Na história da arte, poucas obras provocaram tanto debate e reflexão sobre “A Fonte” – um icônico urinol de cabeça para baixo, assinado com o pseudônimo “R. Mutt.” A autoria da obra tem sido tradicionalmente atribuída ao mestre da arte conceitual, Marcel Duchamp, mas hoje adentramos em um mundo de questionamentos e possibilidades, onde uma bruma da incerteza se dissolve para revelar o brilho fascinante da dadaísta alemã, Elsa von Freytag-Loringhoven.
Elsa, uma figura esquecida por muito tempo nos anais da arte do século XX, surge agora como uma possível candidatura à autoria da obra que desafiou as definições convencionais da arte. Glyn Thompson, um historiador de arte corajoso e questionador, ousou olhar além do véu de uma aceitação narrativa e desenterrou evidências intrigantes que podem abalar os alicerces da história da arte.
O ponto de partida para esta ousada alegação reside na própria assinatura da obra: “R. Mutt.” Tradicionalmente, esta assinatura foi interpretada como uma piada irônica sobre o fabricante de encanamentos “Mott Works” e os personagens de desenhos animados “Mutt e Jeff”.
No entanto, Thompson aponta para outra direção, indicando que “Mutt” poderia, na verdade, ser uma alusão à palavra alemã para empobrecimento, “armut”. Um trocadilho linguístico, um comentário sobre a condição de sua criadora, Elsa von Freytag-Loringhoven, que viveu grande parte de sua vida na pobreza.
Ao mergulharmos mais fundo nesse enigma, descobrimos que Elsa von Freytag-Loringhoven, uma dadaísta alemã que se destacou pela sua expressão artística transgressora e provocativa, apresentou um modelo de urinol semelhante na exposição da Sociedade de Artistas Independentes em 1917, na cidade de Nova Iorque.
Embora esta obra não tenha sido exibida, sobreviveu apenas em uma fotografia de Alfred Stieglitz. O professor Glyn Thompson concordou com os únicos dois exemplos de sobreviventes do mesmo fabricante e modelo, baseados na Filadélfia, cidade que Elsa frequentava, mas que nunca foi visitada por Duchamp.
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Essas evidências desafiam diretamente a afirmação de Marcel Duchamp de que ele adquiriu seu urinol na JL Mott Iron Works em Manhattan. “Mutt vem de Mott Works, o nome de um grande fabricante de equipamentos sanitários”, afirmou Duchamp em 1966. No entanto, o professor Thompson argumentou que o modelo específico em questão não era fabricado pela empresa nem estava disponível ao público em geral. Essa nova visão lança uma sombra de dúvida sobre uma narrativa convencional da autoria da obra.
As implicações deste debate são profundas e reverberam em todo o universo da arte conceitual. Se a autoria de “A Fonte” é realmente contestada com sucesso, isso não apenas ressignificará uma das obras mais emblemáticas do século XX, mas também nos levará a questionar as fronteiras da autoria na arte contemporânea.
O legado de Elsa von Freytag-Loringhoven, uma mulher que desafiou as convenções de sua época, é agora restaurada ao centro do palco, e a busca pela verdade sobre “A Fonte” nos convida a refletir sobre o papel das mulheres na história da arte e o poder do questionamento na busca incessante por conhecimento. Este é um capítulo fascinante na evolução da arte, onde a incerteza floresce e a criatividade da investigação nos conduz por caminhos inesperados. É, sem dúvida, uma jornada que todos os amantes da arte e da história aguardam ansiosamente.
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