O historiador Leandro Karnal vem sendo, em nosso momento político conturbado, “um descanso na loucura”. Sua inteligência, ironia e ao mesmo tempo, gentileza e cuidado no trato, trazem a tona cada vez mais uma nova forma de fazer pensamento: através do afeto. Uma aproximação quase íntima dos leitores e um cuidado nos formatos em que se vai dizer, faz com que Karnal consiga a exata mediação entre rigor teórico e penetração popular. Assim, é um grande prazer ter o professor como um iluminador das zonas sombrias de um mundo contemporâneo um tanto quanto obscuro.
Leandro Karnal, em sua página no Facebook, postou uma lista de 10 livros que mudaram a sua vida para sempre. (Nós fizemos uma lista e você pode ler ela aqui!). Tratavam-se de clássicos da literatura, formadores de gerações de leitores, e que refletem grandes questões humanas essenciais para a formação moral de um ser como indivíduo e de um cidadão, pronto para viver em seu coletivo. Logo em seguida, ele postou uma outra lista com mais 8 livros que foram essenciais e mudaram sua vida. O NotaTerapia, sempre preocupado em indicar livros e formar leitores, montou uma segunda parte da lista com um breve resumo de cada uma dê-las para, quem sabe, fazer você abrir um desses livros!
1- Crime e Castigo, de Fiódor Dostoievski
Crime e Castigo, uma das principais obras de Fiódor Dostoievski, conta a história de Rodion Romanovitch Raskólnikov, um jovem que vive em um pequeno apartamento alugado. Beirando à miséria, o ex estudante de Direito busca realizar feitos importantes de modo a dar sentido à vida que, para ele, se apresenta como um monótono dia a dia no qual as pessoas, que ele julga se dividirem em pessoas comuns e pessoas extraordinárias, apenas sobrevivem. No decorrer de suas reflexões, Raskólnikov começa a se questionar porque homens como Napoleão, que foram responsáveis por milhares de mortes, são considerados grandes nomes pela História. Leia a resenha completa aqui!
Sobre a obra, Karnal escreveu em seu Facebook:
Foi curioso : li “Crime e Castigo” quando era muito jovem. Era uma edição (soube depois) traduzida do francês. Achei o livro bom, mas não impressionante. Passei um longo tempo sem retornar a Dostoiévski. Depois, já adulto, fui presenteado com outra versão, traduzida direto do russo por Paulo Bezerra. Era outro livro. Foi uma epifania, um encontro. Passei o fim de semana trancado, lendo sozinho, assustado com tamanha densidade. Na cena do assassinato, tive uma angústia inédita diante da liberdade e da consciência do mal. Um mundo se abriu. Seco, cru e denso, um texto de 1866 me pegou por inteiro. Raskólnikov esmurrou meu estômago e pediu guarida na minha alma inquieta. Nunca mais fui o mesmo. Reli imediatamente. (Fonte)
2- Irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoievski
A narrativa trata da história de uma conturbada família em uma cidade na Rússia. O patriarca da família é Fiódor Pavlovitch Karamázov, um palhaço devasso que subiu na vida principalmente devido aos dotes de suas duas mulheres, ambas mortas de forma precoce, e à sua mesquinharia. Com a primeira mulher tem um filho, Dmitri Fiodorovitch Karamázov, que é criado primeiramente pelo criado que mora na isbá ao lado de sua casa e depois por Miússov, parente de sua falecida mãe. Com a segunda mulher tem mais 2 filhos: Ivan e Aliêksei Fiodorovitch Karamázov, que são criados também por um parente da segunda mulher do pai de ambos. Ao passo que Ivan se torna um intelectual, atormentado justamente por sua inteligência, Aliêksei se torna uma pessoa mística e pura, entrando para um mosteiro na cidade.
Karnal, após comentar sobre Crime e Castigo, fala dos Karamazov:
Passei logo para “Os Irmãos Karamázov”. A cena do grande Inquisidor me acompanha/assombra sempre. Não é à toa que Freud, Nietzsche e Sartre achavam este o maior romance já escrito. Sou, plena e dialeticamente, cada um dos 3 irmãos, especialmente nos defeitos. Hoje amanheci mais Alexis (Aliócha). E tem gente que precisa de drogas para viajar… Eu preciso de Dostoiévski. (Fonte)
3- Na Colônia Penal, de Franz Kafka
“Na colônia penal”, conto publicado em 1918 que traz uma retrato fantástico/realista da crueldade do sistema penal. A narrativa acompanha um explorador estrangeiro em visita à colônia penal e guiado por um oficial que tem por objetivo apresentar o magnífico aparelho utilizado na execução das sentenças. A máquina, grande mote do conto, consiste em uma cama na qual o condenado ficará preso enquanto uma série complexa de engrenagens são calibradas e posteriormente, através de um rastelo e de uma série de agulhas a sentença literalmente será marcada escrita em seu corpo. (Fonte)
Em um post do Facebook (Julho/16), Karnal indica a obra:
O mundo discute muito a partir de fatos imediatos: o crime da semana, uma fuga espetacular, o assassinato de alguém… Ao ler mais, conseguimos sair do passional do momento e criar perspectiva. Como lidar com o crime? Punições são justas? Como trabalhar com a contravenção sem virar contraventor? Para que possamos sair do rema-rema do cotidiano que hipnotiza a maioria, urge ampliar a visão. Sugiro a leitura do conto “Na Colônia Penal”, de F. Kafka. Gosto muito da tradução de Modesto Carone. Ler é alçar voo acima do lodo do imediato.
