Publicado originalmente em Literatortura.
A obra de Poe é extensa e magnífica, repleta de trechos marcantes, já que ele é um dos mais influentes escritores da literatura americana e também mundial. Diversos escritores foram influenciados por ele em vários aspectos, como temas, estilo e teorias de composição. Poe não foi apenas um escritor de terror e poeta, como alguns podem imaginar, mas inovou também com diversas teorias narrativas sobre a composição e os efeitos de um conto, sobre a definição da poesia e foi um dos pioneiros na literatura policial, sendo o seu detetive Dupin uma das maiores inspirações para o famoso Sherlock Holmes. Além de sua influência na literatura, os contos de Poe trazem tantas descrições profundamente psicológicas de narradores perturbados que, como veremos em algumas das citações a seguir, algumas teorias sobre o psicológico humano influenciaram as teorias do subconsciente, posteriormente mais desenvolvidas por Freud.
Enfim, há tantos trechos marcantes na obra deste grande escritor que foi difícil selecionar apenas dez citações, portanto, há, no final da lista, ainda mais uma menção importante (sim, leitor, apenas mais uma, claro que se poderia facilmente colocar mais mil menções honrosas, e nenhuma delas seria menos importante do que as outras, mas tal feito tornaria a lista por demais longa, o que não é a ideia desta seção. Recomenda-se, entretanto, que leia os contos e poemas inteiros das quais as citações seguintes foram retiradas, se ainda não os houver lido, e, caso já tenha lido-os, leia-os novamente! É sempre bom ler Poe!).
Seguimos então com algumas das mais importantes citações da obra de Poe, começando pelos poemas e partindo para os contos. As citações dos poemas estão no original, seguidas de suas respectivas traduções, pois poesia, quando traduzida, sempre tende a modificar-se mais do que prosa, e é importante mostrar a sonoridade dos poemas originais de Poe, na qual tanto ele trabalhou, como nos relata no ensaio A Filosofia da Composição.
1 – O Corvo (The Raven)
And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon’s that is dreaming,
And the lamp-light o’er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted – nevermore!
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á… nunca mais!
– Tradução de Fernando Pessoa
O Corvo, sim! Começamos a lista pelo mais clássico poema de Poe. Difícil tarefa é escolher uma só citação de um poema tão perfeito em estrutura e conteúdo em cada linha. Porém, a estrofe final contém toda melancolia do poema concentrada em cinco linhas, e o famoso refrão Nunca mais (Nevermore), é a forma como o narrador rende-se à sombra do corvo, a ave ou demônio que atormenta sua alma com lembranças de sua amada Lenore.
2 – Um sonho dentro de um sonho (A Dream within a Dream)
All that we see or seem
Is but a dream within a dream
Tudo o que vemos ou parecemos
Não passa de um sonho dentro de um sonho – (tradução literal)
Depois de O Corvo, este e Annabel Lee são os poemas mais citados de Poe. Não é difícil até ver pessoas com tatuagens com este trecho do poema, que é um dos mais significativos de Poe, trazendo um interessante questionamento condensado de forma poética em uma quantidade pequena de palavras. Em apenas duas linhas, o poeta pondera sobre a origem de toda a existência como sendo tudo apenas um sonho dentro de outro sonho.
3 – Annabel Lee
For the moon never beams, without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise, but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling—my darling—my life and my bride,
In her sepulchre there by the sea—
In her tomb by the sounding sea.
“Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.”
– Tradução de Fernando Pessoa
Em um de seus mais belos poemas, Poe outra vez relata sobre a morte de uma mulher amada, um dos temas mais poéticos existentes, ainda acompanhado do tom melancólico, que, como o autor diz em A Filosofia da Composição, ser a melhor combinação para compor um poema. A estrofe final de Annabel Lee, apesar de melancólica, como todo o poema, traz uma espécie de alegria romântica ao declarar como a amada do eu lírico, Annabel Lee, continua presente em sua vida mesmo após ter morrido. A sonoridade dos versos originais de Poe traz tal musicalidade ao poema, especialmente a estes versos, que consegue demonstrar bem essa mistura de melancolia e alegria apaixonada do narrador que vê sua Annabel Lee em todo lugar.
