É comum que ano após ano, cartas sejam enviadas para o bom velhinho que mora no Polo-Norte, mas algo não tão comum é que as crianças que as enviaram tenham uma resposta dele; e mais raro ainda é que esse mesmo bom velhinho faça questão de conversar com as crianças, contar as aventuras e mostrar o dia a dia nas terras geladas do norte. E, contra tudo o que esperamos, foi isso que aconteceu com os filhos de J. R. R. Tolkien, conhecido por ser o autor das obras O Hobbit e Senhor dos Anéis, que durante o período de 1920 a 1943 receberam cartas do Papai Noel.
E como já é Natal para muitas lojas de departamentos por aí, trago aqui alguns motivos para que você (re) leia Cartas do Papai Noel, livro que foi organizado pela esposa de Christopher Tolkien. A obra, além de trazer o espírito paterno e natalino de J. R. R. Tolkien, traz uma das edições mais belas de livros que já vi: a Martins Fontes, além do zelo com o material que compõe o livro, há, ao lado de cada tradução das cartas, uma foto com o escrito em original e as belíssimas ilustrações feitas pelo próprio professor.
Bem, leitores, como já devem ter notado, tais respostas do Bom Velhinho eram escritas pelo professor e não pelo Noel em si. Todos os seus filhos as recebiam – até que completassem 14 anos e fossem considerados grandes demais para isso/percebessem quem realmente as escrevia – e, apesar de serem escritas com a intenção de permanecer ali, entre a família, como se fossem uma maneira de agradar as crianças, percebemos um forte valor literário e até alguns elementos do Legendarium criado por Tolkien.
Além disso, em toda simplicidade de um pai ao querer trazer um pouco mais de magia para a vida dos filhos nota-se o zelo também do professor que não se preocupava somente em responder os filhos ou lhes contar histórias, mas trazia ilustrações e alterações na caligrafia. Por exemplo, se fosse o Papai Noel quem escrevesse, as letras vinham tremidas pelo frio, enquanto que se fosse o Urso Polar, não. Com o decorrer dos anos, foram surgindo mais e mais cartas, com mais personagens e novas histórias. É possível ler o livro como se fosse uma obra literária: personagens e conflitos – vale ressaltar que não há, ao certo, um começo meio e fim que denotam o desenvolvimento do enredo, ou pontos de virada, mas percebemos curtas histórias que se desenrolam e têm efeitos nas posteriores – e um alto grau poético nas epístolas que chega a emocionar: é quase impossível no final do livro não se deslumbrar com os escritos.
O professor carrega na escrita da página uma magia que se torna tênue com o mundo real, que transpassa, por exemplo, o mundo mágico, o mundo das fadas, “escondido” que ele defendia. Em Cartas do Papai Noel nos sentimos rodeados por essa mágica, sem fronteira alguma com o dito real. C. S. Lewis, autor das Crônicas de Nárnia e amigo de John, dizia que contos de fada provocam em nós um desconforto que nos faz ampliar a visão de mundo e ansiar mais e mais disso que nos é oferecido e Tolkien alcança exatamente esse ponto com seus escritos. E, além disso, são passados a nós vários valores como amor, como responsabilidade e o ato de dar valor àquilo que nos é dado com esforço; como a esperança e o trabalho de ser bom em meio a um mundo caótico – o final do livro é extremamente delicado se considerarmos o contexto de eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Tolkien traz a magia e nos faz realmente dialogar e imaginar como os seus filhos interagiam com a figura natalina, e como isso engrandecia o mundo deles, tal como o nosso quando entramos em contato com a obra. O espírito do Natal atinge-nos com força quando é mostrada a dificuldade em se arranjar brinquedos, em determinados momentos de vida, para o Natal, quando se mostra quanto esforço se faz para que se tenha e se traga o mínimo de conforto e alegria para sua família, e ao mesmo tempo, as cartas são tão singelas que, com ou sem brinquedo, é possível saber que um sorriso acompanhava tanto o pai quanto as crianças. E sabemos, leitores, que elas foram feitas para as crianças, porém, o professor Tolkien e o Papai Noel ainda tinham muito que dizer para o mundo. Então, por favor, meus queridos, deem um tempo nos comerciais de televisão, das lojas de brinquedo e departamento, dos especiais de fim de ano e se acomodem na cadeira e se presenteiem com essa leitura.
Este é um livro do Natal, para a época de Natal, mas também destinado a todos nós.