4- Um artista da fome, de Franz Kafka
O “artista da fome” é um jejuador profissional que se apresenta para um publico pagante, cuja diversão consiste em vigiá-lo durante o tempo em que se comprometeu a se abster de alimentação.
O “artista da fome” mostra-se insatisfeito por não lhe permitirem jejuar o tanto que gostaria. É obrigado a interromper o jejum depois de 40 dias, prazo máximo para manter a atenção do público, na opinião de seu empresário. O artista da fome se sente incompreendido e não gosta quando o público se sensibiliza com o que julga ser seu grande sofrimento, pois para ele o jejuar não é um sacrifício penoso. Fica ofendido quando pensam que ele ludibria a todos e come escondido, como fazem os vigias que, de forma cúmplice, se afastam da jaula onde fica, como que lhe dando oportunidade para se alimentar. Ninguém compreende que se ele parece triste e acabrunhado, isso não se deve ao jejum. Na verdade, era o contrário, ele jejuava por que estava triste e ninguém nunca se apercebeu disso. Assim, ao final das apresentações, ao invés de se regozijar por ter conseguido cumprir com o prometido e aceitar as homenagens de todos, a delicadeza das moças que lhe vinham amparar e encaminhar para a supostamente desejada refeição, rejeitava tudo e só saia a contragosto da jaula que o abrigara durante aquele período. (Fonte)
5- O Príncipe, de Maquiavel
O Príncipe, de Maquiavel é dirigido a um Príncipe que esteja governando um Estado, e o aconselha sobre como manter seu governo da forma mais eficiente possível. Essa eficiência é a ciência política de Maquiavel. A obra é um livro de orientação prática de algumas ações políticas que o Príncipe deve fazer para conquistar e se manter no poder. O escrito se desdobra em 26 Capítulos. (Fonte)
Sobre O Príncipe, Karnal afirmou em um post do Facebook (04/16):
Se alguém decidir ler a obra “O Príncipe”, recomendo pular os capítulos iniciais num primeiro momento. Se o tempo for escasso, leiam logo do capítulo 15 ao 19. O capítulo 18 é base de quase toda a fama de Maquiavel. Depois de ler e analisar os 4 capítulos indicados, voltem ao primeiro e leiam com tranquilidade. Há edições com os comentários de Napoleão, mas poucos são notáveis. O texto famoso do renascimento italiano existe na internet. Se o seu interesse persistir, o livro de Arnaldo Cortina trouxe muita luz sobre as transformações que a leitura da obra sofreu: O Príncipe de Maquiavel e seus leitores (Unesp)
6- Mandrágora, de Maquiavel
A Mandrágora, de Maquiavel, uma comédia escrita provavelmente em 1515, desenvolve-se em torno de sete personagens: Ligúrio – um homem sem virtudes, que não mede esforços para alcançar seus objetivos -; Calímaco – um rapaz culto, e cheio de qualidades -; Siro – o fiel servidor de Calímaco – ; Lucrécia – uma bela jovem que vive para seu companheiro e cuja Vontade1) é guiada pela ética religiosa ; Messer Nicia – marido de Lucrécia, cuja Representação) tende à nulidade ; Sóstrata – mãe de Lucrécia, uma senhora ingênua – ; Frei Timóteo – um servidor corrupto, da Igreja. Em torno dessa obra Maquiavélica, ensejam-se inúmeras análises, dentre as quais convêm citar: as que discorrem sobre aspectos políticos, econômicos e sociais. Seja da época em que foi escrita ou de atuais situações em que o enredo seja válido. Nesse texto, a obra será analisada sob o campo epistêmico da psicologia. (Fonte)
Sobre as abordagens políticas das obras de Maquiavel, Karnal completa:
Hoje , os volumes de e sobre Maquiavel da estante amanheceram sorrindo e luminosos. Eles me diziam: eu não disse? Golpe forte no idealismo, o florentino advertiu , com seu texto direto , que o objetivo da política é poder. O príncipe busca o poder e todos os meios serão considerados válidos para isto. Adverte Nicolau: em política, os aliados de hoje são os inimigos de amanhã.
7- O Aleph, de Borges
O Aleph (no original, El Aleph) é um livro de histórias curtas de Jorge Luis Borges, publicado em 1949 e contendo, entre outros, o conto que dá nome ao livro. O escritor aborda vários pontos paradoxais como a imortalidade, a identidade, o duplo, a eternidade, o tempo, a soberba, a condição humana e suas crenças, com um alto grau de criatividade e escrita superior, com elevadíssimo grau cultural, submetendo o leitor a um intrincado labirinto de ideias e reflexões. (Fonte)
8- As Cidades e as Serras, de Eça de Queirós
É uma obra das mais significativas de Eça de Queirós. Nela o escritor relata a travessia de Jacinto de Tormes, um ferrenho adepto do progresso e da civilização – da cidade para as serras. Ele troca o mundo civilizado, repleto de comodidades provenientes do progresso tecnológico, pelo mundo natural, selvagem, primitivo e pouco confortável, no sentido dos bens que caracterizam a vida urbana moderna, mas onde encontra a felicidade, mudando radicalmente de opinião. A Cidade e as Serras preconiza uma relação entre as elites e as classes subalternas na qual aquelas promovessem estas socialmente, como faz Jacinto ao reformar sua propriedade no campo e melhorar as condições vida dos trabalhadores. (Fonte)
Na mesma publicação em que Karnal cita os livros, ele fala de Eça: