Linguiça! Chaves treme, a sala silencia, o Professor Girafales sobe um fogo vermelho na cara e de repente Taaaaa, taaaa, taaa, taa, TA! Corrige o nome, não é professor Linguiça, é professor Girafales, Senhor Rubén Aguirre, 82 anos. Falecido no dia 17 de junho de 2016. Hoje.
Há um aroma e um sabor agridoce em cada ator do Chaves que se vai. Pinga a melancolia e uma saudade física da pessoa, como se tivesse morrido um amigo de infância, um tio distante, um vizinho muito querido da casa em que moramos aos sete anos. Mas ressurge uma paixão luminosa, morna, refrescante ao estupor do cotidiano em nossas vidas: a gente lembra a celebração constante que era Chaves, a festa que era ao ato de viver, de estar em conflitos, de romper o discurso do dia-a-dia para formar um novo, desafiador, inconstante. Chaves não era um seriado sobre o conforto da vida, mas sim sobre como poderiam ser engraçados os seus conflitos, suas lutas e como mesmo nas pequenas maldades humanas ainda se encontravam espaços para humanidade e felicidade. Era, acima de tudo, o humor lutando pra estar na sua fase mais pura, inocente e juvenil, lutando por si mesmo e existindo enquanto sobrarem risadas de alguma criança no sofá de sua sala.
Rubén Aguirre deixou uma herança incontestável a todos nós. Foi, em nossas infâncias, a personificação perfeita de como os professores podiam ser humanos: inteligente, disciplinado e ainda assim conflitante, pois era orgulhoso, às vezes severo demais e mesmo muito ingênuo quanto àquilo que pedia aos alunos. E parecido com uma linguiça. Não nos esqueçamos disso. Ser linguiça era o ponto mestre da narrativa, era o que deixava o professor à mercê de ser humano: imperfeito, longe das idealizações e utopias do mundo, aproximava-se tanto do ser gente como a gente que as crianças de Chave viam fora da escola que era tratado assim, que nem gente mesmo. Professor Girafales não foi um professor, apesar de humano, mas sim professor enquanto humano. E isso atingia seu ápice quando víamos chegar, na vila, aquele homem todo decorado, engomado num buquê de flores, perguntando à mulher que amava se não seria uma xícara de café muito incômodo. A gente se apaixonava junto com ele, tanto que repetia as mesmas palavras que ele. Depois da senhora.
Rubén sofreu um acidente no fim de 2007 e foi prostrado ao uso de cadeiras de rodas. Lutava para conter diabetes e doenças renais. Ainda assim, no dia 1º de junho foi a seu twitter brincar que já haviam começado os rumores de sua morte, mas que estava vivo e tuitando. Em conclusão, a famosa expressão monossilábica e plural: Taaaa, taaaa, taaa, taa, TA! Em 2015, fez significativa declaração: não tinha medo de morrer, mas sim de estar morrendo. E só essa declaração nos corta o peito. Não é o temor ao fim, mas a aproximação dele e as iminências de que reduza a potência do que é viver. No dia 07 desse mês, agradeceu o apoio de todos no twitter e disse que aquilo o alegrava.
O que ele não sabia, talvez, que seja impossível morrer para nós. Talvez por bruxaria de Dona Clotilde ou algum episódio milagrosamente não emitido pelo SBT, o Professor Girafales está irremediavelmente submetido à imortalidade. Não morre e não pode estar morrendo, porque enquanto houver quem saiba por que causa, motivo, razão ou circunstância haveria de um professor com bigode de Freddie Mercury visitar a viúva Florinda na Vila, permanecerá intacto nesse conflito de viver.
Resta então o pesar e memória pela partida do nosso professor favorito. E, ao invés de flores azuis, levemos todos a seu leito maçãs e uma ou outra melancia.