Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salém, de Maryse Condé, conta a história de Tituba, filha de uma negra escravizada fruto de um estupro em um navio ainda no século XVII. A menina, após a morte da mãe e do padastro, passa a ser criada por uma negra que domina as artes das plantas, da natureza, além de manter contato com as forças ocultas do universo. Com a mulher Tituba também aprende e desenvolve poderes de cura e passa a viver na floresta prestando assistência aos escravizados que viviam ali na localidade.
No entanto, Tituba um dia é capturada e levada como escravizada para a casa de um pastor longe de sua cidade natal: ela vai para a terra americana, conservadora e religiosa de Salém. Lá passa a sofrer uma série de violências que até então pouco tinha experimentado, embora visse se passar com todos ao seu redor: a de também ser escravizada. Para piorar, percebe que as crianças da região começaram a simular estarem enfeitiçadas para incriminá-la como uma “bruxa”. A partir deste ponto, sua história sofrerá uma série de reviravoltas que nos fará refletir sobre o lugar que os negros e as mulheres são colocados neste mundo patriarcal e sobre as forças e dinâmicas de poder formam as principais bases disso que chamamos de civilização.
O NotaTerapia separou as melhores frases da obra:
Minha mãe chorava, porque eu não era um menino. Parecia que o destino das mulheres era ainda mais doloroso que o dos homens.
Minha vida, rio que não pode ser completamente desviado.
Eu era ausência. Um invisível. Mais invisível que os invisíveis, pois eles ao menos detinham um poder que todos temiam.
É estranho o amor ao país! Nós o carregamos dentro, como nosso sangue, como nossos orgãos.
Que mundo era aquele que tinha feito de mim uma escravizada, uma orfã, uma pária? Que mundo era aquele que me separava dos meus? Que me obrigava a viver entre pessoas que não falavam a minha língua, que não compartilhavam a minha religião, num país feio, nada agradável?
Sem a gente, o que seria do mundo, hein? O que seria? Os homens nos odeiam e, no entanto, nós damos a eles as ferramentas sem as quais a vida seria triste e limitada. Graças a nós, eles podem modificar o presente, quem sabe, ler o futuro. Graças a nós, eles podem ter esperança. Tituba, nós somos o sal da terra.
Que se tornara o mundo se nossas mulheres tiverem medo? Ele desmoronará! O céu cairá e as estrelas que o constelam vão se misturar à poeiras das estradas! Você, medo? De quê?
Quem, quem fez o mundo?
Não se aflija, Tituba! Você sabe disso, a má sorte é irmã gêmea do negro! Ela nasce com ele, vai para a cama com ele, contesta o mesmo peito murcho. Ela come o peixe do seu cozido. Ainda assim, o negro resiste! E aqueles que querem vê-lo desaparecer da face da terra estarão sempre lá.
Onde estava satanás? Não se escondia ele nas dobras das capas de juízes? Não falava pela voz de juristas e de homens de Igreja?
A vida só seria um presente se cada um de nós pudesse escolher o ventre que nos carregaria.
Poucos indivíduos tem esse azar: nascer pela segunda vez!
Tarde demais! Tarde demais! A verdade sempre chega tarde demais, porque ela anda mais devagar do que a mentira. Ela vai sempre lenta, a verdade!
O rio vai ao mar como a vida à morte e nada pode parar seu curso. Por quê? O vento se eleva. Às vezes, ele acaricia. Às vezes, ele devasta.
Aquele que quer saber por que o mar é tão azul acaba por morrer no fundo das ondas.
Bendita seja o amor que dá ao homem o esquecimento. Que o faz esquecer sua condição de escravizado.
Não pertenço á civilização do Livro e do Ódio. É dentro do coração que os meus guardarão minha memória, sem necessidade de grafia alguma. É dentro da cabeça. Em seu coração e em sua cabeça.
Editora: Rosa dos Tempos, 2019