4 – Sozinho (Alone)
From childhood’s hour I have not been
As others were—I have not seen
As others saw—I could not bring
My passions from a common spring—
From the same source I have not taken
My sorrow—I could not awaken
My heart to joy at the same tone—
And all I lov’d—I lov’d alone—
Nos tempos de infância nunca vi
Como os outros — nunca vivi
Como os outros — nem pude pegar
Paixões de uma fonte vulgar –
Dela nunca pude revolver
Minha tristeza — nem comover
Meu coração no mesmo caminho –
E tudo que amei — amei sozinho –
– tradução de Josenildo Marques
O início do poema Sozinho (Alone) serve como uma perfeita definição para muitos dos leitores de Poe, que se identifiquem com quase nada mais no mundo e podem encontram identificação em poemas como este, no qual o poeta diz não ser como os outros e amar tudo o que amou sozinho. Neste poema o narrador revela sua personalidade distinta e solitária, o que é um traço marcante de muitos narradores de Poe.
5 – Demônio da Perversidade (Imp of the Perverse)
“Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar. Deter-se, um instante que seja, em qualquer concessão a essa idéia é estar inevitavelmente perdido, pois a reflexão nos ordena que fujamos sem demora e, portanto, digo-o, é isto mesmo que não podemos fazer. Se não houver um braço amigo que nos detenha, ou se não conseguirmos, com súbito esforço recuar da beira do abismo, nele nos atiraremos e destruídos estaremos. Examinando ações semelhantes, como fazemos, descobriremos que elas resultam tão-somente do espírito de Perversidade. Nós as cometemos porque sentimos que não deveríamos fazê-lo.”
Difícil selecionar apenas uma citação marcante deste conto, que é um dos mais psicológicos e teóricos e menos narrativos de Poe, porém esse trecho parece transparecer bem a incrível ideia do texto. Neste conto, o narrador pondera sobre o citado no título Demônio da Perversidade, que é o ímpeto humano de fazer aquilo que não deve fazer, pelo simples motivo de que não deve mesmo, de fazer aquilo que o levaria à sua própria destruição. Tal linha de pensamento pode ter sido uma das influências de Freud no desenvolvimento da teoria da repressão do subconsciente.
6 – O Coração Denunciador (The Tell-tale heart)
“Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como então posso estar louco?” […]
“Eles estavam zombando do meu horror! — Assim pensei e assim penso. Mas qualquer coisa seria melhor do que essa agonia! Qualquer coisa seria mais tolerável do que esse escárnio. Eu não poderia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Senti que precisava gritar ou morrer! — e agora — de novo — ouça! mais alto! mais alto! mais alto! mais alto!
— Miseráveis! — berrei — Não disfarcem mais! Admito o que fiz! – levantem as tábuas! — aqui, aqui! — são as batidas deste horrendo coração!”
Nestes trechos vemos claramente a perturbação do narrador, o qual, no início do conto, tenta ao máximo mostrar-se são e lúcido, dizendo que, por ter ouvido muitas coisas no inferno, não poderia estar louco. No segundo trecho aqui citado, vemos o desfecho do conto, no qual o narrador desespera-se e diz a famosa frase “são as batidas deste horrendo coração”, a qual vemos em diversas adaptações deste conto para o cinema e inclusive em Os Simpsons, em um episódio que faz referência a este conto.
7 – William Wilson
“Era Wilson, mas Wilson sem mais sussurrar agora as palavras, tanto que teria sido possível acreditar que eu próprio falava, quando ele me disse:
– Venceste e eu me rendo. Mas, de agora em diante, também estás morto… morto para o Mundo, para o Céu e para a Esperança! Em mim tu existias… e vê em minha morte, vê por esta imagem, que é a tua, como assassinaste absolutamente a ti mesmo.”
Nesta citação, vemos o impacto do desfecho de William Wilson ser delineado em poucas frases; o efeito, por Poe tão buscado e sempre alcançado com sucesso, surge nestas linhas quando vemos a verdadeira identidade de Wilson, o perseguidor do protagonista, revelar-se. Esta narrativa foi um dos primeiros textos a utilizar-se do tema da lenda do doppelgänger e a divisão do ego com maestria, relacionado-os com temas morais e aprofundando-se no psicológico do narrador.
8 – O Enterro Prematuro
“Há momentos em que, mesmo aos olhos serenos da razão, o mundo de nossa triste Humanidade pode assumir o aspecto de um inferno, mas a imaginação do homem não é Carathis para explorar impunemente todas as suas cavernas. Ah! A horrenda região dos terrores sepulcrais não pode ser olhada de modo tão completamente fantástico, mas, como os Demônios em cuja companhia Afrasiab fez sua viagem até o Oxus, eles devem dormir ou nos devorarão, devem ser mergulhados no sono ou nós pereceremos.”
Assim como em o Demônio da Perversidade, temos neste conto mais trechos teóricos do que narrativos, o que torna o conto altamente psicológico. A narrativa mostra a paranóia de seu protagonista de ser enterrado vivo e, neste trecho de encerramento, o autor conclui, de forma sucinta e bem elaborada, como transtornos mentais, emocionais, como o temor de ser enterrado vivo do protagonista, ou a região dos terrores sepulcrais, como Poe se refere, existem e mesmo racionalizando-os, é difícil escapar destes, porém, se por demais cultivados, podem destruir um ser humano.
9 – A Queda da Casa de Usher
“Durante todo um dia pesado, escuro e mudo de outono, em que nuvens baixas amontoavam-se opressivamente no céu, eu percorri a cavalo um trecho de campo singularmente triste, e finalmente me encontrei, quando as sombras da noite se avizinhavam, à vista da melancólica Casa de Usher. Não sei como foi – mas, ao primeiro olhar que lancei ao edifício, uma sensação de insuportável angústia invadiu o meu espírito. Digo insuportável, pois tal sensação não foi aliviada por nada desse sentimento quase agradável na sua poesia, com o qual a mente ordinariamente acolhe mesmo as imagens mais cruéis por sua desolação e seu horror.”
Um dos trechos mais melancólicos da obra de Poe é a introdução do conto A Queda da Casa de Usher. O autor cria toda uma atmosfera pesada, na qual o narrador é acometido subitamente por uma angústia repentina apenas pelo vislumbre da Casa de Usher. Tal introdução perfeitamente constrói a atmosfera de desolação que permeia todo o conto, até seu trágico desfecho.
10 – Berenice
“Desviei involuntariamente a vista daquele olhar vítreo para olhar-lhe os lábios delgados e contraídos. Entreabriram-se e, num sorriso bem significativo, os dentes da Berenice transformada se foram lentamente mostrando. Prouvera a Deus que eu nunca os tivesse visto, tendo-os visto, tivesse morrido! […] Os dentes!. . . Os dentes! Estavam aqui e ali e por toda parte, visíveis, palpáveis. Diante de mim. Compridos, estreitos e excessivamente brancos, com os pálidos lábios contraídos sobre eles, como no instante mesmo do seu primeiro e terrível crescimento. Então desencadeou-se a plena fúria minha monomania e em vão lutei contra sua estranha e irresistível influência. Nos múltiplos objetos do mundo exterior, só pensava naqueles dentes. Queria-os com frenético desejo. Todos os assuntos e todos os interesses diversos foram absorvidos por aquela exclusiva contemplação.”
No trecho acima, vemos o narrador de Berenice, deixando-se tomar com completo pela paranóia com os dentes de sua prima Berenice. O narrador sofre de uma doença, monomania, a qual faz com que sua atenção seja exageradamente concentrada em qualquer coisa por mais simples que seja. E a visão dos dentes da prima o perturba de maneira assustadora, como podemos ver nas palavras que parecem ser ditas por alguém em pleno desespero. O conto todo se desenvolve em torno da obsessão do narrador, que, assim como em outros contos do Poe, tem sérios transtornos mentais. Tal trecho acima, uma das citações mais marcantes de Berenice, demonstra uma agonia que permeia muitos dos melhores contos de Poe.
Menção Importante:
11 – O Princípio Poético (The Poetic Principle)
“I would define, in brief, the Poetry of words as The Rhythmical Creation of Beauty.”
“Eu definiria, brevemente, a poesia de palavras como A Criação Rítmica da Beleza.”
Depois de poemas e contos, claro que não poderíamos nos esquecer dos textos teóricos de Poe. E, nesta frase, em seu ensaio O Princípio Poético (The Poetic Principle), o autor define a poesia de uma forma lírica e simples, como a criação rítmica da beleza, o que resume perfeitamente a visão de Poe da poesia.