Entre os vários trunfos de Marte Um (2022), um deles é a compreensão de uma certa resiliência necessária para viver no Brasil. Não é à toa que o longa se encerra com a frase “a gente dá um jeito” sendo proferida pelo mesmo personagem que, momentos antes, gritava “a gente tá fudido!”. Ser brasileiro é assim, o mundo acaba no domingo, mas segunda é preciso acordar e continuar tudo novamente. Não se trata de romantizar as dificuldades, mas sim de reconhecer a fina linha entre o desespero e a esperança que faz parte da rotina de muitos.
A Festa de Léo (2023), dirigido por Luciana Bezerra e Gustavo Melo, possui em sua narrativa essa mesma compreensão, acompanhando um dia na vida de uma família no Morro do Vidigal. Léo (Arthur Ferreira) vai fazer doze anos, e está ansioso pela festa que irá ocorrer à noite, organizada por sua mãe, Rita (Cintia Rosa), que se desdobra para fazer que tudo corra perfeitamente. O que era para ser uma ocasião alegre se torna dramática quando Rita descobre que Dudu (Jonathan Haagensen), pai de Léo, sumiu com o dinheiro da celebração, e pior, está devendo pessoas importantes no Morro, colocando sua vida em risco.
Antes de chegar na trama de fato, Festa de Léo se preocupa em abordar o cotidiano daquele espaço, mostrando as dificuldades e alegrias mais rotineiras daquelas pessoas. Acompanhamos por exemplo, a dificuldade que é conseguir trocar o gás na casa de Rita, mas também o senso de coletividade que marca o lugar, com a protagonista interagindo com diversas pessoas, mostrando partes da sua personalidade, e também dando maior complexidade ao cenário que é plano de fundo da história. É nessas interações que o seu passado, e seus problemas com Dudu, vão sendo revelados de modo muito natural, como um problema já antigo, cujo clímax está acontecendo só agora.
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Essa atenção com o espaço enfatiza a vontade dos realizadores do longa em fugir de idealizações sobre o que é morar na favela, mas sem pintar o local como um horror, mecanismo fácil para tratar a criminalidade que, infelizmente, é parte da realidade. Vale lembrar que outro filme ambientado em uma favela, Intervenção: É Proibido Morrer (2021), possuía um retrato estereotipado da comunidade, onde os moradores eram, com pouca variação, coniventes com o crime.
Festa de Léo entende que a relação com essa questão é um pouco mais complicada, e é uma parte inevitável da realidade atual. Em uma das cenas, Rita chega em casa e vê que Léo está jogando videogame com um conhecido, que faz parte do tráfico. Há um fuzil apoiado na cama, cuja presença pouco parece perturbar Léo.
O roteiro também é inteligente em desenvolver a trama a partir de elementos rotineiros dos personagens, com a necessidade do dinheiro para salvar Dudu, testando a personalidade de Rita e sua boa convivência com seus conhecidos. Se o final não é uma surpresa, o caminho até chegar lá se torna intrigante pelos caminhos tomados. Até onde Rita irá para conseguir o dinheiro e salvar o seu filho, mesmo que este não seja seu papel?
Festa de Léo sucede ao pegar uma premissa simples e, a partir dela, construir uma narrativa que mostra a pluralidade interior de seus personagens, os mostrando em seus melhores e piores momentos. Talvez nada mais emblemático do que a música que fecha o filme, Conselho, de Almir Guineto sintetizando tudo que passou até então: Tem que lutar, sem se abater.