eu não vou mentir, se ainda houver algo a tomar

Chão para explorar, o que ainda vier,

Pegue

Guarde a escada quando a enchente chegar

Jogue corda o suficiente, até as pernas balançarem

Sete novos jeitos de devorar seus jovens

Venha e pegue um pouco,

Tirando a pele das crianças para fazer tambores de guerra,

Colocando comida na mesa vendendo bombas e armas

É mais rápido e mais fácil devorar seus jovens”

Jackboot Jump (O Salto do Coturno)

A música fala sobre a nova onda de fascismo que vem se alastrando ao redor do mundo, de governos totalitários e de ditaduras militares, dos protestos e da resistência de maneira geral. Lançada em 2019, ela faz referência à três das grandes questões da época: os protestos em Hong Kong, o governo Putin na Rússia, e os protestos contra a Dakota Access Pipeline na Reserva Indígena de Standing Rock, nos Estados Unidos. A música tem muita influência da musicalidade das décadas de 60 e 70, conhecidas por suas diferentes ondas de ativismo político.

“Na Reserva de Standing Rock, o salto do coturno

Parece estar na moda

Seja destruindo velhos tratados

Ou só destruindo o lugar.

A infraestrutura corporativa

Sempre acima da estrutura do seu rosto

Em Moscou, o show do coturno

Tem tanto para mostrar

Para qualquer estudante bobo

Que não quer aprender a música.

Então o Balé de Coturnos de Moscou

Encontra jovens assustados na pista de dança

Em Hong Kong não demorará muito

Até que eles tenham que se alinhar

Pois a longa mão de Beijing

Estende-se mil milhas para o sul

Onde eles usam o salto do coturno

Como se essa merda fosse sair de moda.

Ao redor do mundo,

Você acharia que as coisas estão indo mal

Mas o coturno só salta sobre

Pessoas que estão se levantando.

Então você sabe que coisas boas estão acontecendo

Quando o coturno precisa saltar”

But The Wages (Menos os Salários)

Lançada quase ao mesmo tempo que Jackboot Jump, But The Wages fala sobre uma série de ansiedades do século XXI, incluindo o aquecimento global, o problema dos refugiados, as crises humanitárias no oriente, o custo de vida e a inflação, a censura e a crise carcerária, mencionando que todos os problemas aumentam, mas nunca os salários. Na música, Hozier chega a referenciar Donald Trump como um oligarca.

“Seja a temperatura

Ou o nível do mar

Tudo está aumentando, menos os salários.

E repórteres assassinados,

E conversa sobre fronteiras rígidas,

Subindo aos céus como um coral celestial

Ou os preços das ações Boeing,

Os gritos dos moribundos

Ou os céus sobre o Yemen, noite passada

Tudo está aumentando, menos os salários

E talvez esteja na hora

(…)

E músicos ativistas

E pessoas em prisões

Sem qualquer chance de se defenderem

(…)

A pressão do sangue

O novo hotel na cidade

Com o nome de um oligarca na fachada

Tudo está aumentando, menos os salários,

E talvez esteja na hora”

Nobody’s Soldier (Soldado de Ninguém)

Uma das músicas mais recentes de Hozier, Nobody’s Soldier é uma crítica ao complexo industrial militar e a precarização que empurra meninos jovens em situação de vulnerabilidade a se juntarem ao exército. O videoclipe mostra membros de bonecas passando por maquinário fabril, armas, balas e bombas, além de flashes de palavras como “lucro” e “importações”. Hozier disse em entrevista ter escolhido lançar essa música como seu novo single após o imenso sucesso de seu single anterior, Too Sweet, pois achou que seria interessante seguir uma das músicas mais leves de sua carreira com um single violentamente anti-guerra, esperando talvez atrair a audiência de Too Sweet para suas músicas mais fortes.

“Eu não quero escolher entre ser um vendedor ou um soldado,

Só me deixe ficar um pouco mais velho,

Me deixe andar com um pouco mais de confiança

Escolher entre ser um açougueiro ou um pobretão,

Eu não receberei nenhuma ordem

Não serei soldado de ninguém

Me sentindo enjoado

Assistindo o noticiário outra vez

O que quer que você escolha, você vai acabar perdendo no fim”

Be (Seja)

Be, apesar de a primeira vista soar como uma música romântica – com a clássica combinação de imagens religiosas e sexuais pelas quais Hozier é conhecido em sua letra -, trata da crise de refugiados e das crises humanitárias geradas por desastres naturais e guerras. Além disso, critica abertamente Donald Trump – fazendo menção a seu famoso muro na fronteira dos Estados Unidos com o México e a seu programa de TV centrado na demissão de funcionários – e outras figuras políticas similares.

“Quando tudo de pior que tememos deixar cair seu peso,

Quando o redemoinho se alarga e as ondas se quebram,

Quando São Pedro perder a paciência e trancar os portões

Quando Atlas faz uma brincadeira, deixando seus braços tremerem,

Quando os pássaros forem ouvidos outra vez em seu cantar

Quando a Atrocidade estiver rouca de denunciar Vergonha

(…)

Seja como você sempre foi

Seja como o amor que descobriu o pecado

Que liberou o primeiro homem, e que o fará novamente

(…)

Seja aquele sentimento de esperança de quando o Éden foi perdido,

Que esteve surdo para a nossa risada desde que o mestre foi desafiado

Qual lado do muro de fato sofre com esse preço?

(…)

Quando o homem que dá a ordem

Nascer, na próxima vida, nos barcos que são mandados de volta,

Quando os corpos morrendo de fome na fronteira

Estiverem na TV demitindo pessoas,

Amor, quando os mares levantarem para nos encontrar

Ah, quando não houver mais nada que nós possamos fazer

Quando não houver mais ninguém lá em cima para nos receber,

Quando eu já não tiver palavras gentis em mim

(…)

Seja o amor em seu descrédito

Que assola as colinas e salga todas as raízes

E assiste o desacelerar e o passar fome das tropas

E, amor, seja boa para mim

Esteja onde e exatamente como está

Ou seja como a rosa que você carrega em sua mão,

Que cresce, corajosa, em uma terra seca e desolada,

E amor, seja boa para mim”

Swan Upon Leda (Cisne Sobre Leda)

Fazendo referência ao mito de Zeus e Leda – no qual o deus se transforma em um cisne e estupra a rainha de Esparta, relação da qual nascem dois filhos -, Swan Upon Leda fala de direitos reprodutivos, abortos ilegais, violência sexual e ocupação colonial na Irlanda e na Palestina, comparando a ocupação inglesa da Irlanda e israelense da Palestina com estupros. Faz ainda mais uma crítica ao complexo industrial militar, mencionando o interesse dos governos em impedir que mulheres tenham acesso ao aborto, já que seus filhos, muitos nascidos em condições precárias, possivelmente acabarão nas Forças Armadas.

“Uma criança chora, empurrando outra criança para a noite.

Ela foi avisada de que ele viria,

Sem deixar nem mesmo uma pena para trás,

Para realizar, enfim, o plano perfeito,

Mais um doce menino para ser massacrado por homens

Mas a entrada para o mundo

Ainda estava fora de seu alcance

Nunca pertencerá aos anjos

Nunca pertenceu aos homens

O Cisne sobre Leda

O império sobre Jerusalém

(…)

O Cisne sobre Leda

O ocupante sobre uma terra antiga”

Butchered Tongue (Língua Massacrada)

Hozier fala de línguas nativas irlandesas e indígenas (sobretudo nativo-americanas) sendo suprimidas e apagadas pelos poderes coloniais, e da forma como elas resistem, apesar do muito delas que já foi perdido para a história.

“As orelhas de rapazes eram cortadas se a tortura não os matasse,

Eles estão enterrados sem couro cabeludo nas pedras destroçadas de nosso lar

Você talvez nunca conheça sua sorte

Até que a distância seja clara entre aquilo que foi perdido para sempre

E aquilo que ainda pode ser conhecido.

(…)

Em alguma cidade que só significa “Lar” para eles,

Sem um único tradutor ainda capaz de falar

Uma língua massacrada ainda canta aqui, sobre esse chão”

Blood Upon The Snow (Sangue Sobre a Neve)

Escrita como trilha Sonora para o videogame “God of War: Ragnarok”, em parceria de Hozier com o compositor Bear McCreary, Blood Upon The Snow fala sobre a força da natureza sobre a ação humana, e as muitas dificuldades e violências enfrentadas por todo ser vivo, além de mencionar a crueldade das dificuldades sofridas em condições climáticas extremas.

“Para todas as coisas que habitam seu silêncio,

A natureza oferece uma violência.

O urso que se mantém em seu próprio caminho,

O lobo que sempre procura outros como ele,

O mundo que endurece quando o mais duro inverno se mantém,

O pai forçado a devorar seus filhos antes que eles cresçam

Todo pássaro que passa sem ser ouvido,

Passando fome onde o chão congelou

O nascer do sol no inverno, vermelho no branco

Como sangue sobre a neve

(…)

O chão sobre o qual andamos é uma maravilha

Ele nunca para de sentir fome

E todas as coisas que a natureza deu

Ela toma tudo de volta dos vivos

(…)

Não são meus braços que vão me desertar

Mas esse mundo requer mais força do que ele me deu

As árvores não se negam qualquer coisa que as faça crescer

Nem chuva, nem sol,

Nem sangue sobre a neve”

Foreigner’s God (Deus Estrangeiro)

Em Foreigner’s God, Hozier faz uma crítica a religião organizada – mais uma vez, sobretudo à Igreja Católica na Irlanda – e a colonização da Irlanda, nesse caso através da inserção de uma religião estrangeira em terras até então pagãs.

“A perfeita criatura, raramente vista

Desde que algum mentiroso trouxe o trovão

Quando a terra era livre e sem Deus,

Seus olhos olhavam, afiados e firmes,

Sobre as partes mais vazias de mim,

Mas meu coração ainda está pesado

Com o ódio das crenças de algum outro homem.

Sempre uma fraude bem-vestida,

Que nunca pouparia o chicote,

Nunca para mim

Gritando o nome de um Deus estrangeiro

A mais pura expressão de pesar”

Empire Now

Em Empire Now, Hozier faz referência aos cem anos da revolução que tornou a Irlanda independente do Reino Unido, e também critica o industrialismo, o colonialismo, e o seu impacto no planeta e nas sociedades.

Sol nascendo sobre um sonho que se realizou

Já faz cem anos do império

Sol nascendo sobre um mundo que agora está tranquilo

Cem anos desde

Cem anos desde

Os mártires da nossa revolução

Seus giros fizeram com que a terra tremesse

O problema trouxe sua própria solução

Eles agora dão energia ao mundo que fizemos

Afinal de contas,

Querida, eu não venderia o mundo

Por todo o ouro ou a prata

Se ele cair

Eu vou me segurar no que for possível

O futuro é tão brilhante que está queimando.

Leia Mais: Elsa, Arromanticidade e Asexualidade

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