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O mundo deveria falar mais sobre arte e escutar mais Justice. Você fica pensando muito nisso depois de ver The Square, de Ruben Östlund, lançado em 2017. No Brasil, ele ganhou o subtítulo: “A arte da discórdia”
Esse complemento ao título faz jus à obra, considerando que o maior deleite desse diretor sueco é colocar em cena conversas difíceis. Não somente aquelas que colocam questões morais em discussão, mas os diálogos em que é preciso admitir – ou fazer que a outra pessoa admita – algo ridículo sobre si.
É assim que o Östlund conquista nossa atenção total: nos envolve no constrangimento dessas conversas sobre as quais é inevitável pensar: “eu diria isso”, ou “hmm é verdade”.
Isso acontece na primeira cena de seu filme mais recente Triângulo da Tristeza, 2022, premiado em festivais e com 3 indicações ao Oscar. Somos atraídos nos primeiros instantes para a mesa de um restaurante onde um casal hétero jovem discute profundamente sobre quem deve pagar o jantar.
Em Força Maior, que Östlund lançou em 2014, uma família desmorona porque, numa situação de alto risco, o pai instintivamente priorizou salvar o celular ao invés da esposa e filhos. E tudo que ele precisa fazer é admitir isso em um dos diálogos incômodos tão característicos desse diretor cheio de acidez e sagacidade.
Nesses dois filmes, as situações tragicômicas às quais a audiência é submetida são até fáceis de se relacionar. Em The Square, no entanto, tudo acontece a partir de um museu de arte contemporânea. Você pode pensar que tudo se mantém elitizado com diálogos que só interessam a uma minoria mais culta.
Mas é aí que o diretor aproveita para expor, com muito senso de humor, as hipocrisias da elite supostamente letrada em arte e sensibilidade.
O enredo gira em torno de Christian, o CEO e curador do museu, homem branco, rico e padrão que passa a viver um caos depois de ter o celular roubado. Já no seu primeiro diálogo, a gente pensa sobre o que realmente é arte.
Em uma entrevista, Christian questiona uma jornalista:
“qualquer objeto passa a ser arte quando exposto em um museu? Sua bolsa está no chão, se a colocarmos em exposição no museu ela passa a ser uma obra artística?”
Logo, lembramos do jovem que, em 2016, deixou um óculos no chão de um museu nos EUA e o acessório foi altamente apreciado e fotografado pelos visitantes.
Em certa situação, o protagonista confronta a sua própria ética e moral, aí sim um dos momentos comuns dos filmes de Östlund, ao seguir com cartas de ameaças para cada um dos moradores do prédio em que localizou o paradeiro de seu celular roubado.
A caminho do edifício, ele e um dos seus colaboradores do museu escutam Genesis, do duo de música eletrônica Justice. Ouvir “Justice” e seguir para um prédio para ameaçar pessoas é um paradoxo para o funcionário. Para Christian, no entanto, sua atitude era o cumprimento da justiça “pelas próprias mãos”.
Além das confrontações éticas, o filme nos diverte com o absurdo em várias ocasiões.
É hilariante que a cena de um homem imitando um macaco em uma performance no museu seja muito mais impactante do que um macaco de verdade andando pela casa de uma personagem e usando seus objetos.
O motivo desse maior impacto você deve ver o filme para descobrir. Dá para estabelecer uma semelhança entre o que Östlund faz nesse aspecto e o que Paul Thomas Anderson fez com a chuva de sapos em Magnólia, 1999.
O drama de mais de 3 horas de Anderson é mais sombrio e emocional, entretanto, em ambos, quando os animais aparecem em cena em situações insólitas, o espectador não se comove tanto, porque o que vem acontecendo entre os humanos na trama é muito mais desconcertante.
The Square (o quadrado) se refere à uma obra nova em exposição no museu, literalmente um quadrado que dá origem a vários outros momentos deliciosamente intrigantes do filme. Após todos eles, você vai ficar pensando que vale a pena falar mais sobre arte nem que seja só para criticar as elites que a rodeiam.
Minha nota para The Square no Letterboxd: 4 ½ estrelas.