Ronald de Carvalho foi um diplomata e literato brasileiro nascido no Rio de Janeiro e um dos mais significativos expoentes do modernismo brasileiro. A estréia em livro ocorreu com Luz gloriosa (1913), com fortes traços simbolistas que revelavam influência de Verlaine e Baudelaire. Ronaldo participou na Semana de Arte Moderna (1922), iniciando sua criação no âmbito do modernismo. Em sua obra também foram destaques Poemas e sonetos (1919), Pequena história da literatura brasileira (1919), Epigramas irônicos e sentimentais (1922), Toda a América (1926), considerado sua obra mais representativa da fase poética, Espelho de Ariel (1923) e Estudos brasileiros (três séries: 1924-1931). É um dos criadores da revista Orpheu.
O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas do poeta:
MERCADO DE TRINIDAD
Mercado de Trinidad
na tepidez molhada da manhã!
Dourados tropicais de asas e frutas,
verdes marítimos franjados de alcatrazes,
mar de corais, fogos de madrepérolas ao sol.
Das cestas de vime rolam ananases de escamas oxidadas,
o amarelo e o vermelho dos papagaios riscam o ar,
as mangas queimam penumbras de folhas murchas,
a terra é uma vibração de coloridos.
Sobe das faluas o aroma grosso do breu e do alcatrão,
e há deuses de bronze no azul da vaga, no azul da vaga
tremula e faiscante…
Mercado de Trinidad
na tepidez molhada da manhã!
Por trás dos mastros e cordames pardos,
na cinta elástica das bananeiras e dos limoeiros,
espiam cottages e bungalows.
E, sobre as livres solidões selvagens,
entre araras, tucanos, goiabeiras e coqueirais,
passeia gravemente, de capacete branco,
a ruiva sentinela do Forte colonial…
INTERIOR
Poeta dos trópicos, tua sala de jantar
é simples e modesta como um tranquilo pomar;
no aquário transparente, cheio de água limosa,
nadam peixes vermelhos, dourados e côr de rosa;
entra pelas verdes venezianas uma poeira luminosa,
uma poeira de sol, tremula e silenciosa,
uma poeira de luz que aumenta a solidão.
Abre a tua janela de par em par. Lá fora, sob o céu do verão,
todas as árvores estão cantando! Cada folha
é um pássaro, cada folha é uma cigarra, cada folha
é um som…
O ar das chácaras cheira a capim melado,
e ervas pisadas, à baunilha, a mato quente e abafado.
Poeta dos trópicos,
dá-me no teu copo de vidro colorido um gole d’água.
(Como é linda a paisagem no cristal de um copo d’água!)
O MERCADOR DE PRATA, DE OURO E ESMERALDA
Cheira a mar! cheira a mar!
As redes pesadas batem como asas,
As redes úmidas palpitam no crepúsculo.
A praia lisa é uma cintilação de escamas.
Pulam raias negras no ouro da areia molhada,
O aço das tainhas faísca em mãos de ébano e bronze.
Músculos, barbatanas, vozes e estrondos, tudo se mistura,
Tudo se mistura no criar da espuma que ferve nas pedras.
EPIGRAMA
Enche o teu copo, bebe o teu vinho,
enquanto a taça não cai das tuas mãos…
Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos…
UMA NOITE EM LOS ANDES
“Naquela noite de Los
Andes eu amei como nunca o Brasil.
De repente,
Um cheiro de Bogari, um cheiro de varanda
carioca balançou no ar…
Vinha não sei de onde o murmúrio de um
córrego tranqüilo,
escorregando como um lagarto pela terra
molhada.
A sombra vestia uma frescura de folhas
úmidas.
Um vagalume grosso correu no mato.
Queimou-se no sereno.
Eu fiquei olhando uma porção de cousas
doces maternais…
Eu fiquei olhando, longo tempo o céu da
noite chilena as quatro estrelas de um
cruzeiro pendurado fora do lugar…”
O CANTO QUE ME ENSINASTE
O CANTO que me ensinaste foi virgem e livre:
todas as águas balançaram nelle,
todos os ventos murmuraram nelle,
todos os perfumes se impregnaram nelle.
Foi como um vôo,
foi como um vôo longo, longo,
um vôo todo verde n teu sol todo de ouro, no eu ar todo azul
o canto virgem, o canto livre que me ensinaste.
HOKUSAI
Nos charcos chatos
caniços verticaes
rompem rectos
a luz redonda…
A lua redonda
onde pula a carpa de Hokusai…
MEIO –DIA
CHOQUE de claridades
Palmas paradas
Brilhos saltando nas pedras enxutas.
Batendo de chofre na luz
as andorinhas levam o sol na ponta das asas!
SABEDORIA
Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!
Faze da tua realidade
uma obra de beleza
Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece…
BRASIL
A Fernando Haroldo
Nesta hora de sol puro
palmas paradas
pedras polidas
claridades
faíscas
cintilações
Eu ouço o canto enorme do Brasil!
(…)
Eu ouço todo o Brasil cantando, zumbindo, gritando,
[vociferando!
Redes que se balançam,
sereias que apitam,
usinas que rangem, martelam, arfam, estridulam, ululam e
[roncam,
tubos que explodem,
guindastes que giram,
rodas que batem,
trilhos que trepidam,
rumor de coxilhas e planaltos, campainhas, relinchos, aboiados
[e mugidos,
repiques de sinos, estouros de foguetes, Ouro-Preto, Bahia,
[Congonhas, Sabará,
vaias de Bolsas empinando números como papagaios,
tumulto de ruas que saracoteiam sob arranha-céus,
vozes de todas as raças que a maresia dos portos joga no sertão!
Nesta hora de sol puro eu ouço o Brasil.
Todas as tuas conversas, pátria morena, correm pelo ar…
a conversa dos fazendeiros nos cafezais,
a conversa dos mineiros nas galerias de ouro,
a conversa dos operários nos fornos de aço,
a conversa dos garimpeiros, peneirando as bateias
a conversa dos coronéis nas varandas das roças…
Mas o que eu ouço, antes de tudo, nesta hora de sol puro
palmas paradas
pedras polidas
claridades
brilhos
faíscas
cintilações
é o canto dos teus berços, Brasil, de todos esses teus berços,
[onde dorme, com a boca escorrendo leite,
[moreno, confiante,
o homem de amanhã!