Pobre e com a saúde comprometida, o compositor Wolfgang Amadeus Mozart desconfiava estar compondo um Réquiem encomendado para seu próprio funeral.
Em sua casa, enquanto esperava que o café ficasse pronto, Sophie Haibel encarava a chama no centro de uma lamparina e pensava em Mozart, seu cunhado enfermo, que visitara algumas horas antes. Acometido de uma febre desconhecida no mês anterior, o gênio precoce da música, que escrevera suas primeiras composições aos 6, agora agonizava com um inchaço incomum no corpo, vômitos súbitos e incapacidade quase completa de movimentos. Mozart confidenciara a Sophie que acreditava estar sendo envenenado com aquatofana, veneno à base de arsênico, e que a última missa de requiem que estava a compor, encomendada por um cliente anônimo, era destinada a seu próprio funeral.
Apesar de as janelas do cômodo de Sophie estarem fechadas, sem correntes de ar, a chama da lamparina subitamente apagou. Encarando o acontecimento como presságio, Sophie rumou para a casa de sua irmã e de Mozart. “Tens que ficar aqui para assistires à minha morte”, sentenciou ele. Lá se encontrava também o assistente de Mozart, Sussmayr, que recebia instruções para o término do réquiem. Fora um ano de trabalho exaustivo, com pouco retorno financeiro e constantes encomendas de clientes. Pouco depois da meia-noite, falecia Wolfgang Amadeus Mozart, a dois meses de completar 36 anos.
30 dólares foram gastos para o funeral do compositor, que seria enterrado no cemitério de S. Marcos. O frio, a neve e a chuva impediram que um grupo reduzido de pessoas pudesse acompanhar a procissão da carroça que levava o corpo, e o enterro foi realizado numa sepultura sem nome, dado o fato de que Constanze, a viúva, acreditava que a igreja lá colocaria uma cruz ou sinal. Numa pintura da época, a carruagem vaga sozinha pela névoa de Viena, acompanhada apenas de um cão. Até hoje não há indício exato de onde Mozart tenha sido enterrado.
A misteriosa ausência de testemunhas no enterro de Mozart ainda gera debates
Inveja de um compositor rival
O talento excepcional de Mozart era reconhecido por onde quer que passasse, e o mesmo se deu em Viena. Antes de sua chegada, a corte de José II contava com o compositor Antonio Salieri – posteriormente professor de figuras como Schubert, Beethoven e Lizst – como músico de maior prestígio e habilidade. A chegada de um músico altamente superior haveria provocado, segundo boatos, a inveja de Salieri.
O filho de Mozart, que havia se tornado discípulo de Saliere antes da morte do pai, contou: Saliere pode não ter matado seu pai, mas certamente envenenara sua vida com intrigas. Disse o próprio Salieri que era lamentável a morte precoce do compositor, mas talvez esta tivesse sido positiva para outros compositores. “Ninguém nos daria um pedaço de pão pelo nosso trabalho”, afirmava Salieri sobre a possibilidade de Mozart ter vivido por mais tempo.
A controversa figura de Salieri na vida de Mozart. Inveja ou admiração?
Em seu leito de morte, no entanto, Salieri foi visitado por um discípulo de Bethooven, balbuciando, deu sua palavra de que “não existe verdade nesse boato absurdo”, apesar de algum tempo depois, um ano antes de sua morte, visitantes relatarem o desejo do compositor da corte em confessar um pecado ou delirar sobre alguma responsabilidade pela morte do rival.
Vingança de um marido traído
Dias depois da morte de Mozart outro acontecimento levantou suspeitas. Franz Hofdemel, seu irmão maçônico, se suicidou após retalhar e desfigurar com uma navalha sua esposa grávida, que ainda assim sobreviveu. Cinco meses depois a moça, chamada Magdalena, deu a luz a uma criança que, segundo boatos, era filha de Mozart.
Magdalena fora uma das últimas discípulas do compositor. Se a relação entre Mozart e Magdalena pode ser fruto de boatos, há relatos confiáveis que podem indicar o contrário. Beethoven recusava-se a tocar diante de Magdalena, alegando ter havido “muita intimidade” entre ela e Mozart. E a irmã de Mozart, Maria Anna, certa vez apontou para o fato de que o irmão só dava aulas a moças jovens quando estava apaixonado.
Em contrapartida, uma série de cartas do compositor dá a entender que ele era completamente fiel à sua esposa Constanze, e o interesse da imperatriz Maria Luísa pelo caso de Magdalena é indício de que, a despeito dos boatos, a grande maioria das pessoas não via qualquer plausibilidade no boato de que a moça algum dia fora amante de Mozart.
Última obra produzida por Mozart, o Requiem foi deixado inacabado
Atritos com colegas de maçonaria
Mozart foi admitido como membro de uma loja maçônica em Viena em 1784. Na época, a participação em uma organização maçônica era motivo de prestígio e um papel desempenhado por cidadãos “de honra”. O talento do compositor serviu para a criação de diversas músicas cerimoniais, e sua participação nos rituais era constante e engajada.
No entanto, outro boato diz respeito a uma punição da instituição devido à composição de A Flauta Mágica, uma ópera regida pelo próprio músico e que rendeu grande popularidade à instituição maçônica, tendo revelado segredos em demasia. Este boato é provavelmente o mais contestado, uma vez que a ópera de Mozart foi muito bem recebida pela maior parte dos membros da instituição maçônica. A Flauta Mágica muito mais se aproxima de uma exultação dos ideais de coragem, amor e fraternidade da organização do que um dossiê que propunha revelar segredos.
Após a morte de Mozart, membbros da organização, dentre eles o grão-mestre de sua loja, consideraram a morte uma “perda irreparável”. Após sua morte, os membros da maçonaria apresentaram inclusive uma cantata em benefício da família de Mozart.
A hipótese médica
Uma matéria de jornal da época sugeriu que, por o corpo ter inchado após a morte, poderia tratar-se de envenenamento. Consta também que o corpo de Mozart encontrava-se, além de inchado, exalando um cheiro fétido que impediu tentativas de autópsia. O fato de o corpo estar mole e elástico, quando a tendência é que corpos fiquem rígidos e frios após a morte, causou ainda mais especulações sobre a possibilidade de envenenamento.
Há 200 anos a morte incomum de Mozart tem sido objeto de intensos debates, mas, também, alguns mistérios se resolveram ao longo desse período. O primeiro diz respeito ao misterioso cliente que encomendara o Requiem – tratava-se do conde Von Walsegg, cuja mulher faleceu em 1791. Quanto às condições médicas em que Mozart morreu, a primeira hipótese, mais tarde descartada, foi a de “febre militar aguda”. Depois, surgiu a hipótese de febre reumática. Em 1984 o médico Peter J. Davies publicou uma análise detalhada do histórico médico do compositor, que foi capaz de dar luz a alguns dos acontecimentos.
Por volta dos seis anos, segundo o médico, Mozart teria contraído uma infecção estreptocócica do aparelho respiratório. Apesar de a infecção não ter se manifestado cedo, pode ter resultado em doenças posteriores, como febre tifóide, bronquite e amigdalite. Na análise do médico, a infecção estreptocócica, uma hemorragia cerebral e uma broncopneumonia fatal teriam explicado a confusão mental e alterações de personalidade que podem ter levado Mozart a pensar estar sendo vítima de algum tipo de conspiração.
O mais concreto vestígio dos últimos dias de Mozart, em última análise, é a técnica e o sentimento com que a arte do compositor foi produzida. Segue abaixo uma reprodução do Requiém de Mozart.
Postado originalmente no Literatortura