A diversidade de vozes daqueles que viveram os dias e as particularidades de um período é material rico para se reconstruir um pouco da memória histórica. Ela ganha ainda mais destaque quando se trata de um texto desconhecido de um grande autor. Recentemente, o jornal francês Le Figaro divulgou um texto inédito escrito pelo autor franco-argelino Albert Camus (1913-1960). O documento é de 1943, período em que a França se encontrava ocupada pelo exército nazista.
“De um intelectual que resiste”, como foi intitulado o artigo, não contém assinatura, mas foi identificado como sendo de Camus por diferentes fontes. O historiador Vincent Duclert foi responsável pela descoberta. “De um intelectual que resiste é uma das raras obras inéditas de Camus que escaparam da investigação dos ‘camusianos’”, diz Duclert. E para explicar: é claramente identificado por duas fontes convergentes, no Comitê Francês de Libertação Nacional, enquanto os partidários do General de Gaulle e do General Giraud se enfrentam em Argel na segunda metade de 1943.
O jornal Le Figaro o publicou com exclusividade, permitido por Catherine Camus. O texto constava nos arquivos de Charles de Gaulle e está no novo livro de Duclert, “Camus, des pays de liberté” (Camus, países de liberdade, em tradução livre) lançado na quinta-feira (9) pela editora francesa Stock.
No texto de três páginas, Camus examina o estado de espírito dos franceses sob o regime de Vichy. O documento era destinado às forças que combatiam o marechal Pétain. Este estado de espírito é, portanto, encontrado no texto de Albert Camus. E pode ser resumido em duas palavras: ansiedade e incerteza. A ansiedade é a de um país machucado que em breve terá que ser reconstruído, e isso o mais rápido possível “em uma luta contra o relógio” pelo “futuro futuro da nação”, sublinha o intelectual . A incerteza é a de um futuro francês que não pode ser escrito sem a contribuição intelectual das elites. “Porque se a guerra mata homens, também pode matar suas ideias com eles”, explica Albert Camus, que finalmente se lembra da urgência de ver a Resistência Externa apoiar militarmente a do Interior.
De aparência administrativa, datilografado, este documento foi escrito em 1943 no subsolo, na França continental, por um Albert Camus, então com 30 anos. O contexto é bastante simples de traçar: de Argel, a Comissão de Informação do Comitê de Libertação Nacional solicitou “análises clandestinas de jornalistas e pensadores que permaneceram na França ocupada”, explica Vincent Duclert ao Le Figaro. Isso permitiu que as forças que lutavam contra o regime de Vichy tivessem uma ideia do estado de opinião na França continental.
Ainda de acordo com Camus, o dever de todos os engajados na resistência era “lembrar às pessoas todos os dias, todas as horas se necessário, em todos os artigos, em todas as transmissões, todas as reuniões, todas as proclamações”, em um tom urgente, o conteúdo da defesa da Resistência como reação ao nazismo.
O que Camus quer dizer com o ato de matar homens e ideias se baseia no fato de que a ocupação nazista eliminava quem ameaçasse reagir à dominação. Estava, assim, “matando” o espírito de uma geração.
O dia 4 de janeiro de 2020 foi relembrado como o 60º aniversário do desaparecimento de Albert Camus em um acidente de viação. Ele é autor de obras consagradas como O estrangeiro, A peste, O mito de Sísifo, entre outras.
Fontes: Europe 1, Nexo Jornal, Le Figaro